quarta-feira, 4 de setembro de 2013

DAVID REDWINE: REDEFININDO A ENDOMETRIOSE NA ERA MODERNA - PARTE 1

Depois de delinear sobre a endometriose, no segundo texto do médico, hoje aposentado clinicamente, mas que ainda ativo como cientista e é um dos principais estudiosos da doença, o americano doutor David Redwine vai começar a delinear alguns fundamentos da teoria a qual acredita e que vem estudando há mais de 3 décadas. Na primeira parte do "Redefinindo a endometriose na era moderna", ele explica porque a endo é uma doença tão comum. É incrível como ando conhecendo mulheres com endo. Sabe naquele dia que não quero nem tocar no assunto, porque estou entre amigos me divertindo? Então, é nesse dia que mais aparece portadoras ou possíveis portadoras. Segundo pesquisas do doutor Redwine, a doença tem origem embrionária que somando-se à fatores de pré-disposição genética, mais fatores ambientais resultam na doença, já que a doença já foi encontrada em meninas de 10 anos, e até em senhoras de 78 anos, inclusive, num feto de semanas. No texto, ele também fala do difícil diagnóstico pelo fato de a doença ter sintomas que são confundidos com outras doenças.  Aliás, isso é muito comum no Brasil. A mulher vai ao consultório, relata os sintomas, e em vez do médico ter todas as hipóteses a serem descartadas, ele diz que ela tem a doença tal, como a SII, síndrome do intestino irritável, dentre muitas outras. Esta é uma das razões que o diagnóstico ainda é muito tardio. No meu caso demorei 18 anos para descobrir que era portadora. Como o texto é muito, muito longo, ele será publicado e três partes. No próximo, o doutor Redwine fala da origem da doença, alguns tipos de endometriose e seus sintomas e também da importância do exame físico. 

E não se esqueça de preencher a ficha de inscrição para a Million Women March for Endometriosis, a maior manifestação em massa do mundo em prol de uma doença, nunca realizada antes. Até o momento 23 países sairão às ruas no dia 13 de março de 2014 para mostrar a todas as pessoas do mundo que existimos, que somos muitas (176 milhões de mulheres), reivindicar nossos direitos, cuidados, tratamento especializado acessível em todo país, inclusive, no SUS, conscientizar a sociedade, pois só assim passaremos a ser tratadas com o respeito e a dignidade que merecemos. Esta é a nossa grande chance de ter a doença reconhecida como social pelo governo federal, já que temos um dos maiores especialistas do mundo, o doutor Camran Nezhat, à frente da Marcha de Milhões de Mulheres contra a Endometriose. Compartilhe a Fichade Inscrição entre seus amigos. Todos podem e devem participar. Afinal, a endo não tem idade e basta ser mulher para ter a possibilidade de desenvolver a doença. A união faz a força e juntas somos mais fortes!! Beijo carinhoso!! Caroline Salazar

Redefinindo a endometriose na era moderna - parte 1

Por doutor David Redwine
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: Caroline Salazar

Introdução:

Endometriose é um tecido que se assemelha ao revestimento do endométrio (camada que reveste o útero), mas que pode ser encontrado fora do mesmo em locais do corpo onde não deveria existir. O principal sintoma da doença é a dor. A endometriose sintomática afeta aproximadamente de 5% a 10% das mulheres, embora até 40% possa ser portadora da doença numa forma assintomática (nota da editora: as mulheres que não têm dor).

Isto faz da endometriose uma das doenças humanas mais comuns no mundo inteiro. Embora, a endometriose seja um assunto referido na literatura médica desde o século 19, verifica-se muita confusão durante décadas acerca de sua origem e sobre qual será o tratamento adequado. Finalmente, após um século, as opiniões começam a ser substituídas por fatos, que permitem melhores diagnósticos e uma abordagem mais racional ao tratamento da doença.

Breve história do estudo da endometriose:

No histórico da evolução do conhecimento sobre qualquer doença, a manifestação clinicamente mais óbvia e gravosa é a primeira a ser identificada. Esta forma grave pode ser uma representação incorreta da verdadeira natureza da doença. Uma doença que requeira cirurgia para se obter confirmação de diagnóstico, e cujo resultado seja frequentemente incorreto, sofrerá dois níveis de influência no diagnóstico, escondendo ainda mais a verdadeira natureza da doença.

Uma doença cujos sintomas possam ser “imitados” por outras doenças, será mal interpretada com base nas suas próprias características. Todos estes fatores conjuntos irão conduzir ainda mais à incompreensão da doença. Como resultado, surgem mitos para explicar a perplexidade, tentativas fúteis de tratamentos são inevitáveis, e os profissionais de medicina confusos irão seguir falsos profetas que os levarão para um deserto intelectual. É exatamente isso que tem acontecido nos últimos 85 anos no que toca à endometriose.

Entre as manifestações iniciais descritas nos relatórios de casos individuais na referida literatura estão incluídos vários nódulos graves retovaginais, e cistos nos ovários designados como “chocolate”. Nódulos de endometriose envolvendo estruturas parenquimatosas, tais como os ligamentos úterossacros ou a parede intestinal, foram historicamente comparados a adenomiomas que eram conhecidos por afetar o miométrio uterino (nota da editora: camada externa do endométrio, que nada mais é do que a parede externa que reveste o útero). Como tal, as manifestações iniciais de endometriose grave eram designadas por adenomiomas, sendo identificadas na vagina, reto, ligamento redondo do útero, onde atravessa o canal inguinal.

"Apesar de a endometriose ser um assunto da literatura médica desde o século 19, a confusão sobre a doença, sua origem e tratamento adequados se desencadeou durante décadas. Finalmente, no início do século 21, a opinião está sendo substituída pela verdade, o que está permitindo um melhor diagnóstico e tratamento mais racional da doença ." (David Redwine)

Num influente estudo inicial, os cistos chamados de “chocolate” nos ovários foram observados em 23 mulheres, dando assim a ideia de que os ovários são a localização mais comum na pelve para a endometriose, embora muitos dos cistos descritos nesse estudo fossem “corpora lútea” (corpos de argila). Porque o grupo de estudo não tinha mulheres adolescentes ou em menopausa entre as que exibiram cistos “chocolate” nos ovários. Daí surgiu a ideia de que a endometriose é uma doença presente apenas na idade reprodutiva, e que a menopausa em si cria uma proteção contra a doença. Nessa era de ingenuidade intelectual, era assumido que a fertilidade natural se aproximava dos 100%.

Como cerca de 60% das mulheres casadas com endometriose nesse estudo já tinham estado grávidas foi assumido que a gravidez seria uma proteção contra a doença, e que a endometriose diminuía gravemente a fertilidade. Devido ao fato de que alguma endometriose é semelhante ao endométrio, a ideia simplista de refluxo da menstruação surgiu como o mecanismo de origem da doença e reina como a teoria mais aceita até recentemente.

A teoria de refluxo menstrual de Sampson alega que a endometriose surge a partir de partículas do endométrio que descamam durante o trajeto do fluxo menstrual a partir da cavidade uterina de uma forma retrógrada pela das trompas de falópio. Estas células aderem então a superfícies peritoneais, proliferam e invadem os órgãos. A endometriose tem sido encarada como incurável, já que a pelve será realimentada com a doença todos os meses durante a menstruação. Como a endometriose foi declarada como sendo um autotransplante idêntico ao endométrio, pensavava-se que sangraria todos os meses durante a menstruação.

Isto daria às lesões um aspecto visual hemorrágico e conduziria à noção de “lesão de queimadura de pólvora” como sendo a manifestação visual mais comum da doença. Só após meados dos anos 1980 é que investigadores clínicos deram a sua contribuição. Auxiliados em grande parte pela ampliação da laparoscopia (a cirurgia minimamente invasiva), ao documentarem a ocorrência da doença no seu estado mais subtil, o não-hemorrágico, completou-se assim o espectro morfológico da doença. A manifestação visual da endometriose que tinha sido adotada há muito tempo como a mais comum, era afinal, a menos comum, colocando imediatamente em dúvida tudo o que se pensava saber e que tinha sido publicado até então.

Sobre a teoria de Sampson ..."ele não tinha  todos os fatos que temos hoje, por isso a sua teoria foi baseada principalmente na especulação. Nessas circunstâncias existentes na época, haveria uma probabilidade muito baixa de que sua teoria deve ser correta ..." (David Redwine)

O colapso de um paradigma tinha começado. Quando se percebeu que os autores dos primeiros artigos não sabiam qual era o aspecto da endometriose, e que a endometriose tem cura por cirurgia convencional, a laparoscopia (nota da editora: quando o cirurgião sabe observar e retirar todos, mas todos os focos) e que os focos de endometriose são diferentes do endométrio em dezenas de aspectos, que as provas de uma aderência inicial seguida por uma invasão secundária foram procuradas, mas nunca encontradas.

Quando os apoiantes da teoria do refluxo menstrual recusaram firmemente a fornecer imagens documentais da aderência inicial, da proliferação secundária e invasão pelas células do refluxo endometrial (que alegadamente ocorrem aos milhões), finalmente a teoria de Sampson foi abandonada pela maioria dos peritos.

O fato de esta teoria ter sobrevivido durante tanto tempo com tantas contradições fatais e sem provas que a sustentassem é notável e dá uma má imagem da profissão de ginecologista, que a usaram durante décadas como uma explicação conveniente para todos os tratamentos falhados, em vez de responsabilizar os tratamentos médicos e cirúrgicos que ainda são usados até à data por alguns.

Um comentário:

  1. Parabéns pela matéria!Super interessante e esclarecedora. Ansiosa para a parte 2! :)Beijoss

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