segunda-feira, 28 de março de 2016

"A VIDA DE UM ENDOMARIDO": O AVANÇO DA ENDOMARCHA TIME BRASIL E A IGNORÂNCIA QUANTO À DOR MENSTRUAL!

Alexandre Vaz, nosso endomarido, à esquerda, e o cientista inglês Matthwe Rosser, à direita - Foto: arquivo pessoal


Em “A Vida de um EndoMarido”, nosso endomarido Alexandre discorre a respeito da EndoMarcha 2016 e também sobre o que trabalho voluntário que ele faz comigo no A Endometriose e Eu há pouco mais de 3 anos. Parece que foi ontem que conheci o Alex (é assim como o chamo) e que começamos a trabalhar juntos, mesmo sem nunca ter visto um ao outro ao vivo e a cores. Ele entrou de cabeça num projeto meu de trabalho social e fico feliz quando escuto dele, que ele gosta e se sente bem sobre o trabalho no blog. Falo que ele é meu braço direito, mesmo morando em outro país e tendo um oceano entre nós. Tanto que ele acompanha de perto a evolução das voluntárias que estão chegando à equipe EndoMarcha Time Brasil e está muito feliz com o progresso da EndoMarcha 2016. Foi um sucesso e fizemos bonito e, em 2017, será ainda mais lindo. Ainda temos muito trabalho pela frente, quando o assunto é a ignorância das pessoas quanto à dor menstrual. Não, não é normal sentir cólicas, em especial, as incapacitantes. Agora a palavra é do Alexandre, que celebra conosco as conquistas que estamos tendo tanto na marcha, no blog, quanto nas voluntárias que estão chegando para em breve termos a EndoMarcha em todos os estados brasileiros. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

OBS: Não podemos esquecer que graças à EndoMarcha 2014 conseguimos a primeira lei de conscientização sobre a endometriose no Brasil, na cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Graças a ela, teremos a mesma lei de Semana Municipal de Conscientização e Enfrentamento à Endometriose em outras cidades. Leia a matéria sobre a Lei 7.713/14 de Campo Grande.

3ª Edição da EndoMarcha – Registrando progresso a cada ano que passa e ainda a ignorância das pessoas sobre a doença

Tenho estado afastado por esses tempos, sem postar nada devido a mudanças importantes na minha vida pessoal, mas continuo seguindo os avanços e as preocupações da comunidade internacional das portadoras de endometriose.

Comemorando a 3ª edição da EndoMarcha resolvi escrever esse texto, um resumo desses anos em que tenho estado envolvido na questão da endometriose, começando por um episódio que aconteceu comigo faz uns dias. Comentei com umas moças que existe essa coisa de endometriose, uma questão bem grave que afeta milhões de mulheres no mundo inteiro. Uma natural da Nigéria e a outra da Bulgária. As reações não poderiam ter sido mais diferentes. A nigeriana ficou muito curiosa e mostrou alguma preocupação, inclusive, falando que iria pesquisar sobre o assunto. A búlgara não achou ser nada demais, afinal toda mulher que ela conhece tem dor causada por cólica menstrual. E se você tem dor, toma um analgésico e continua com a sua vida.


Percebi que não iria ter tempo suficiente para explicar em detalhes o que é endometriose e também que a postura dela seria sempre de descrédito, então não insisti. Aproveito para referir que a nacionalidade delas não tem nada que ver com o caso, são apenas pessoas, o único motivo pelo qual refiro isso é apenas para demonstrar que elas são de culturas bem distintas e de regiões bem afastadas no mundo.

Mas vamos explorar em detalhe a reação da moça búlgara usando como exemplo para uma reação típica; as pessoas estão acostumadas com a ideia de que dor menstrual é normal, logo não tem nada de mais. Coloquemos uma questão: é normal ter dor no pé, ou dor de dente? Qualquer pessoa que tenha uma dor assim irá falar que não, e procura um médico, certo? Então por que continuar falando que dor menstrual é normal? Até mesmo porque se você perguntar para um médico se dor é normal ele irá lhe falar que não, mas se você especificar que é cólica menstrual provavelmente irá falar que sim. Em que ficamos? Afinal de contas sentir dor é normal?

Muitas pessoas reagem com incredulidade sobre os relatos de dor extrema relacionados com a endometriose, e alguns são profissionais de saúde, o que frustra imensamente as portadoras que vão ao médico buscando explicações e soluções para o que está acontecendo com elas. Alguns casos se revestem de tal desespero, que muitas portadoras acabam se suicidando por falta de quem acredite nelas, não apenas os profissionais de saúde que encontram, mas também amigos, parentes e companheiros. O fato de a portadora não conseguir prever quando vai estar bem o suficiente para poder comparecer socialmente, e com frequência ter de desmarcar ou nem conseguir fazê-lo, por estar dopada com analgésicos fortes, cria um afastamento natural e a vida social vai para o brejo.

Essas portadoras olham a sua volta e não encontram ninguém para apoiá-las. Elas se acham totalmente sozinhas no mundo, e quando tem alguém falando com elas, geralmente, estão criticando. Falam que elas são preguiçosas, que não aguentam nem uma dorzinha menstrual boba, que está tudo na cabeça delas. Elas também são acusadas de serem tóxico-dependentes, de irem ao médico para buscarem drogas, dentre outros impropérios. Será que é por isso que a mulher é referida como o sexo frágil? Olha, eu não queria ter de enfrentar nem metade do que a minha esposa já aguentou. Não me considerando fraco, eu acho que ela é uma lutadora fantástica.

No trabalho conjunto que a Caroline e eu temos feito, lidando com vários especialistas, inclusive, entrevistando alguns deles e postando aqui no blog, todos eles afirmam que dor menstrual não é normal. Um desconforto é considerado aceitável, uma dor que passa com um analgésico comum não revela grandes preocupações, mas mais do que isso é caso para suspeitar de alguma anomalidade. Então, é importante ir ao médico, do mesmo jeito que é importante ir ao dentista quando você sente dor de dente. Esperar que passe todo mundo sabe que não funciona. Se o dente está com um problema, quanto mais tempo você espera, mais grave será o caso, mais dor você irá sentir e os períodos entre dor serão cada vez mais curtos até o ponto em que a dor simplesmente não dá tréguas e te impede de concentrar seja no que for: descansar, dormir e até mesmo de ter a sua vida normal.

A diferença é que é muito mais simples tratar um dente, no seu limite você poderá extraí-lo. Vai ficar com um janelão na boca, mas a dor causada por esse dente não existirá mais. Você eliminou a causa e, com isso, eliminou os sintomas. Mas nesse caso o limite teve de passar pela extração. Com a endometriose é semelhante - mais uma vez, essas são conclusões minhas de acordo com o que leio e pela minha experiência pessoal junto de minha esposa -, mas ela só será eliminada por meio de remoção física dos focos por cirurgia. A medicação ajuda a controlar os sintomas, mas não resolve a doença em si, pelo menos o que tenho visto até hoje. Todas as abordagens que tenho observado procuram controlar os sintomas por meio de regulação hormonal, o que é bom, mas seria como equilibrar a infecção do dente careado e controlar a dor sem obturar e eliminar a causa do problema. Sem fazer isso, o problema se manterá para sempre. O dente se deteriora cada vez mais enquanto o paciente passa a vida se entupindo de analgésicos e antibióticos. Não é a forma mais inteligente de abordar o problema, creio que todos concordarão.

Agora vem outra questão muito importante: como custear a cirurgia e encontrar um bom cirurgião que saiba de fato o que está fazendo? Sobre a questão dos cirurgiões são os relatos das portadoras que foram operadas que nos fazem ter a confiança para indicar um ou outro profissional. Não nos baseamos na fama que têm na praça. Apenas os relatos do pós-operatório nos interessam, e apenas com médias elevadas de portadoras satisfeitas nos fazem acreditar que estamos perante um bom profissional.

Na questão do dinheiro, ele não cai do céu, e se caísse não valeria nada. Mesmo que tivéssemos alguns milionários bancando as despesas para operar as portadoras que não têm condição de pagar, isso não seria suficiente e não resolveria o problema. Porque num universo de 200 milhões de portadoras (a mais recente estimativa a que tive acesso), ninguém tem dinheiro para tratar todas, e pior que isso, tem lugares no mundo onde não existem sequer médicos especializados em endometriose nem as infraestruturas necessárias para realizar as cirurgias. No Brasil não é exatamente assim pelo que me é dado a entender. Existem bons profissionais, existem técnicas, equipamentos, apenas a população no geral é carente demais para aceder aos excelentes cuidados disponíveis que o dinheiro pode comprar.

Convênio é bom, mas nem todas conseguem pagar. Muitas pessoas precisam escolher entre comer ou comprar remédio. Não deveria ser desse jeito. Todos nós temos o direito à dignidade, aos cuidados de saúde, à educação. E precisamos mostrar que não estamos de braços caídos, permitindo que os direitos garantidos pela constituição não valham o papel em que foram escritos.

As entidades certas para custear os tratamentos são os Estados. Os cidadãos pagam impostos para poderem aceder aos serviços necessários. Não é um favor que estão nos fazendo, é o nosso direito social que nós pagamos com grande sacrificio. Ninguém vai fazer uma cirurgia abdominal porque está na moda ou porque bateu vontade. Não estamos falando de cirurgia estética porque a pessoa tem preguiça de ir à academia para eliminar umas gordurinhas (diferente de casos de obesidade grave que precisa passar por cirurgia). Esse é um problema grave, que sequestra a vida de quem sofre com ele, tanto as portadoras quanto quem as ama e permanece do lado, ajudando, dando força e, por vezes, chorando pelos cantos para não ser na frente da esposa, já que precisa mesmo é de sorrisos, abraços, beijos e segurança. E com isso, um abraço para todos os companheiros de portadoras do mundo inteiro que não abrem mão de quem é tudo para eles. Muita força pessoal, eu sei o quanto dói no coração não estar na nossa mão resolver o problema de quem amamos. Socialmente o papel do homem é proteger e cuidar da família e essa doença ultrapassa tudo o que deveríamos conseguir fazer, nos colocando de joelhos perante tamanho desafio.


Dou os meus parabéns às organizações das nove cidades brasileiras que esse ano participaram da EndoMarcha 2016. Isso representou um importante avanço na saída para as ruas, dando conhecimento de um problema que tem vivido isolado atrás da porta de cada casa faz muito tempo. O crescimento das participações mostra que estamos trabalhando no rumo certo. A participação física é muito importante e está crescendo. Para todos os que puderem se manter junto da organização e para os novos membros, temos muito trabalho pela frente para 2017. O nosso objetivo desde o início é uma marcha em cada Estado do Brasil, mesmo os mais carenciados. Para nós qualquer portadora tem a mesma importância, seja ela de classe social elevada ou as mais baixas. Cada vida conta, e nós estamos lutando por todas. Que ninguém fique para trás.

De memória deve fazer mais de três anos que estou trabalhando ativamente em prol de quem sofre com a endometriose, e jamais quis protagonismo. Espero apenas que o que tenho feito tenha tido algum impacto positivo em quem lê o blog e nada quero para mim, exceto a alegria de saber que aos poucos algumas famílias vão encontrando a paz que tanto desejam. Hoje, porém, será diferente.

Em novembro passado viajei para Manchester para me encontrar com Matthew Rosser (nota da editora: cientista e nosso colaborador voluntário inglês), de quem aos poucos fui ficando amigo. Falamos sobre o trabalho de cada um, e embora o trabalho dele seja muito mais direcionado para soluções práticas, foi muito bom escutar da parte dele que o trabalho do Time Brasil é muito importante.

Para quem não sabe,  o Matthew é um cientista que está buscando uma forma de diagnóstico da endometriose através de análise de sangue, de urina ou de algum outro fluido corporal, e conhece muito bem o que é a endometriose, pois tanto sua mãe como sua esposa são portadoras. Fiquei até sem jeito e agradeci em nome de todos os voluntários do blog e também os que já foram e por um motivo qualquer tiveram de abandonar.

Estava um gelo de bater o dente, e o louco do Matthew de camiseta. Vê se pode. Eu estaria usando as cobertas da cama se achasse que não iria tropeçar e quebrar meus dentes.

Então para vocês, um abraço muito especial meu e do Matthew. Fica aqui um registro fotográfico desse encontro de dois caras malucos o suficiente para acreditar que um dia vai surgir uma solução, e que vale a pena batalhar por ela. Juntos pela luta contra a endometriose. Venha se juntar a nós, todos unidos nunca seremos demais. 

quarta-feira, 23 de março de 2016

PÍLULAS "MAIS MODERNAS" PODEM PROVOCAR QUATRO VEZES MAIS TROMBOSE QUE AS MAIS ANTIGAS!

imagem cedida por Free Digital Photos

Por Caroline Salazar
Edição: doutor Alysson Zanatta


Quando li a respeito de que os anticoncepcionais orais conhecidos como os “mais modernos” podem provocar quatro vezes mais trombose e AVC (Acidente Vascular Cerebral) que os mais antigos, em relação às mulheres que não tomam contraceptivos orais, não pude deixar de escrever para vocês para alertá-las, já que a maioria das endomulheres fazem uso destes medicamentos para alívio das dores da endometriose. Mais um artigo autoral meu! Vou tentar escrever pelo menos um por mês. 

Um estudo publicado no periódico científico British Medical Journal evidencia a ligação entre as pílulas mais novas com hormônio de progestágenos, tais como, o drospirenona, o desogestrel, o gestodeno e o ciproterona, e quando associados a estrogênios nas chamadas pílulas combinadas, a um risco maior de coágulos sanguíneos graves (um distúrbio do sistema circulatório conhecido como tromboembolismo venoso ou TEV) se comparado com as de progestágenos mais antigos, como o levonorgestrel e noretisterona.

A pílula anticoncepcional além de ser indicada para controlar sintomas da endometriose e ou algumas doenças femininas, também serve de contracepção e foi considerada a grande revolução feminina na década de 1960. Porém, ela não deve ser tomada nunca por conta própria, apenas com prescrição do ginecologista após consulta e você deve falar tudo sobre você antes de tomar. O cigarro, o IMC (índice de massa corporal) e as bebidas alcoólicas potencializam a formação de coágulos.  Cerca de 9% das mulheres em idade reprodutiva no mundo todo usam contraceptivos orais. E esse número sobe para 18% em países desenvolvidos.

Esse estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, constatou que as chamadas pílulas de terceira e quarta gerações que contem hormônios combinados com estrogênios e progestágenos, introduzidas no mercado desde 1980, têm esse risco aumentado em relação às pílulas  de primeira e segunda geração. Isso se deve ao fato de esses hormônios interagirem com as proteínas relacionadas à coagulação ativando assim à formação de trombos intravasculares, conhecida como trombose.  Existem também subtipos de progestágenos que apresentam um perfil de risco maior que outros.

Em um primeiro momento, a elevação do risco em quatro vezes pode assustar. Entretanto, os riscos continuam sendo muito baixos quando avaliados em números absolutos. Assim, os fenômenos tromboembólicos, apesar de graves, continuam sendo baixos. Estima-se que cerca de duas mil mulheres deveriam deixar de tomar pílula para que se pudesse evitar um caso de trombose.

Como eu era tratada como ovário policístico, antes de descobrir que tinha endometriose, já usei diversas pílulas, mas não me lembro de todas. Nos últimos tempos eu usei o Gestinol 28 e o Level, como já falei aqui no blog. Desde 2012 uso o DIU de plástico, o Mirena, que contém o hormônio levonorgestrel, considerado de segunda geração. Como me adaptei muito bem, após minha gestação voltei a por o DIU. A maior vantagem desse contraceptivo a meu ver, além de conter pouco hormônio, é o fato de não ter de tomar todos os dias um comprimido. Eu era aquela que sempre esquecia alguns da cartela. Se tivesse um DIU de 10 anos eu seria a primeira a colocar. 

Agora vou listar para vocês as pílulas chamadas “modernas” e as “de segunda geração”, que provoca menor chance de coágulos, mas também é preciso conhecer o histórico, doenças genéticas de cada mulher, de acordo com cada hormônio. Mas não se desesperem, por isso nunca devemos tomar contraceptivos orais sem orientação médica. E, para o médico, você deve contar tudo o que faz e seu histórico de vida e familiar antes de ter a prescrição de anticoncepcionais orais.

- Pílulas combinadas consideradas “modernas, as de terceira e quarta geração”:

Desogestrel - Femina, Primera, , Minian, Nactali, Microdiol, Mercilon, Gracial, Malu, Juliet, Araceli, Mercilon Conti, Gestradiol, Desodiol,

Gestodeno – Gestinol 28, Micropil, Siblima, Tantin, Allestra 20, Allestra 30, Adoless, Ginesse, Femiane, Diminut, Previane, Mínima, Gynera, Minulet, Alexa, Lizzy, Harmonet, Minesse, Mirelle, Avaden, Fertnon, Ciclogyn e Tâmisa 30

Drospirenona
Yasmin, Yaz, Elani 28,Elani ciclo. Lumi, Niki, Molieri 30, Vast, Angeliq, Lyllas, Vincy,  terminar de ver

Ciproterona
Selene, Diane 35, Diclin e Artemidis.

- Pílulas conhecidas como de “segunda geração”:

Levonorgestrel
Microvlar, Level, Ciclo 21, Evanor, Neovlar, Levordiol, Nordete, Normamor, Levogen, Trinordiol, Triquilar

Noretisterona
Norestin,  micronor

Norgestimato
Triafemi, cilest, tricilest e effiprev

quinta-feira, 17 de março de 2016

ENDOMETRIOSE INTESTINAL: RETOSSIGMOIDE - PARTE 2!

Foto 3 - Endometriose de retossigmoide
Na  segunda parte do texto Endometriose Intestinal: retossigmoide (leia a primeira parte aqui), o doutor Alysson Zanatta explica como este tipo de endometriose pode ser descoberta - quais exames detectam a doença - e como tratá-la. É preciso usar a bolsa de colostomia e ou a de ileostomia? Quais os riscos de complicações desta cirurgia? Os medicamentos funcionam? Qual o tratamento efetivo para a endometriose intestinal de retossigmoide? A cirurgia é parecida com a do câncer de intestino? Um texto brilhante que vai elucidar de maneira muito objetiva suas dúvidas sobre a endometriose intestinal de retossigmoide. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Endometriose intestinal: retossigmoide - parte 2

Por doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar 


Como descobrir a Endometriose no Retossigmoide?

A ER pode ser diagnosticada com quase 100% de acerto pela realização de uma ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou uma ressonância magnética pélvica, desde que realizados por especialistas (6). São os únicos, e mais completos exames, para diagnóstico dessa endometriose. A colonoscopia não serve ao diagnóstico e não deveria ser solicitada, a não ser que haja sangramento intestinal (ou outros sintomas) que levante suspeitas sobre outras doenças. Como dito, apenas 5% das lesões de endometriose do retossigmoide atingem a mucosa intestinal, e, portanto, seriam diagnosticadas à colonoscopia. Assim, um resultado de colonoscopia normal não exclui o diagnóstico de ER. Essa é a segunda mensagem que destaco: a não necessidade de colonoscopia para diagnóstico de ER.

Como tratar a Endometriose no Retossigmoide?

Primeiro, é importante destacar quando devemos tratar a ER. A indicação é baseada em dor e/ou infertilidade. Ou seja, mulheres que tenham ER, mas que não tenham dor ou infertilidade, podem ser acompanhadas sem nenhum tratamento específico.

A ER  pode ser fator de infertilidade, mesmo quando avaliada separadamente dos outros tipos de endometriose. Uma pesquisa revelou que mulheres submetidas à ressecção de endometriose parcial e que não tiveram a ER removida, tiveram menores chances de engravidar quando comparadas àquelas com remoção total da doença incluindo a ER (7). Isso significa que, uma vez que se decida pela cirurgia, o maior benefício é com a remoção completa da doença, incluindo a ER.

Todas as medicações hormonais têm a capacidade de controlar, em maior ou menor grau, as dores causadas pela endometriose. Não há efeitos diretos sobre a lesão de ER em si (assim como para qualquer tipo de lesão de endometriose profunda). Isso quer dizer que as medicações não alteram o curso da ER, seja reduzindo-a ou fazendo com que deixe de aumentar. Isso ocorre porque essas lesões de endometriose são formadas basicamente por músculo liso e fibrose, tecidos pouco responsivos à manipulação hormonal. Usando medicações eu posso controlar as dores, mas eu não faço a lesão desaparecer ou diminuir.

A terceira e mais importante mensagem é que o tratamento mais efetivo (e curativo) para a ER é a remoção cirúrgica. A cirurgia deve ser realizada preferencialmente por laparoscopia, que tem resultados superiores. Como conseguimos um diagnóstico preciso da doença antes da cirurgia, podemos planejá-la e discutir exaustivamente seus riscos e benefícios antes da decisão final. E como dito anteriormente, surgem dúvidas e preocupações quando falamos de ressecção intestinal.

A primeira clara distinção que devemos ter em mente é que a cirurgia para ER é diferente daquela para o câncer de intestino. Primeiro, a ressecção é menor, pois não há necessidade de remoção do mesossigmoide, o tecido gorduroso por onde corre a irrigação e inervação do retossigmoide. Segundo, o local da anastomose (a “emenda” após a ressecção) é mais longe do ânus em relação ao câncer, o que reduz riscos de complicações. Terceiro, a colostomia (ou ileostomia) não necessita ser usada (salvo raríssimas exceções), pois a cicatrização costuma ser eficiente quando a cirurgia é tecnicamente bem executada.

Há ainda a opção do uso de técnicas mais conservadoras, como a ressecção discoide, onde apenas a parte anterior com a ER é ressecada (8). Essa técnica pode ser usada em praticamente metade dos casos, e proporciona redução do tempo cirúrgico.

A complicação mais temida da ressecção intestinal é o extravasamento de fezes pelos pontos, causando peritonite (infecção) e necessidade de reoperação, ou extravasamento pela vagina, causando a fístula reto-vaginal. Nessa situação de complicação e peritonite será necessária a colostomia, e apenas nessa situação. Trata-se sim de complicação grave e com potencial risco à vida, porém muito incomum com equipes experientes.

Como citado pelo Dr. David Redwine, devemos entender que o tipo de complicação é inerente ao tipo de cirurgia. Uma cirurgia de catarata tem a rara complicação de cegueira, pois estamos manipulando diretamente os olhos. Da mesma forma, uma ressecção intestinal tem a rara complicação de peritonite, pois estamos manipulando o intestino. Estima-se em 1% esse risco com equipes experientes.

Ainda que potencialmente graves, as complicações da ressecção de ER são infrequentes, e não devem ser um contraindicação à realização da cirurgia. Devem sim ser ponderadas ao máximo, sempre dentro do contexto clínico da paciente. Um risco de 1% ou menos pode ser inaceitável para uma paciente que não tem qualquer sintoma. Por outro lado, esse risco é perfeitamente viável em paciente que tem sua qualidade de vida prejudicada, considerando o enorme potencial curativo da cirurgia intestinal.

Conclusões:

A ER é uma forma relativamente comum de endometriose, que pode causar dor e infertilidade, ou não causar nada. Precisamos apenas de uma ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou ressonância magnética pélvica para o seu correto diagnóstico, desde que realizado por especialista. A colonoscopia é desnecessária na maior parte das vezes.

As medicações hormonais podem controlar em maior ou menor grau a dor causada pela ER, mas não têm efeito direto sobre as lesões. O tratamento mais efetivo e curativo da ER é a remoção cirúrgica, preferencialmente por laparoscopia. A colostomia não é necessária, salvo em raras situações de complicação como a peritonite. Quando bem indicada e bem realizada, a cirurgia para ER tem alto potencial de melhora da qualidade de vida e do potencial reprodutivo da mulher.

Me despeço reforçando o convite para que participem da EndoMarcha - Marcha Mundial Contra a Endometriose - a ser realizada neste sábado, dia 19 de março, em nove cidades no Brasil e dezenas de outras cidades ao redor do mundo. Divulguem e participem. Seu apoio é fundamental para mudarmos a história da doença!

Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

6.            Chamie LP, Blasbalg R, Pereira RM, Warmbrand G, Serafini PC. Findings of pelvic endometriosis at transvaginal US, MR imaging, and laparoscopy. Radiographics. 2011; 31:E77-100.
7.             Stepniewska A, Pomini P, Scioscia M, Mereu L, Ruffo G, Minelli L. Fertility and clinical outcome after bowel resection in infertile women with endometriosis. Reprod Biomed Online. 2010; 20:602-609.
8.            Zanatta A, Sousa JS, Machado RL, Polcheira PA. Laparoscopic discoid anterior rectal excision with the circular stapler for rectosigmoid endometriosis, performed by the gynecologic surgeon. J Minim Invasive Gynecol. 2015; 22:8-9.

quarta-feira, 16 de março de 2016

ENDOMETRIOSE INTESTINAL: RETOSSIGMOIDE - PARTE 1!

Em mais um texto autoral, o doutor Alysson Zanatta traz, numa linguagem simples e de fácil entendimento, o que precisamos saber sobre a endometriose de retossigmoide, um tipo de endometriose intestinal. Para prender a atenção de todas, dividi o texto em duas partes. Na primeira parte, o doutor Alysson explica o que é, quais os sintomas (mas muitas vezes eles são inexistentes), se este tipo de endometriose causa obstrução ou perfuração do intestino e fala também de um assunto polêmico: a endometriose intestinal vira câncer? Muito obrigada doutor Alysson, seus textos são sempre maravilhosos, de fácil entendimento e de uma leveza única. Espero que vocês gostem e aprendam, assim como eu. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Endometriose intestinal: retossigmoide - parte 1

Por doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Queridas leitoras do blog A Endometriose e Eu,

É com alegria que participo mais uma vez do blog, sempre grato ao carinho e esforços da Caroline. Escrevo hoje sobre um tipo de endometriose relativamente comum, e que gera dúvidas às pacientes que vêm ao meu consultório: a endometriose intestinal. O assunto já foi abordado no blog em tradução que realizei de texto do doutor David Redwine (leia esse texto: parte 1, parte 2texto 3 e parte 4). Quero aqui complementá-lo, e responder às perguntas que ouço diariamente sobre a doença.

Quando falamos de endometriose intestinal, podem vir à mente imagens de pessoas colostomizadas, de cirurgias “mutiladoras”, ou de sequelas permanentes e irreparáveis. Inevitavelmente, associamos a endometriose intestinal ao câncer de intestino, este sim com potencial muito mais agressivo. Ouço frequentemente perguntas como “Doutor, mas endometriose no intestino? Como vou ficar? Irá romper? Irá obstruir? Vira câncer?” As preocupações podem ser enormes, porém algumas vezes injustificadas.

A importância da endometriose intestinal se deve ao fato dela ser relativamente comum (cerca de duas ou três a cada 10 mulheres com endometriose) (1), e de gerar preocupações sobre suas consequências. Quando falamos de endometriose intestinal, é necessário que falemos separadamente sobre cada um dos três tipos de doença, pois seus significados clínicos e abordagem são distintos. Falarei hoje sobre a endometriose de retossigmoide (ER) (Fotos 1 e 2), o segmento final do intestino grosso que termina no canal anal e é responsável pelo armazenamento e esvaziamento das fezes.


Foto 1 - Endometriose de retossigmoide



Foto 2 - Endometriose de retossigmoide



O que é a Endometriose Intestinal?

Entende-se por endometriose intestinal aquela que acomete ao menos a camada muscular externa, dentre as quatro camadas de “fora para dentro” da parede intestinal: serosa, muscular externa, muscular interna e mucosa. A doença pode ocorrer em um (ou mais) de três segmentos intestinais distintos: o retossigmoide (70-90%), o apêndice vermiforme (10-20%), ou o íleo terminal (2-5%). A endometriose intestinal é um exemplo típico de endometriose profunda, ou seja, aquele tipo de endometriose que forma nódulos, passíveis de identificação ao exame clínico e aos exames de imagem feito por especialistas. A endometriose intestinal é uma manifestação tardia e avançada da doença. Quando há endometriose intestinal, certamente há outras lesões presentes que surgiram anteriormente.

Assim como as demais lesões de endometriose profunda, não há qualquer prova de que a endometriose intestinal seja causada pela menstruação retrógrada. Se fossem causadas pela menstruação, ela poderia ocorrer em qualquer parte dos cerca de 8 metros de intestino que nós temos, pois uma célula de menstruação “solta” na cavidade poderia se implantar em qualquer lugar. Entretanto, a doença ocorre sempre exatamente nos mesmos locais, como se esses já fossem “marcados” desde o nascimento para acontecer. Assim como as demais lesões de endometriose, há relato da presença de células de endometriose no retossigmoide de fetos (2), o que nos faz supor que esse tipo de endometriose também tenha origem desde o período embrionário.

Quais os Sintomas da Endometriose do Retossigmoide?

Destaco aqui, querida leitora, minha primeira mensagem importante: nem sempre há relação entre ER e sintomas intestinais. Ou seja, ter endometriose no intestino não significa necessariamente ter sintomas intestinais, assim como ter sintomas intestinais não significa ter endometriose no intestino. Como nossa decisão terapêutica será baseada essencialmente em sintomas, essa distinção é fundamental para escolhermos o tratamento adequado.

De forma comum, a ER pode causar distensão abdominal, “gases”, constipação, dor à evacuação (especialmente na passagem das fezes pelo canal intestinal), e sangramento nas fezes (de forma menos comum). Ouço frequentemente que há “diarreia” e que o intestino “melhora, fica mais solto” no período menstrual. Ainda assim, como disse, não posso prever com certeza que há endometriose no retossigmoide pela presença desses sintomas, pois eles também ocorrem em mulheres com outras lesões de endometriose, especialmente aquelas no fundo de saco de Douglas (região entre o útero e o intestino, no “fundo” da vagina). Talvez o sintoma mais específico da endometriose do retossigmoide seja o sangramento nas fezes que ocorre junto com o período menstrual. Esse, porém, irá ocorrer em apenas 5% das pacientes com ER, pois em apenas 5% dos casos a lesão atinge a camada interna (mucosa).


Perfuração e Obstrução Intestinal por Endometriose de Retossigmoide

A ER está raramente associada a complicações agudas, como perfuração e obstrução. Isso significa que muito dificilmente uma mulher precisará de cirurgia “de urgência” devido à endometriose no retossigmoide.

Algumas mulheres podem dizer que percebem fezes “finas”, sugerindo uma redução do diâmetro intestinal pela doença. Porém, raramente haverá uma obstrução completa. Isso acontece porque o retossigmoide tem um diâmetro maior que os demais segmentos, tornando menos possível a obstrução. Ao longo de pouco mais de 10 anos, observei apenas uma paciente que havia realizado uma cirurgia anterior de urgência por obstrução do retossigmoide devido à endometriose. Ainda assim não tive plena certeza se a situação mereceria uma cirurgia de urgência.

De forma semelhante, a perfuração espontânea do retossigmoide por endometriose também é infrequente. Apesar de haver vários relatos de perfuração, especialmente durante a gestação (3), é difícil sabermos qual a probabilidade real de que isso possa acontecer tampouco identificarmos pacientes que teriam maior probabilidade.

Portanto, devido à baixíssima possibilidade de obstrução e perfuração do retossigmoide por endometriose, a meu ver não haveria indicação cirúrgica para remoção de endometriose do retossigmoide pelo fato de que ela possa “complicar”. As indicações cirúrgicas são outras, como relatarei abaixo.

Endometriose intestinal vira câncer?

Não, muito possivelmente. Entretanto, da mesma forma que perfuração e obstrução intestinal, há também relatos isolados de câncer intestinal associados à endometriose (4).

O que sabemos é que há uma possível associação (não necessariamente causa e efeito) entre endometriose e câncer de ovário (5).  Me refiro à endometriose como um todo, e não ER isoladamente. Quase 8000 mulheres com câncer de ovário foram questionadas se tinham (ou tiveram) endometriose. Cerca 9% delas responderam que sim, comparado a 6% de 13000 mulheres que não tinham câncer de ovário.

Isso significaria um aumento no risco de vida de 1,5% para 2,5% ou 3% de desenvolvimento de câncer de ovário ao longo da vida. Apesar do aumento do risco relativo, ainda não conseguimos identificar quais mulheres teriam esse risco aumentado, e, portanto, não podemos afirmar com certeza que haveria redução do risco de câncer se operássemos a endometriose.


Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 


1.            Pereira RM, Zanatta A, Preti CD, de Paula FJ, da Motta EL, Serafini PC. Should the gynecologist perform laparoscopic bowel resection to treat endometriosis? Results over 7 years in 168 patients. J Minim Invasive Gynecol. 2009; 16:472-479.
2.            Signorile PG, Baldi F, Bussani R, et al. Embryologic origin of endometriosis: analysis of 101 human female fetuses. J Cell Physiol. 2012; 227:1653-1656.
3.            Costa A, Sartini A, Garibaldi S, Cencini M. Deep endometriosis induced spontaneous colon rectal perforation in pregnancy: laparoscopy is advanced tool to confirm diagnosis. Case Rep Obstet Gynecol. 2014; 2014:907150.
4.            Yantiss RK, Clement PB, Young RH. Neoplastic and pre-neoplastic changes in gastrointestinal endometriosis: a study of 17 cases. Am J Surg Pathol. 2000; 24:513-524.


5.            Pearce CL, Templeman C, Rossing MA, et al. Association between endometriosis and risk of histological subtypes of ovarian cancer: a pooled analysis of case-control studies. Lancet Oncol. 2012; 13:385-394.