Crédito: Pelvi/ doutor Alysson Zanatta |
A questão da fertilidade feminina é
ampla e muito complexa. Há inúmeros fatores que podem atrapalhar e dificultar uma gestação natural. Muito se fala das trompas, mas pouco se fala da reserva
ovariana. É importante saber que é preciso manter tanto uma quanto a outra saudável para ter o tão sonhado positivo. Após o sucesso da 1ª parte do texto "Aconselhamento
reprodutivo à mulher com endometriose", na 2ª parte o doutor Alysson Zanatta aborda o
endometrioma com impacto na reserva ovariana, o melhor método para medir essa
reserva, o congelamento de óvulos e quando as endomulheres devem decidir pela cirurgia ou pelo tratamento de reprodução assistida às endomulheres que não conseguem engravidar naturalmente. Faltam 30 dias para a EndoMarcha. Se você ainda não fez sua inscrição, clique aqui e faça. Chegou a hora de mostramos que somos muitas e que precisamos de respeito e de tratamento digno. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Aconselhamento reprodutivo à mulher com endometriose - parte 2
Por doutor Alysson Zanatta
O endometrioma ovariano significa
doença avançada, com impacto sobre a reserva folicular
O endometrioma ovariano é o cisto de endometriose
que se forma no ovário de aproximadamente 20% das mulheres que têm a doença. O
endometrioma está associado a 99% de chances de haver, pelo menos, uma lesão de
endometriose profunda (6). Devido à esta alta associação, não há
benefícios da cirurgia realizada para tratar o endometrioma isoladamente.
Possivelmente, a reserva folicular do ovário com
endometrioma já estará reduzida ao momento do diagnóstico (7). E quanto
maior o endometrioma, maior a possibilidade de dano cortical com redução do
número de folículos / óvulos. Assim, um diagnóstico precoce da endometriose
profunda antes do surgimento do endometrioma poderia possivelmente nos levar a
uma intervenção que teria o potencial de preservar a reserva ovariana daquela
mulher.
... possivelmente, a reserva folicular
do ovário com endometrioma já estará reduzida ao momento do diagnóstico...
O hormônio anti-Mülleriano não deve ser
usado isoladamente para tomada de decisões reprodutivas
O hormônio anti-Mülleriano (AMH) é o método atual
de maior aceitação para avaliação da reserva ovariana. É amplamente utilizado
para decisões e aconselhamento de mulheres inférteis, e de mulheres que desejam
postergar a maternidade.
Entretanto, existe uma carência de padronização
entre os laboratórios, e os resultados podem ser altamente variáveis. Com o
AMH, podemos prever a resposta ovariana durante um ciclo de estimulação, porém
não as taxas de gestação. Uma recente revisão que avaliou mais de 5700 mulheres
submetidas à tratamento de fertilização in vitro (FIV)
demonstrou que a dosagem de AMH não acrescentou dados para predição das taxas
de gestação. A idade da mulher é que foi o fator mais significativo para
predição de gravidez (8).
Portanto, assim como a contagem de folículos
antrais (AFC) realizada pela ultrassonografia, a dosagem de AMH nos dá uma
predição quantitativa da reserva ovariana, porém não qualitativa. Por esse
motivo, não devemos basear nosso aconselhamento reprodutivo (e nossas escolhas)
exclusivamente nos valores de AMH. Essa deverá ser baseada em toda a história
clínica da mulher. Cuidado maior ainda deve ser tomado para não “selarmos”
negativamente o destino reprodutivo de uma mulher após um resultado ruim de
AMH, especialmente naquelas mais jovens.
... não devemos basear nosso
aconselhamento reprodutivo (e nossas escolhas) exclusivamente nos valores de
AMH. Essa deverá ser baseada em toda a história clínica da mulher. Cuidado
maior ainda deve ser tomado para não “selarmos” negativamente o destino
reprodutivo de uma mulher após um resultado ruim de AMH, especialmente naquelas
mais jovens...
Congelamento de óvulos em mulheres com endometriose
O declínio da fertilidade relacionado à idade já
constitui a principal indicação para o congelamento de óvulos nas clínicas
privadas. Essas são aquelas mulheres que desejam adiar a maternidade por
motivos sociais, como um melhor momento profissional ou durante o
relacionamento conjugal. Parte dessas mulheres terá endometriose, o que pode
aumentar o desejo para o congelamento.
Ainda há pouquíssimos relatos de gestação em
mulheres que fizeram congelamento de óvulos por endometriose e que engravidaram
a partir desses óvulos congelados, sem tratarem a endometriose. Quando
avaliamos as mulheres que se submetem ao congelamento, verificamos que apenas
3-10% dessas retornam para tentar engravidar. Garcia-Velasco e colaboradores (9) relataram
560 mulheres que fizeram criopreservação, das quais 6,8% por endometriose.
Destas, 13% retornaram. Houve apenas 1 (0,2%) gestação resultante de óvulo
congelado, porém os autores não mencionaram se essa ocorreu em paciente com
endometriose ou em mulher que tenha feito o congelamento por outro motivo.
Ainda que seja uma realidade presente e
revolucionária, não sabemos com exatidão como a endometriose poderia afetar as
chances de gravidez em uma situação onde os óvulos foram coletados “mais
jovens”, mas que a doença ainda estaria presente (não tratada). Como mencionado
anteriormente, a endometriose pode interferir em todas as etapas da fecundação
e da implantação do embrião. No momento, ainda não temos dados para assegurar a
uma mulher que tenha endometriose e que opte por congelar óvulos que ela
conseguirá uma gestação no futuro a partir daqueles mesmos óvulos congelados.
... ainda que seja uma realidade
presente e revolucionária, não sabemos com exatidão como a endometriose poderia
afetar as chances de gravidez em uma situação onde os óvulos foram coletados
“mais jovens”, mas que a doença ainda estaria presente (não tratada)...
Cirurgia e/ou tratamento de reprodução
assistida para a paciente infértil?
Esta é uma discussão ampla e controversa. Temos a
tendência natural de sugerirmos caminhos que já conhecemos, que temos
experiência, ainda que eventualmente não estejam nos anseios daquela mulher.
Informação adequada, completa e isenta são fundamentais.
Até 95% das mulheres com endometriose profunda têm
dor (10). Após uma anamnese direcionada, costumo sempre perguntar às
pacientes: “você sente que essas dores são intensas o suficiente para que você
se submeta a uma cirurgia, sabendo que terá boas possibilidades de ficar bem?”
Caso a resposta seja positiva, a cirurgia é a primeira opção, independente de
haver infertilidade ou não. Caso haja dúvida, ou a resposta seja negativa, a
cirurgia é uma opção entre outras.
O tratamento com reprodução assistida é
particularmente indicado para aquelas mulheres sem (ou com pouco) sintomas,
para aquelas acima de 37 anos e/ou que tenham diminuição da reserva ovariana, e
quando não há distorções anatômicas severas, como grandes endometriomas ou
hidrossalpinge (trompas dilatadas). Devemos considerar que a endometriose afeta
negativamente (em até 50%, segundo alguns autores) os resultados da
fertilização in vitro (FIV), independente do seu grau. A inseminação
intra-útero tem resultados insatisfatórios em mulheres com endometriose severa (11),
e a princípio não seria a primeira opção para essas mulheres. Por outro lado,
40 a 70% das mulheres com endometriose profunda poderiam gestar após 3 a 5
ciclos de FIV (12), caso tenham menos de 35 anos de idade, e consigam
fazer tentativas repetidas.
O principal benefício da cirurgia de remoção máxima
da endometriose é aumentar as chances de gestação espontânea, restabelecendo
condições anatômicas favoráveis e melhorando a implantação do embrião no útero,
ainda que por mecanismos desconhecidos. Em média, há 50% de chances
de concepção espontânea no primeiro ano após a cirurgia, mesmo nos casos
severos (13). E ainda, a cirurgia é a única opção que trata
simultaneamente a dor e a infertilidade.
É importante destacar que as mulheres operadas
antes dos 25 anos idade apresentam formas mais leves da doença (1,14).
Neste grupo, as taxas de gestação espontânea ultrapassam 80%, tornando-se
iguais às da população geral (14). Possivelmente, a remoção cirúrgica
precoce da endometriose poderia preservar a fertilidade em mulheres que se
tornariam inférteis no futuro. O desafio é identificarmos aquelas com maior
potencial para se tornarem inférteis. Como já mencionado, a presença de
endometrioma ovariano é um sinal de doença avançada. Isso poderia motivar uma
intervenção precoce, além, é claro, da presença de dor.
Os resultados da cirurgia dependem da remoção
máxima da doença. Sugere-se que a endometriose profunda seja raramente
recorrente e que, casos diagnosticados como recidiva, representem, na verdade,
persistência da doença (10).
... a remoção cirúrgica precoce da
endometriose poderia preservar a fertilidade em mulheres que se tornariam
inférteis no futuro. O desafio é identificarmos aquelas com maior potencial
para se tornarem inférteis. Como já mencionado, a presença de endometrioma
ovariano é um sinal de doença avançada. Isso poderia motivar uma intervenção
precoce, além, é claro, da presença de dor...
Conclusões:
A endometriose pode impactar negativamente a
fertilidade da mulher em todas as idades, o que não significa que ela
necessitará de tratamento para engravidar. A doença está associada à uma
subfertilidade, mais do que uma infertilidade absoluta. O uso de pílulas
anticoncepcionais não previne o surgimento de formas avançadas, tampouco o
surgimento de novos focos de endometriose.
O endometrioma ovariano significa doença severa, e
pode causar redução da reserva folicular. Ainda assim, o principal fator
determinante de gravidez é a idade materna. A associação de endometriose severa
e idade acima dos 37 anos torna a gestação natural pouco provável.
A adolescência representa o período ideal para que
possamos diagnosticar a doença e tratá-la de forma adequada, já que
a fecundidade das mulheres tratadas nessa idade pode ser igual à da população
geral. O diagnóstico precoce, aliado a decisões corretas e tomadas no momento
de vida ideal, podem significar a diferença entre gestar ou não gestar.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
Referências:
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fecundability assessment. Reprod Biol Endocrinol. 2005; 3:14.
2. Haney
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3. Akande
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between women with unexplained infertility and infertile women with minor
endometriosis. Hum Reprod. 2004; 19:96-103.
4. Adamson
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staging system. Fertil Steril. 2010; 94:1609-1615.
5. Chapron
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associated with endometriosis, especially deep infiltrating endometriosis. Hum
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6. Redwine
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7. Kitajima
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8. Broer
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on patient characteristics in the prediction of ovarian response and ongoing
pregnancy: an individual patient data approach. Hum Reprod Update. 2013;
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9. Garcia-Velasco
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nonmedical indications. Fertil Steril. 2013; 99:1994-1999.
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Steril. 2012; 97:367-372.
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