terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

DAVID REDWINE: UMA REVISÃO CRÍTICA SOBRE A TEORIA DE SAMPSON - ORIGEM DA ENDOMETRIOSE - PARTE 2!

Após a introdução do texto "Uma revisão crítica sobre a teoria de Sampson a respeito da origem da endometriose", o doutor David Redwine fala sobre o desenvolvimento desta teoria que a maioria dos médicos citam como sendo a origem da doença. Poderia Sampson estar enganado? Na época dele já existia a nomenclatura endometriose? Leia com muita atenção essa análise do doutor Redwine. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar



Uma revisão crítica sobre o desenvolvimento da teoria de Sampson a respeito da origem da endometriose - parte 2


Desenvolvimento da teoria de Sampson sobre a origem da endometriose:

Como nota histórica de nomenclatura, o termo “endometriose” não existia quando Sampson começou a escrever a respeito da doença. Inicialmente, costuma-se descrever todas as várias manifestações de uma doença, já que são clinicamente mais óbvias, e isso de fato aconteceu com a endometriose. Relatos de Lockyer em 1913 [1], Cullen em 1914 [2] e então de Sampson focaram no que hoje seria descrito como endometriose severa ou profunda, geralmente associada a cistos ovarianos de conteúdo achocolatado com bloqueio completo do fundo de saco, além do envolvimento do reto e da vagina. A histologia dessas lesões invasivas nos ligamentos útero-sacros e em outros locais da pelve revelava pequenos depósitos de glândulas e estroma que se assemelhavam ao endométrio eutópico (nota do tradutor: do local original, no caso da camada interna do útero), circundados por metaplasia fibromuscular. Como isso se assemelhava à adenomiose uterina, essas lesões invasivas situadas fora do útero foram chamadas de “adenomiomas” e poderiam incluir nódulos do septo retovaginal, ligamentos útero-sacros, canal inguinal e parede intestinal. Sampson costumava referir-se à doença invasiva do assoalho pélvico como “adenomioma de implantação do tipo endometrial” ou “adenomas de implantação”. Ele também reconhecia que existiam lesões peritoneais precoces primárias, e essas também eram chamadas de “adenomas de implantação”. Ele frequentemente se referia aos cistos ovarianos achocolatados como “cistos do tipo endometrial”.

Sampson iniciou sua carreira de publicações científicas em um laboratório de radiologia [3], realizando injeções de bismuto gelatinizado ou de bário no colo de úteros removidos por cirurgia, e que eram, então, radiografados. Ele notou que, se o endométrio estivesse intacto, não havia nenhuma passagem de contraste pelos cotos das artérias e veias uterinas. Se a menstruação estivesse ocorrendo durante o momento da histerectomia, ou se o endométrio tivesse sido rompido por uma curetagem, o contraste poderia se extravasar pelos cotos vasculares nas laterais do útero, já que veias abaixo do endométrio haviam sido expostas. Ele também notou que o contraste extravasava-se pelas trompas uterinas. Apesar de não direcionado especificamente à questão da endometriose, este trabalho certamente foi importante para que Sampson direcionasse sua atenção ao fluxo retrógrado pelas trompas uterinas, já que ele alertou que infecções pélvicas ascendentes poderiam ocorrer a partir de injeções intrauterinas. Apesar de não mencionado no trabalho, ele notou mais tarde que esse estudo lhe ensinou que o diâmetro das trompas uterinas dos úteros ressecados poderiam ser variáveis, e que isso poderia facilitar o fluxo retrógrado de menstruação ou de contraste injetado através do colo uterino [4]. Apesar de podermos questionar se evidências obtidas de espécimes cirúrgicos poderiam ser facilmente transpostas a outras interpretações clínicas, Sampson não teve nenhuma dificuldade em fazê-lo. Em 1925 [5] ele emprestou esses conceitos para afirmar que, em mulheres que menstruam, o endométrio desprendido para o interior das veias uterinas poderia causar adenomiose e doença fora da pelve.

Em um trabalho de 1921 frequentemente citado [6], Sampson relatou 23 pacientes com cistos ovarianos achocolatados, das quais apenas 9 tinham a comprovação histológica de “cisto do tipo endometrial”. Outros cistos tinham um epitélio plano, cuboidal, enquanto outros pareciam ser cistos de corpo lúteo. As suas observações extremamente detalhadas o levaram a acreditar que os cistos endometriais formavam-se a partir da invaginação de endométrio a partir do córtex ovariano para o interior de um cisto roto, incluindo cistos foliculares e cistos de corpo lúteo. Como muitas dessas pacientes tinham o que hoje conhecemos como endometriose profunda pélvica, na quarta página do trabalho ele postulou que o líquido achocolatado proveniente desses cistos rotos carregariam células endometriais que se implantariam nas superfícies pélvicas, eventualmente tornando-se adenomas de implantação, em um processo que se assemelharia à disseminação do câncer de ovário. Ele tentadoramente começou a supor que algumas células endometriais poderiam refluir a partir das trompas uterinas e causar a doença peritoneal que ele observava eventualmente em mulheres que não tinham doença ovariana. Baseado apenas em suas crenças, ele rejeitou a possibilidade de metaplasia reativa causada pela irritação do sangue menstrual como origem da doença peritoneal. Ele havia operado apenas duas mulheres com menos de 30 anos de idade com tais cistos, enquanto a mais velha tinha 47. Seis (44%) das 16 mulheres casadas tinham engravidado, em uma época quando se supunha que a taxa “normal” de gestação aproximava-se de 100%, e onde o conhecimento acerca de outros fatores de infertilidade era escasso. Ele, então, iniciou a teoria de que a gravidez era protetora contra a endometriose. Sucessivas gerações de leitores assumiram que esse era um trabalho icônico sobre endometriose, porém a exatidão de seu trabalho inicial a respeito dos endometriomas ovarianos era claramente baixa, já que muitas das pacientes não tinham cistos do tipo endometrial. Vemos nesse trabalho a origem de vários conceitos relacionados à endometriose. Para Sampson, parecia ser uma doença de mulheres mais velhas que reduziria a fertilidade; ela parecia se espalhar pela pelve por dispersão mecânica de fragmentos desprendidos de endométrio, semelhante ao modelo de disseminação do câncer de ovário ou de infecção transtubária. Parecia ser uma doença que comumente envolvia o ovário, e talvez este seria o local mais comum da doença. Entretanto, vemos também nesse trabalho falhas nas etapas necessárias rumo à verdade: mesmo em centros terciários modernos de tratamento de endometriose, a maioria das mulheres não tem doença tão severa como relatada nesse trabalho, e então, as observações de Sampson tiveram claramente um viés de seleção. Portanto, qualquer teoria de origem ou conclusão demográfica não poderia necessariamente ser aplicada a todas as mulheres com a doença. Conquanto este trabalho tenha demonstrado excelentes ilustrações e fotografias microscópicas, não houve nenhuma fotografia microscópica demonstrando a adesão inicial de células endometriais ou de fragmentos endometriais sobre a superfície peritoneal, ou a proliferação e invasão secundárias do tecido por tais células. De maneira incomum, ele apresentou uma teoria parcialmente desenvolvida como um fato comprovado, sem apresentar a devida comprovação científica. Isso é claramente ilustrado por uma de suas conclusões: “O fato de que material vindo dos hematomas ovarianos pode dar origem a ... adenomas do tipo endometrial ... é a prova adicional que esses hematomas contêm tecido endometrial”. Ele não apresentou nenhuma comprovação para essa afirmação, e essa mistura proativa de afirmações “factuais” embasadas apenas por advérbios e formas verbais subjuntivas tornar-se-ia a base para a “prova” de sua teoria em publicações subsequentes, quando ele então buscou expandi-la e defendê-la.

No ano de 1922 [7], em um exemplo do que hoje seria conhecido como duplicidade de publicação, ele republicou informações e muitas de suas ilustrações de seu trabalho de 1921 [6]. Ele manteve o foco na semeadura do ovário por células endometriais provindas de células refluídas pelas trompas (as quais ele sempre encontrou pérvias), originando lesões superficiais ou cistos achocolatados profundos. Ele acreditava que a ruptura posterior desses cistos iria disseminar doença pela pelve, reforçando um conceito de que a endometriose se espalha geograficamente. Uma figura ilustrava um pólipo endometrial em um vaso linfático. Não foi demonstrada nenhuma fotografia microscópica de adesão inicial ou proliferação secundária e invasão.

A primeira sentença de um trabalho publicado em 1922 [8] afirma que a menstruação retrógrada é a causa dos adenomas de implantação (endometriose). Assim, em apenas um ano, as observações de uma dúzia de pacientes, muitas sem comprovação de endometriose, havia se transformado em uma teoria a qual ele afirmava ser correta. Pesadamente ilustrado como os seus trabalhos anteriores, este trabalho fez muito da micro-anatomia pélvica: diferenças de apenas alguns milímetros no tamanho das trompas uterinas foram tomadas como evidências para explicar porque os implantes eram encontrados nas porções laterais dos ovários. Isso começou a introduzir o conceito da regulação do fluxo da menstruação retrógrada pelo ambiente pélvico. Ele continuou a destacar o ovário como um local comum de ocorrência da doença, já que ele estava adjacente à fímbria. Sampson não se preocupava de onde o tecido endometrial poderia vir, afirmando que este poderia “ter escapado através das trompas uterinas... ou da perfuração do hematoma ovariano, ou provavelmente de ambos”. Como seus pensamentos iniciais havia lhe convencido que os ovários eram a chave no surgimento dos “adenomas de implantação”, ele era relutante em tirar os ovários da equação inicial. Ele acreditava que os cistos ovarianos do tipo endometrial e os adenomas de implantação eram simplesmente tecido endometrial eutópico fora de sua localização habitual. Uma vez que esse tecido caía sobre solo fértil”, ele poderia se aderir, multiplicar e invadir, e posteriormente menstruar assim como o endométrio tópico. No ovário, ele postulou que todo o revestimento do cisto poderia descamar e semear-se, que o cisto regrediria completamente, apesar dele acreditar que era mais comum a semeadura incompleta, com a consequente persistência de tal cisto. Fica aparente nas discussões que seu trabalho árduo e entusiasmo conquistou devotos. O Dr. J. W. Williams disse “eu não hesito em lhe dizer que acredito que tudo o que Dr. Sampson disse é totalmente justificado ... Não tenho nenhuma hesitação em endossar tudo o que disse Dr. Sampson ...”

No outono de 1922 [9], a experiência de Sampson com cistos ovarianos hemorrágicos perfazia 49 pacientes. Ele começou a perceber que os adenomas de implantação poderiam existir na superfície pélvica sem a necessidade de doença ovariana intermediária. Para justificar a ocorrência de doença peritoneal superficial ou profunda em algumas mulheres que não tinham cistos ovarianos, ele postulou que o epitélio endometrial e tubário refluído a partir das porções fimbriais das trompas uterinas poderia aderir e implantar-se em superfícies peritoneais sem a necessidade de se aderir primeiramente ao ovário, especialmente no fundo de saco de Douglas, onde a gravidade direcionaria o tecido refluído. Sem comprovação científica, ele novamente afirmou que os implantes peritoneais surgiam a partir de perfurações e extravasamento de hematomas ovarianos. A sua evidência consistia de inúmeras ilustrações, fotografias microscópicas de doença superficial estabelecida que se parecia com o endométrio tópico, assim como cortes tangenciais sobre adenomiose uterina e rearranjo das figuras de forma com que se parecessem que a doença se iniciava na serosa uterina e então invadia a camada muscular. Novamente, não havia fotografias microscópicas da adesão inicial de células endometriais ou de fragmentos de tecidos às superfícies peritoneal e ovariana, e nem fotografias microscópicas da proliferação secundária e invasão destas células. Utilizando argumentos científicos embasados apenas por advérbios, ele notou adenomas no sigmoide, reto, íleo terminal e apêndice vermiforme, e observou que estes locais estavam próximos ao ovário homolateral, pelo qual a doença intestinal “geralmente (ou possivelmente sempre)” se originava. Portanto, relações casuais observadas durante as cirurgias eram literalmente interpretadas como relações de causa e efeito.  Ele descartou a possibilidade de origem durante a embriogênese (nota do tradutor: desenvolvimento, formação dos órgãos), pois ele tinha observado hematomas ovarianos apenas em mulheres acima dos 30 anos de idade, e concluiu portanto que a doença já deveria estar presente em adolescentes, caso tivesse origem durante a embriogênese. Esse é outro exemplo de conclusão obtida a partir de um pequeno número de observações feitas em mulheres mais velhas e com doença mais severa. Desconhecidas por Sampson estava presente toda uma gama de outras formas da doença, porém focando-se apenas em pacientes com doença severa e repetindo observações como fatos causais, os erros no entendimento foram simplesmente reforçados. A doença severa não surge simplesmente da noite para o dia, mas devem ter formas mais precoces e sutis.

Em 1924 [10], Sampson discutiu os adenomas de implantação benignos e as metástases peritoneais do câncer de endométrio para ilustrar seu entendimento de que ambas as condições poderiam se originar a partir de tecido endometrial refluído pelas trompas. Os tumores ovarianos descritos eram cistos endometriais benignos e foram de alguma maneira incluídos tangencialmente no trabalho, já que ele tinha inicialmente focado nos ovários como um local inicial dos adenomas de implantação. Logo após [11], ele unificou os conceitos de menstruação retrógrada e carcinoma de ovário endometrioide (nota do tradutor: um tipo de câncer de ovário possivelmente relacionado à endometriose, cuja relação causa e efeito está sob investigação), o que sem dúvida lhe trouxe prazer, já que reforçava seu entendimento de que o modo de disseminação do câncer era idêntico ao modo da endometriose. A crença de Sampson de que células de câncer endometrial poderiam mimetizar os adenomas de implantação originados a partir da menstruação retrógradas o levou a recomendar a ligadura das trompas uterinas antes da realização da histerectomia para o carcinoma de endométrio. Ele também imaginou que um exame pélvico ginecológico mais vigoroso poderia levar células cancerígenas para fora do útero, e postulou que a retroversão uterina, pólipos endometriais ou fibroides (miomas) poderiam aumentar a menstruação retrógrada. Sampson reconhecia que muitas das evidências que ele e outros haviam trazido para explicar a menstruação retrógrada como causa dos adenomas de implantação eram apenas circunstanciais. Ele indicava que uma forte evidência que o endométrio poderia se implantar e crescer em local ectópico era aquela da endometriose de cicatriz cirúrgica. Ele não considerou e profunda diferença entre o peritônio intacto e uma incisão aberta, mas ao invés disso tomou emprestado a endometriose de cicatriz cirúrgica como prova adicional de menstruação retrógrada como origem da endometriose. Ele também não considerou a teoria proposta por Iwanoff de que a totipotencialidade (nota do tradutor: capacidade de uma célula indiferenciada transformar-se em vários outros tipos de células) das células não era restrita apenas às células do peritônio, mas que poderia se estender a outras áreas do corpo, incluindo a parede abdominal inferior no trajeto das incisões cirúrgicas. Em tais regiões, poderia existir um tecido suscetível à metaplasia para se tornar endometriose, induzidos e auxiliados por fatores de crescimento da cicatrização. Nessa época Sampson já tinha mais experiência com as várias aparências morfológicas dos adenomas de implantação, utilizando termos como “framboesa vermelha / roxa” e “uva”, o que deliciaria uma futura geração de morfologistas.

Em 1925 [12] Sampson introduziu pela primeira vez o termo endometriose, apesar dele não se sentir confortável em descartar o termo “adenoma de implantação”, o que ele ocasionalmente ainda usaria. Notáveis também são as descrições de várias cores das lesões, incluindo brancas. Foram demonstradas fotografias microscópicas de endometriose superficial do útero e do córtex ovariano, mas nenhuma de adesão inicial de células endometriais ou de fragmentos de tecido às superfícies pélvicas, ou de invasão e proliferação secundárias.

Sampson afirmou [13] que durante a menstruação, a gestação e a menopausa, a endometriose era estrutural e funcionalmente idêntica ao endométrio eutópico, uma teoria que finalmente foi descartada no século 21 quando foram notadas dúzias de diferenças entre o endométrio nativo e a endometriose [14], e multiplicadas às centenas [15]. Ele afirmou, sem evidência bioquímica, que o sangue menstrual refluído era muito mais irritativo na pelve do que o sangue normal, e que isso levava à formação de aderências significativas em algumas pacientes. Ele jamais imaginou que glândulas endometriais são biologicamente ativas e que podem secretar algumas substâncias parácrinas (nota do tradutor: de ação local), que seriam na verdade a causa da inflamação, hemorragias e aderências. Ele continuou a oferecer como evidência para sua teoria o fato de que, se a cirurgia fosse realizada durante a menstruação, ocasionalmente poderia ser visto sangue refluindo das porções fimbriais terminais das trompas, apesar de Novak ter relatado que ele nunca observara sangue saindo pelas fímbrias tubárias durante as cirurgias que ele tinha realizado durante a menstruação.  “Evidências” adicionais de semeaduras mensais era a observação que, em determinadas pacientes, poderiam ser vistas diferentes formas da doença. Para ele, isso significava diferentes estágios de desenvolvimento a partir de diferentes momentos de implantação. Ele não considerou a possibilidade que áreas diversas de endometriose na mesma paciente poderiam ter diferentes potenciais intrínsecos para atividade biológica e virulência, o que poderia resultar em diferentes aparências.  A endometriose de cicatriz que se seguia às cirurgias onde o útero não havia sido aberto era explicada por células endometriais refluídas invisíveis que estariam presentes na cavidade peritoneal e que se implantavam na cicatriz cirúrgica fresca, novamente não considerando a possibilidade de que o tecido próximo à pelve poderia ter algum potencial de metaplasia Mülleriana promovido pelos fatores de crescimento da cicatrização. Com base em seu trabalho radiológico publicado em 1918 [3], ele postulou que a adenomiose do útero era causada por êmbolos venosos do endométrio.

Sampson acreditava piamente que a endometriose representava as mesmas variações estruturais que o endométrio tópico, e geralmente controladas pelos mesmos eventos hormonais independente da sua localização [16]. Ele continuou a reunir evidências circunstanciais para definir a menstruação como um super tecido que nunca morria: o autotransplante experimental de endométrio em animais que não menstruavam reproduzia a endometriose de cicatriz de cesárea; endométrio havia sido ocasionalmente observado no interior das trompas uterinas durante a menstruação, e este poderia sair através da porção fimbrial; o sangue menstrual poderia ocasionalmente causar metaplasia reativa e endometriose; e endométrio de macacas presente na cavidade peritoneal poderia resultar em implantação; o endométrio poderia ser encontrado em veias e vasos linfáticos.

Em uma era nascente de competição entre duas teorias para a origem da endometriose (menstruação retrógrada e metaplasia celômica), ele afirmou que o sangue menstrual poderia, “de alguma forma mágica e misteriosa”, transformar o peritônio em endometriose. Ele postulou a existência de algum elemento sólido no sangue menstrual refluído que poderia agir como um irritante específico, e que “existem determinadas áreas no peritônio pélvico que têm potencial Mülleriano e que sob a ação específica do sangue menstrual podem se transformar em tecido endometrial”.

Ele postulou a gravidade como a principal responsável para explicar as áreas mais comumente envolvidas pela menstruação retrógrada, ignorando as vias de organogênese fetal ao longo da cavidade celômica posterior que poderiam originar os tratos de tecido com potencial Mülleriano, os quais ele havia previamente rejeitado como uma possível causa da endometriose.

Sem qualquer comprovação, ele afirmou que “o sangue menstrual indubitavelmente irrita o peritônio e causa exsudato inflamatório, tecido de granulação, aderências e inclusões peritoneais... as exatas condições que favoreceriam o crescimento de qualquer epitélio ou outro tecido presente no sangue, assim como reações peritoneais similares tornam possível a retenção e o crescimento de fragmentos de câncer que caem na cavidade peritoneal. Enquanto o sangue menstrual pode ser bastante lesivo ao mesotélio, os fragmentos de tecido uterino podem permanecer vivos por um longo tempo, estando mais acostumados à sua presença”. A percepção fantasiosa de que o sangue do refluxo menstrual poderia provocar tais floridas reações peritoneais é baseada, claro, pelas formas leves e pelo líquido peritoneal. Claro que podem ser comumente observados em qualquer estágio da doença. Novamente, seu foco em formas graves da doença o levou a “emprestar” achados de formas incomuns como explicação para a origem da doença.

Tendo a experiência com apenas 101 pacientes com endometriose ovariana no ano de 1929 [18], ele continuou na dependência de formas verbais qualificativas para suportar a sua teoria, ao invés de ciência pura, incluindo “poderia, sugeria, poderia ter, provavelmente, ao menos sugere, é natural assumir...”, assim como sentenças adverbiais sem embasamento como “indubitavelmente...”. Ele era rápido também em conclusões científicas sem evidências para suportá-las, como a peritonite devido ao refluxo menstrual que permitiria a adesão de endométrio às superfícies peritoneais.

Em 1932 [18], Sampson estudou a disseminação peritoneal do câncer de ovário, implicando que essas evidências de possíveis metástases poderiam explicar a endometriose peritoneal (figura 1).



Implante peritoneal de carcinoma ovariano metastático [18]. Tais lesões foram usados como "prova" de auxiliares da teoria de Sampson.


Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

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