Conheci o
doutor Namir Cavalli quando fui convidada pela jornalista Soraia David a
participar de seu extinto programa sobre saúde, o “Medicina & Saúde”,
em 2011. Pra mim, um dos melhores que já teve sobre saúde. Logo que bati o olho nele no vídeo me simpatizei com o doutor Namir. Como diz o ditado: “Meu
santo bateu com o dele! risos”. Não deu tempo de participar do programa, porque eu nunca imaginara que alguém leria este blog, quanto mais ser chamada para dar entrevista! Quando assisti ao programa fiquei prestando muita atenção para ver bem quem era aquele médico de
voz grave e calma que explicava aos “colegas” sobre a doença. E gostei
muito, mas muito mesmo não só da explicação, mas também deste gaúcho que dedica
sua vida há cerca de três décadas (e a nós mulheres). Ele explicou com
excelência como realmente a doença pode ser perigosa tanto ao corpo quanto a
nossa mente. Falou das dores muitíssimo bem. E confesso que adorei quando ele
falou da “parte psíquica, das dores,
principalmente, da “dor incapacitante da dispareunia”, e da “equipe
multidisciplinar”. Afinal, foi a união do meu ginecologista e do meu proctologista que me livrou das dores fortes da doença. A pauta foi elaborada por mim e a
entrevista realizada pela minha querida colega Soraia David. Bom, ela já virou
nossa correspondente no Paraná. E exclusiva, hein! Adorei a entrevista, principalemente, quando ele compara os casos de dengue aos de endometriose em Cascavel. Se a dengue é questão de saúde pública, por que a endometriose não? Sinceramente, eu não entendo, e a presidente, Dilma Rousseff, tem de olhar por nós, afinal, ela é uma mulher, como nós, tem filha! Eu não entendo porque ela nos ignora, porque não reconhece logo a endometriose como uma doença social. Beijo carinhoso!
Entrevista
por Soraia David
Edição:
Caroline Salazar
Gaúcho de
Espumoso, Namir Cavalli formou-se em Santa Maria, no Rio Grande do Sul e
especializou-se em Ginecologia e Obstetrícia em Campinas, interior de São
Paulo. Há 28 anos é médico em Cascavel, no oeste do Paraná, e tem o respeito de
colegas de todas as áreas da medicina. Doutor Namir é um desses raros
profissionais que se debruçam com total comprometimento e seriedade sobre uma das
doenças que mais tem chamado a atenção da população feminina: a endometriose.
Referência mundial em endometriose, o A Endometriose e Eu
se empenha a cada dia em leva informações de qualidade às pessoas que buscam
entender e vencer os obstáculos que esta doença acarreta às mulheres no
mundo todo.
O que é?
A
endometriose, segundo o especialista, é a presença de tecido endometrial
(glândulas e/ou estroma) fora da cavidade uterina. Endométrio é o tecido que
reveste o útero por dentro e que a cada 28/30 dias descama (menstrua). A
incidência é de 10 a 15% das mulheres a partir da primeira menstruação,
tornando-se uma doença de alta prevalência. Perguntei ao Dr. Namir, o que pode
ser feito para ajudar as mulheres que se encontram nas estatísticas citadas.
“Acredito que uma maior divulgação e conscientização da classe médica para que
se pense mais na doença quando frente a pacientes portadoras de cólicas
menstruais, dor pélvica crônica, dor na relação sexual - principalmente
na penetração profunda, dor para evacuar, sangramento nas fezes ou na urina no
período menstrual e casos de infertilidade. Em geral os sintomas da doença
iniciam antes dos 20 anos de idade e se acentuam com o passar dos anos”,
relata.
Infertilidade
feminina:
Um dos
maiores problemas ocasionados pela endometriose é a dificuldade de engravidar,
fator explicado pelo médico: “Na literatura mundial a endometriose causa cerca
de 25 a 50% dos casos de infertilidade feminina. O mecanismo pelo qual a
endometriose causa infertilidade ainda não está bem esclarecido, mas sabemos
que pode ocorrer por aderências pélvicas (junção de estruturas que estão
normalmente separadas), endometriomas (que são cistos de endometriose dos
ovários “os chocolates” que acarretam uma qualidade ruim nos oócitos “óvulos
femininos”, explica. Outros fatores que são desconhecidos ainda da medicina
também podem levar, de acordo com Dr. Namir, à infertilidade. “Pacientes com
poucas e pequenas lesões que não conseguiam engravidar há alguns anos e que
após a videolaparoscopia engravidam em poucos meses e pacientes com múltiplas
lesões que têm o diagnóstico durante uma cesariana (o que leva a pensar
que esta mulher não poderia ter engravidado) por exemplo, são questões que a
medicina ainda não respondeu”, conclui.
Complicações
da doença:
De
uma maneira geral a endometriose afeta as mulheres basicamente em três pontos
principais:
-
Infertilidade (não permitindo gravidez);
-
Dor pélvica incapacitante, impedindo a mulher de exercer suas atividades o que
acarreta uma grande falta ao trabalho;
- Dor na relação sexual principalmente na
penetração profunda, ou seja interfere nas 3 situações mais importantes na vida
de uma mulher moderna: fertilidade, sexualidade e realização profissional.
O
diagnóstico:
O
diagnóstico da endometriose na maioria das vezes ocorre pela história clínica
da paciente, com o relato do início das cólicas menstruais progressivas quando não
respondem ao uso de anticoncepcionais orais. O doutor Cavalli complementa: “Dor
pélvica crônica (mais de 6 meses), dispareunia (dor na relação); aparecimento
de tumores ovarianos ao ultrassom, dor ao toque com percepção de nódulos em
fundo de saco vaginal, manchas arroxeadas no fundo da vagina no exame
especular, alteração no CA 125 (exame de sangue que originalmente foi
instituído para câncer de ovário e que hoje é utilizado para auxiliar no
diagnóstico da endometriose). Os trabalhos atuais demonstram que a endometriose
tem um caráter genético familiar importante, ou seja, tem hereditariedade:
pacientes da mesma família têm uma chance maior de desenvolver endometriose”,
ressalta o especialista.
As
causas:
O
especialista de Cascavel diz que apesar das pesquisas, as causas principais da
endometriose não são bem definidas. “Ainda não sabemos a origem da doença e não
temos um marcador genético molecular que possa nos predizer quem terá ou não
endometriose, tampouco temos uma medicação ou comportamento que seja eficaz na
prevenção do desenvolvimento ou agravamento da doença”, informa. Sobre os
sintomas, doutor Namir afirma que podem ser confundidos com as cólicas normais:
“Normalmente são confundidos com as cólicas menstruais normais e fisiológicas,
mas se utilizarmos anticoncepcionais orais e houver uma melhora destas cólicas,
com grande acerto podemos dizer que estas cólicas não são causadas pela
endometriose. Se após os 3 primeiros meses de utilização do
anticoncepcional oral as dores persistirem, podemos pensar e realizar outros
procedimentos para o diagnóstico porque possivelmente estamos frente a uma
paciente portadora de endometriose. Se isso vier acompanhado de dispareunia de
profundidade (dor na relação durante a penetração profunda) podemos afirmar
quase convictamente tal diagnóstico”, afirma.
Avanços
da medicina:
Um dos
pontos levantados na entrevista diz respeito aos progressos feitos na área de
diagnóstico e tratamento da endometriose. “Na verdade, a grande evolução se deu
com o advento da videolaparoscopia, o que aprimorou o diagnóstico e o
tratamento. No Brasil, a videolaparoscopia foi introduzida em 1990, e a partir
daí, realmente iniciou a grande evolução. No momento ainda o melhor tratamento
é a cirurgia - principalmente a cirurgia videolaparoscópica - porque
temos uma visão ampliada da doença e com isso podemos realizar uma ressecção
melhor. Depois da cirurgia podemos lançar mão dos análogos do GnRH que têm um
resultado muito bom, mas o tempo de uso é limitado devido aos efeitos
colaterais, principalmente quanto aos sintomas de uma menopausa. Com a
utilização a longo prazo desses medicamentos, a osteoporose (descalcificação
nos ossos) pode facilitas fraturas”, explica doutor. Namir reforça que seu uso
deve ser sempre após a realização de cirurgia para tratamento da endometriose e
não antes, pois o diagnóstico definitivo da doença ocorre com a biópsia durante
o ato operatório.
A
dedicação ao diagnóstico e tratamento da endometriose:
Com um
largo sorriso no rosto, característica marcante do doutor Namir, ele narra como
iniciou os trabalhos voltados para a endometriose. “Em 1990 eu e o doutor
Sagae, da Gastroclínica Cascavel, adquirimos um aparelho de videolaparoscopia -
no Brasil poucos serviços realizavam este procedimento. Com a chegada deste
equipamento, que veio da Alemanha, houve a necessidade de reaprendermos um novo
modelo de cirurgia que é a cirurgia minimamente invasiva, a
laparoscopia (nota da editora: cirurgia minimanete invasiva com duas
pulsões na pelve (uma de cada lado) e outra no umbigo, realizado com anestesia
geral. Quando gravada recebe o nome de videolaparoscopia e a paciente tem de
sair do hospital com o DVD da cirurgia). Fui em busca de alguém que estivesse
realizando este método no Brasil e descobri em São Paulo meu querido
amigo, que hoje não está mais entre nós, o doutor Francesco Viscomi, e em julho
de 1991 iniciamos com o serviço de videolaparoscopia em Cascavel”, relembra.
Através do aparelho de alta tecnologia para a época, o doutor Namir e o doutor
Sagae encontraram muitos casos de endometriose grave no início, que foram
diagnosticados como inoperáveis, devido ao número de aderências e que em muitos
aspectos parecia com o câncer. Realizavam então a biópsia, interrompendo o
procedimento. A iluminação de luz amarela era ruim, segundo o médico, o que
dificultava a visão, mas para a época, consideravam normal. “Em 1992 participei
juntamente com doutor Francesco e outros colegas do Brasil, do 3º
Congresso Mundial de Endometriose realizado em Bruxelas, na
Bélgica. Veja bem, se há 21 anos já ocorria um Congresso Mundial apenas
para ser discutido o tema endometriose, percebi a importância da doença para as
mulheres e não parei de estudá-la desde então”, conta.
Equipe multidisciplinar:
Doutor
Namir defende a interação de uma equipe multidisciplinar no atendimento e
explica o motivo: “A endometriose acomete as mais diferentes estruturas dentro
da pelve feminina e fora dela, principalmente, as estruturas próximas como o
aparelho digestivo (reto, sigmóide, apêndice, intestino delgado) bem como o
trato urinário, seja bexiga ou os ureteres. Daí a importância de termos durante
o ato operatório um cirurgião do aparelho digestivo ou proctologista e também
um urologista, todos conhecedores da doença e de suas nuances, tendo o ginecologista
como responsável pela equipe para que a cirurgia ocorra no sentido da
preservação da fertilidade e também se aplica, caso seja necessário, ao
tratamento clínico coadjuvante. Às vezes e não menos importante, necessitamos
da presença de fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras e outros profissionais
para uma melhor orientação e acompanhamento da paciente portadora de
endometriose”, ensina.
Os
números da doença no Brasil:
A
endometriose está virando um surto no país. Médicos falam que nunca viram
tantos casos agressivos como nos últimos dois, três anos. Sobre isto, doutor
Namir é pontual: “Realmente nos últimos anos os casos de endometriose avançada
estágios 3 e 4 tem sido diagnosticados com uma frequência cada vez maior.
Acredito que se deva aos meios de diagnósticos mais precisos e também
porque o número de profissionais que tratam destes casos mais avançados ainda
seja muito restrito - talvez no máximo somos 10 serviços com esta experiência
no Brasil”, relata. O especialista faz uma pausa e reforça: “adolescentes que
têm cólica menstrual e que não respondem ao uso de anticoncepcionais orais
devem procurar um especialista para que se possa pensar em um possível
diagnóstico de endometriose.”
O
tratamento:
A maioria
das mulheres que precisa fazer tratamento com análogos de GnRH ficam com medo
dos efeitos colaterais. Muitas se recusam a fazer, mesmo sendo prescrito pelo
médico. Doutor Namir encoraja o tratamento, justificando: “A utilização de
análogos do GnRh está sendo utilizado com frequência menor; houve um período em
que se utilizava em todas as pacientes portadoras de endometriose e/ou dor
pélvica crônica por um período longo de 12 meses. Atualmente utilizamos
análogos em casos específicos por períodos curtos de no máximo 6 meses. Com
isso os efeitos colaterais são menores e menos intensos. Não há a necessidade
da utilização de análogos por mais de 6 meses porque o nível mínimo de
estrógenos circulantes (hormônios femininos) ocorre no terceiro mês de
uso, tempos maiores que este são desnecessários. Utilizamos os análogos
naquelas paciente em que percebemos que ocorreu a permanência da doença após a
cirurgia, ou seja, não conseguimos extirpar toda a doença em um único ato
operatório; na endometriose grave em que tratamos toda a doença, mas em
que se deseja a gravidez e se utilizarmos o análogo melhora as chances de
gestação, e nas portadoras de adenomiose uterina (endometriose do músculo
uterino), pois ocorre uma melhora da fertilidade após a utilização do análogo”,
finaliza.
Reconhecimento
social da doença:
Cerca de
40% das mulheres portadoras de endometriose vivem em estado incapacitante. Este
dado, por si só caracteriza a doença com uma das piores que surgiu até hoje
justamente por deixar algumas quase inválidas. Doutor Namir Cavalli
posiciona-se de modo taxativo quanto a isto: “Trata-se de uma questão simples,
vamos traçar um comparativo entre endometriose e dengue. Em nossa cidade
tivemos a notificação de 56 casos de dengue no primeiro trimestre deste ano e
apenas no nosso serviço diagnosticamos 30 novos casos de endometriose neste
mesmo período. Não lhe parece um caso de saúde pública?”, indaga.
A cura:
Uma
pergunta que paira no ar quando o assunto é endometriose e que interessa a
todas as pessoas envolvidas diz respeito às pesquisas e avanços na área. Será
que os cientistas estão próximos de descobrir a cura para a endometriose? Para
o especialista do Paraná, a questão é matemática. “Acredito que a cura ainda
como em todas as doenças, esteja no diagnóstico precoce e em uma cirurgia
que trate a endometriose como um todo. Os medicamentos que estamos utilizando
até o momento são apenas paliativos e complementares a um tratamento cirúrgico
eficaz, mas a pesquisa sobre endometriose no mundo é muito intensa. Penso que
teremos algumas novidades em pouco tempo. O 14º Congresso Mundial de
Endometriose será no Brasil, na cidade de São Paulo em 2014, e acredito que
teremos algumas novidades para informar à população sobre o tratamento desta
doença”, diz.
As novas
gerações de especialistas:
A
peculiaridade da doença exige sério comprometimento do profissional para que o
tratamento seja exitoso. Considerando tal aspecto, Cavalli avalia o perfil do
médico que diagnostica e trata a endometriose: “Deve ser muito estudioso e
muito curioso, pois anualmente são lançados no mercado mundial cerca de 1 mil
novos trabalhos sobre a doença e algumas opções terapêuticas novas.
Isto nos leva ao estudo ininterrupto e à aquisição de uma boa habilidade para
microcirurgia; sem falar no humanismo empregado, pois este profissional
irá tratar dos problemas mais significativos para a mulher moderna
como fertilidade, sexualidade e trabalho”, lembra. A escassez de bons especialistas
no país também é comentada durante a entrevista, o que leva à seguinte reflexão
do especialista: “A videolaparoscopia que por enquanto é o procedimento de
eleição para tratamento da endometriose, nasceu fora das escolas de medicina.
Com isto, o preparo dos profissionais tornou-se oneroso do ponto de vista
financeiro e os próprios profissionais bancam o aprendizado - e a isso se
deve o pequeno número de profissionais preparados para executar este
tratamento. Atualmente existem alguns centros de formação de profissionais
em número maior e algumas escolas já estão formando médicos com este perfil.
Quero acreditar que em um tempo não muito distante, o tratamento da
endometriose em seus mais diferentes estágios será de mais fácil acesso para as
mulheres em geral”, determina.