sexta-feira, 7 de agosto de 2015

MATTHEW ROSSER: O QUE TEM A VER O SÊMEN COM A ENDOMETRIOSE?


imagem cedida por Free Digital Photos

No texto de hoje Matthew Rosser fala a respeito de uma pesquisa que aborda o fluido seminal (o maior componente do sêmen) e a endometriose. O xis da questão é uma proteína, a TFG-β, responsável por controlar a proliferação, diferenciação celular e outras funções na maioria das células, que pode aumentar a chance de endometriose nas mulheres propensas a terem a doença. Apesar de ainda não ser certo a relação dos dois, o tema pode ser alvo de novas pesquisas no futuro. Um texto muito interessante para ler. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por Matthew Rosser
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: Caroline Salazar

O que tem a ver o sêmen com a endometriose?

Talvez alguns de vocês recordem boatos na escola, de histórias circulando, como aquela que se você tomasse mentos e em seguida coca-cola, seu estômago explodiria. 

Eu falo isso por vários motivos, mas em particular porque recentemente surgiram relatos online com respeito de um estudo sobre o efeito do fluido seminal na endometriose. O fluido seminal é o maior componente do sêmen, e acreditando que esses relatos são verdadeiros, então “acabamos de perceber que a exposição do endométrio (revestimento interno do útero) ao fluido seminal, pode contribuir para a progressão da endometriose na mulher”. Essa é uma citação direta de um site tentando mostrar a existência de uma nova pesquisa que foi publicada recentemente, e de forma típica, citaram errado a pesquisa original, provavelmente não leram o artigo original e confiaram na voz do povão e no sensacionalismo.

Mas vamos voltar na pesquisa original então, que foi publicada aqui. Por alguma razão o jornal no qual a pesquisa foi publicada é provavelmente o único que a minha universidade não assina, e por esse motivo não consigo acessar o artigo completo. Consequentemente os comentários que farei em seguida são baseados no abstrato do artigo.

Para começar então, esses pesquisadores estão interessados em Fator Transformador Beta (TFG-β), um mensageiro químico do seu corpo que está envolvido no processo de crescimento e morte das células. Estou falando do TFG-β no singular, mas na verdade é que ele se refere a uma família inteira de mensageiros, compreendendo mais de 30 membros com uma variedade de funções distintas. Para ser mais específico, esses pesquisadores descobriram que uma deficiência no TFG-β-1 em ratos atrapalhava o desenvolvimento da endometriose experimentalmente induzida, implicando o TFG-β-1 como importante para a implementação e crescimento da endometriose.

Para testar isso eles pegaram várias amostras de endométrio humano, que foram expostas a fluido seminal, e também uma solução de crescimento normal. Depois implementaram cirurgicamente as amostras endometriais nos ratos e após duas semanas notaram que as amostras de endometriose previamente expostas ao fluido seminal tinham aumentado em volume mais de 4 vezes.

Perante isso, parecia que a exposição ao fluido seminal aumenta o crescimento das lesões. Contudo existem várias presunções que podem impactar na relevância dos resultados.

  • É assumido que o endométrio normal é igual a endometriose. Apesar do endométrio e a endometriose serem semelhantes, nos últimos anos foram encontradas centenas de diferenças entre os dois. Por esse motivo, a forma como lesões endometrióticas experimentalmente induzidas reagem a estímulos pode ser muito diferente da forma como as lesões em humanos reagem;
  • Não consegui descobrir se o endométrio usado foi de uma portadora ou não, mas esse é um ponto-chave. O endométrio normal de uma mulher com ou sem endometriose possuem diferenças em vários aspectos. De relevância particular é o fato de o endométrio da portadora possuir um nível de TFG-β-1 mais elevado do que o de uma não-portadora. Isso quer dizer que as células endometriais das portadoras são mais sensíveis ao TFG-β-1 (mas isso depende se elas possuem receptores que também reconheçam o TFG-β);
  • Os modelos animais são uma fonte de contínua contenção. Infelizmente eles continuam sendo a única forma de estudar doenças complexas em um sistema vivo, então até surgir algo melhor estamos presos a essa solução. A primeira questão é que os ratos usados eram imunodeficientes (o sistema imunitário deles foi propositadamente enfraquecido de forma a que não rejeitassem os implantes do endométrio). Isso pode significar que a forma como o implante endometriótico cresceu tenha sido diferente do que ocorre na mulher. Segundo, os ratos não têm o mesmo ciclo menstrual que os humanos, de fato eles nem ciclo menstrual têm, mas sim um ciclo estral. Estrogêneo e progesterona pode alterar a produção do TFG-β-1 pelo endométrio, e a variação do ciclo e o efeito das terapias hormonais precisa ser tomado em consideração;
  • Outra coisa que eu não consegui descobrir foi qual a dosagem de fluido seminal com que pré-trataram o endométrio antes de implantar nos ratos. Essa parte é importante porque precisamos saber se isso é fisiologicamente relevante (exemplo: será que a dose usada corresponde ao que seria normal encontrar no corpo humano, quanto fluido seminal atinge a cavidade pélvica após a relação sexual, e se ele consegue entrar em contato com a endometriose?);
  • O peritônio (camada de tecido que envolve os órgãos reprodutores) segrega TFG-β-1 no caso das portadoras, levando a um aumento de TFG-β-1 no seu fluido peritoneal. Assim, a quantidade de TFG-β-1 fornecida pelo fluido seminal pode ser insignificante quando comparada com a já existente, produzida em torno das lesões pelo peritôneo.

No geral fica difícil dizer se a endometriose humana alguma vez fica exposta ao fluido seminal, ou se ele pode ter influência no crescimento da endometriose em humanos. Certamente, não vejo nenhuma evidência que me faça acreditar que a exposição ao fluido seminal cause endometriose. Para algumas portadoras, o ato sexual pode ocasionar dor durante e após a relação, mas eu creio que isso se deva a pressão e torção aplicada na zona pélvica, que já está sensível por conta da endometriose, ao invés da exposição aos componentes do sêmen.

Mesmo com limitações, essa pesquisa nos dá algumas questões sobre as quais ponderar. Em particular, o efeito de TFG-β's no endométrio normal, como ele difere entre portadoras e não-portadoras e como a fertilidade possa ser afetada. Por exemplo, suspeita-se que os TFG-β's estejam envolvidos no desenvolvimento inicial do embrião e que a sua produção sofre variações ao longo do ciclo menstrual.

Descobrir se essas variações são alteradas nas portadoras, e se isso afeta o crescimento e a receptividade do endométrio, definitivamente vale uma investigação.