“Meu nome é Patrícia Gastaldi Gouvêa, sou auxiliar de compras, moro em Vila Velha, no Espírito Santo, tenho 29 anos, casada há 11 anos e sem filhos. Tudo começou em 2008, quando decidi parar de tomar anticoncepcional contínuo para tentar engravidar. A cada ciclo menstrual minhas cólicas aumentavam e novos sintomas apareciam. A cada mês, a dor ficava ainda mais incapacitante, a barriga inchava muito, comecei a sentir dor no ombro direito e, um dia antes ou no dia que a menstruação descia, eu ia parar no pronto socorro. Isso já estava acontecendo todos os meses e, nem os remédios que tomava lá, não tiravam a minha dor. Por causa dessas dores, comecei a faltar no trabalho. A cada ciclo menstrual, eu ficava, em média, dois dias na cama. Procurei vários profissionais que não deram o diagnóstico correto. Até HPV (nota da editora: papilomavírus humano, um dos responsáveis pelo câncer de colo de útero, dentre outros), uma médica disse que eu tinha. Como assim? Uma doença sexualmente transmissível? Na época, eu tinha sete anos de casada, fiz a biópsia e deu negativo. Mudei de médico e, dessa vez, a médica foi sensata e disse que ela não podia me tratar, pois eu tinha sintoma de endometriose e precisaria de um especialista. Mais um ciclo menstrual e vou novamente para o pronto socorro. Desta vez, eu já estava andando curvada, minha barriga estava muito inchada, a ponto de a minha roupa nem fechar mais. Eu estava apenas menstruada, mas o plantonista não acreditou que era só menstruação, ele que eu estava sofrendo um aborto, fizeram até um Beta hCG (nota da editora: exame de sangue que mede o hormônio gonadotropina coriônica humana (hCG), que confirma se a mulher está grávida ou não), que, claro deu negativo. Não contente chamou o médico de plantão do ultrassom e me submeti a um endovaginal (nota da editora: conhecido também como transvaginal, ultrassom transvaginal). Foi aí que veio a primeira pista concreta: ele viu o sangue que o sangue da minha menstruação regressava às minhas trompas. Quando soube falei: “Doutor isso tem haver com endometriose?” Ele olhou para mim e disse: “Você tem grandes chances de ter.”
Passaram-se
alguns meses e, um dia, ao entrar no ônibus para ir ao trabalho, encontrei com
uma conhecida, na verdade uma vizinha de bairro, que estudou na adolescência
com meu marido. Conversa vai e conversa vem, eu contei parte desta minha
história a ela. Até então, a única coisa que eu sabia era que ela trabalhava
numa maternidade. Não é que, para minha surpresa, ela me falou que onde ela
trabalhava tinha especialistas em endometriose. E foi assim que anotei o nome
de dois que ela dizia que mais operava nessa maternidade. Neste tempo eu já
tinha interrompido a menstruação por conta própria porque não aguentava mais as
fortes dores que sentia. Com a indicação marquei a primeira consulta com um
especialista. Fui muito bem atendida e ele pediu alguns exames, porém quando
voltei com os exames, ele estava cheio de restrições para marcar o retorno e
não consegui conciliar com o trabalho. Então, marquei consulta com o outro médico
que tinha referência, que logo já ouviu meu relato, viu meus exames e fiz minha
primeira videolaparoscopia exploratória, onde foi confirmada, que eu era
portadora de endometriose. Na biopsia, assim como na cirurgia, fiquei
sabendo que tinha pequenos focos da doença no diafragma. Porém, eu só tinha dor
neste local, quando estava menstruada. Como eu não estava menstruando, eu não
sentia essas dores. Após essa cirurgia, entrei em tratamento com o Zoladex 10,8
(nota da editora: antagonista de GnRH que inibe a função dos ovários, a
ovulação, induzindo a mulher a uma menopausa precoce ). Foram três doses da
mais forte e fiquei exatamente nove meses sem menstruação, nem um dia a mais ou
a menos. Passado o tempo do tratamento, eu e o médico percebemos que o
remédio não fez efeito em meu organismo, pois mesmo sem menstruar, eu
continuava com dores.
Após minhas queixas meu médico solicitou exames mais
detalhados que constataram endometriose profunda e infiltrativa. Porém, devido
ao plano de saúde, eu não consegui operar com meu médico. No desespero procurei
outro médico e logo marquei minha segunda cirurgia. Só que eu fui enganada por
este médico. Foi um tiro no escuro e não saiu como eu esperava. Ele (o médico)
disse que me operou, mas isso não aconteceu. Como descobri? Após a cirurgia
minhas dores estavam piores do que antes, não senti nenhuma melhora. Com isso
fui a consultório de um dos cirurgiões e ele disse que teria de ser operar
novamente e com urgência. Porém, eu disse ao médico que só operaria se fizesse nova ressonância magnética. Com o novo exame, o médico comparou-o com o anterior e
foi comprovada a suspeita. Tudo o que eu tinha antes da tal cirurgia estava no
exame e, para minha surpresa, ainda tinha mais endometriose dentro de mim: no
meu ovário esquerdo, que se chama endometrioma, e a minha trompa esquerda
estava enorme e com acúmulo de líquido. Marquei minha terceira vídeo para junho
de 2011. Desta vez, a cirurgia durou cerca de 10 horas! Imagine como estava
dentro de mim. A minha pelve já estava congelada (nota da editora: saiba mais sobre a pelve congelada). Perdi a trompa
esquerda, meus ovários estavam menores do que o normal e tinha bolsinhas de
sangue neles, as quais tiveram de ser retiradas com cuidado, pois corri o risco
perder os dois ovários. Foi retirado um pequeno nódulo no reto e, no total,
foram enviados materiais para biópsia de nove lugares diferentes de meu corpo,
e o resultado: endometriose! Já saí dessa cirurgia sabendo que teria que fazer
outra, pois a endometriose do diafragma evoluiu. Foi aí que começou meio que um
filme de terror em minha vida. No dia seguinte da minha alta hospitalar, eu
tive hemorragia em casa e tive de ser carregada para o hospital. Para conter
essa forte hemorragia fui submetida a mais uma vídeo (a minha quarta!). Segundo
os médicos, eu tive uma reação à medicação e, para não dar trombose, eles
optaram por mais uma cirurgia. Tive alta, mas após um dia em casa eu voltei de
novo ao hospital, pois não conseguia comer, beber e muito menos tomar os
remédios. Já estava com anemia e, como eu não conseguia me alimentar, meu
organismo não iria se recuperar. Por isso tive de fazer transfusão de sangue.
Foram três bolsas de sangue e, quando terminou a ultima bolsa, mais um susto:
mais uma hemorragia. Desta vez, meu médico estava na minha frente e, para
contê-la, tomei duas bolsas de plasma e mais uma de sangue. Fui para a quinta,
a segunda vídeo de emergência, porque uma pequena artéria havia se rompido em
baixo do útero. Foi difícil, mas meu médico por videolaparoscopia mesmo
conseguiu encontrá-la e a grampeou. Com isso tudo, eu fiquei vários dias com
dieta zero, inclusive, sem poder beber água.
O importante é que isso foi resolvido e consegui me
recuperar aos poucos. Tomei mais duas doses de Zoladex 10,8. Porém, dessa vez,
esse remédio não cessou minha menstruação e, por isso, voltei a tomar o
anticoncepcional cerazette. Depois de tudo que passei fiquei bem, voltei a trabalhar,
mas as dores no tórax começaram a me incomodar. E sem estar menstruada. Então
marquei a cirurgia do diafragma, porém ela foi cancelada porque meu sangue
ficou alterado. O TAP (nota da editora: exame que determina a coagulação do
sangue) estava muito baixo e, com isso, o risco de hemorragia era enorme. Com o
histórico que tenho, não posso correr mais este risco, de ter outras
hemorragias. Fui encaminhada para o hematologista que me passou vários testes
para verificar meu sangue. E, para nossa surpresa, quando vimos os primeiros
resultados, eu realmente estava com o TAP baixo, e, além disso, estava também
com deficiência no Fator XIII (nota da editora: deficiência rara de coagulação
sanguinea). A partir desses exames, eu recebi a orientação de não fazer nada
que pudesse me causar sangramento. Até mesmo me exercitar na academia, é algo
proibido para mim, pois eu tenho sangramento muscular. Então, até que descobrisse o
que está acontecendo nada de cirurgia. Depois disso precisei fazer uma
colonoscopia, pois meu intestino estava muito constipando e como é necessário
fazer biopsia, o hematologista receitou vitamina K. Tomei e pude fazer o exame,
pois o meu TAP voltou a subir. Porém, para minha surpresa, eu estava com nova
lesão de endometriose no intestino. Decidi com ajuda de amigas viajar até São
Paulo para fazer o ultrassom endovaginal com preparo intestinal que,
infelizmente, não existe no meu estado. Isso é que não dá para acreditar! Bom,
viajei, fiz o exame e, para nova surpresa, tenho duas lesões no intestino, que
não foram apontadas na colonoscopia e nem na ressonância magnética. Fiz com uma
ótima especialista e não tenho dúvida de que ela conseguiu fechar todo meu
diagnóstico. Bom, a partir daí, descobri que não tenho de operar apenas a
endometriose do diafragma, mas a da pelve novamente e a do intestino. Retomei a
questão do meu sangue que virou um quebra cabeça em minha vida. Com o passar
dos meses meu Fator XIII voltou ao normal e o TAP, ora estava normal e ora
baixo?! Fui encaminhada para uma especialista no hemocentro da minha cidade e
repeti todos os exames que havia feito. A diferença agora é que o sangue
coletado foi enviado direto para máquina e o exame veio normal. Fui liberada
para fazer cirurgia, porém preciso ir com reserva de plasma e sangue concentrado
para um eventual sangramento anormal. A questão é depois disso tudo que já
passei por causa da endometriose continuo tendo dores sem mesmo menstruar.
Minha sexta cirurgia está marcada para o dia 23 de junho, já no próximo sábado,
às 7h. Torçam por mim, pois tenho fé de que minha dores estão com os dias contados após essa cirurgia.
Beijos com carinho, Patrícia Gastadi.”