quinta-feira, 14 de julho de 2016

DAVID REDWINE: AVALIAÇÃO DA PACIENTE COM ENDOMETRIOSE - PARTE 3!

Na terceira parte do texto "Avaliação da Paciente com Endometriose (leia a parte 1 e a parte 2), o médico e cientista americano David Redwine explica como deve ser realizada uma cirurgia de laparoscopia, desde a posição correta da paciente na mesa operatória, até como os médicos devem fazer a correta incisão, que vai desde o posicionamento do laparoscopo, dos trocateres, como deve ser a incisão, quais órgãos os cirurgiões têm de tomar cuidado de acordo com a espessura dos trocateres para não serem lesados (perfurados). Ele dá dicas de como a cirurgia de laparoscopia deve ser feita em pacientes obesas. Vale muito a pena compartilhar esta parte com médicos especialistas e cirurgiões. Beijo carinhoso! Caroline Salazar


Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Considerações cirúrgicas:
Manipulação uterina:
É praticamente impossível realizar cirurgia laparoscópica de endometriose sem manipulação uterina. É necessário um correto posicionamento da paciente para o uso dos manipuladores, como um manipulador de Hulka. O quadril da paciente deve estar levemente afastado para fora da mesa, de forma que o manipulador possa ser movimentado firmemente em direção às nádegas, causando uma anteversão extrema do útero. O manipulador pode então ser pressionado em direção ao teto, forçando todo o útero anteriormente à parede abdominal e expondo o fundo de saco para investigação cirúrgica. Isso é particularmente vital durante cirurgias com obliteração do fundo de saco, já que a anteversão extrema do útero resulta em uma contra-tração à doença que por sua vez traciona o útero posteriormente, ajudando bastante na dissecção.
Posicionamento da paciente:

 A mesa de cirurgia deve ser passível de ser colocada em posição de Trendelemburg acentuado (nota do tradutor: cabeça baixa e pés elevados), o que permite que o intestino se mova à porção superior da pelve. As pacientes com endometriose costumam ser jovens e saudáveis e podem tolerar muitas horas em tal posição sem problemas respiratórios, apesar do anestesista poder notar uma pequena elevação nas pressões de ventilação necessárias. Pode haver enfisema subcutâneo e este se estender até a face (Figuras 4 e 5), especialmente em pacientes magras, mas, além de uma pequena elevação na pressão respiratória final do gás carbônico (CO2), isso parece ser inofensivo.
Figura 4. Enfisema subcutâneo massivo estendendo-se à face de uma paciente magra.
Figura 5. Completa resolução do enfisema alguns dias após a cirurgia.
Os braços devem ser presos ao longo do corpo e os ombros protegidos. Deve-se prestar atenção à manutenção da temperatura corporal durante a cirurgia. A utilização de líquidos aquecidos, o enfaixamento das pernas e cabeça com cobertores adicionais, e o uso de sistemas de aquecimento para o tórax e rosto ou logo abaixo da paciente também são úteis. Perneiras especiais devem proporcionar um bom acolchoamento para a área poplítea e porção inferior das pernas, e essas devem ser posicionadas de forma que a paciente não deslizará sobre a mesa na direção do anestesiologista, já que isso dificultará a manipulação uterina.
Posicionamento dos trocateres:
A maioria dos cirurgiões utiliza um laparoscópio através de uma trocater umbilical de 10mm. O umbigo é a parte mais fina da parede abdominal, e uma incisão vertical no centro ou porção inferior do umbigo permitirá, ao mesmo tempo, a via de entrada mais eficiente e o melhor resultado cosmético após a cirurgia. O trocater e sua bainha podem ser colocados diretamente no umbigo com ou sem insuflação inicial do abdômen com uma agulha de Veress. A inserção direta do trocater pode ser mais segura do que a insuflação com agulha de Veress seguida da punção com o trocater. A insuflação prévia com agulha significa que serão necessárias duas introduções às cegas ao invés de apenas uma quando o trocater umbilical é inserido diretamente, aumentando assim, aritmeticamente, as possibilidades de lesão das estruturas subjacentes. As pontas dos trocateres permanentes são mais rombas, especialmente se comparadas aos trocateres descartáveis, e portanto o seu uso é mais seguro já que há uma menor chance de uma lesão cortante. De fato, estudos mostram que o risco de ocorrer uma lesão inadvertida com a inserção direta é de 1/1838 (0,05%) [15], comparado com um risco de 19/470 (4%) [16] quando há insuflação prévia do abdômen com agulha de Veress antes da inserção do trocater umbilical.
Para inserção direta do trocater, a parede abdominal ao redor do umbigo deve ser elevada com as mãos ou com pinças (Figura 6). A ponta do trocater deve ser direcionada à porção funda da pelve. Em pacientes obesas, pode ser necessária a elevação e eversão do fundo do umbigo com pinças de Allis ou hemostáticas, já que essa área pode estar escondida atrás das dobras de tecido gorduroso do abdômen circunjacente. Pode ser feita uma incisão no centro do umbigo e algumas vezes pode ser mais fácil prolongar a incisão até a cavidade peritoneal para a introdução direta do trocater. Em pacientes obesas onde o fundo do umbigo é visível, a ponta do trocater é introduzida perpendicularmente até que seja sentida a fáscia umbilical, e este então é direcionado à pelve. As pacientes com endometriose podem ter passado por múltiplas laparoscopias ou laparotomias, e em algumas vezes recomenda-se locais alternativos de inserção do trocater para se evitar a teórica complicação de lesão a alças intestinais eventualmente aderidas ao umbigo. Porém, o risco de lesão intestinal com a inserção umbilical direta é de 1/2000 casos na experiência do autor. É mais comum que se encontre aderências tênues de omento ao redor do umbigo, e essas podem ser liberadas diretamente com a bainha do trocater ou de alguma direção alternativa através de outro trocater.
Figura 6. A parede abdominal é elevada antes da inserção direta de trocater umbilical de 10 mm.
Para realização de cirurgias laparoscópicas, é útil que se realize outras punções para uso de pinças e sistemas de irrigação / lavagem. Isso diminuirá a mudança de instrumentos e tornará a cirurgia mais eficaz. Recomenda-se o mínimo de duas punções adicionais. Uma técnica de punção tripla com um trocater umbilical e dois trocateres acessórios lateralmente aos vasos epigástricos é adequada para a realização de todas as cirurgias pélvicas e a grande maioria das cirurgias intestinais para endometriose. A inserção desses trocateres acessórios pode ser feita com segurança utilizando o laparoscópio da inserção umbilical para visualizar os vasos epigástricos inferiores na parede abdominal (Figuras 7 a 9). A ponta do laparoscópio pode ser avançada lateralmente a esses vasos e uma incisão cutânea pode ser realizada sobre esta. A transiluminação da parede abdominal (Figura 10) não mostrará os vasos epigástricos na maioria das pacientes, mas podem ao invés revelarem vasos epigástricos superficiais presentes na gordura subcutânea. É importante que se evite ambos os grupos de vasos sanguíneos.
Figura 7. Os vasos epigástricos inferiores esquerdos são visíveis como um arco arroxeado abaixo do peritônio parietal.
Figura 8. Os vasos epigástricos inferiores esquerdos originam-se a partir dos vasos ilíacos externos próximos ao anel inguinal interno.

Figura 9. Anatomia retroperitoneal da origem dos vasos epigástricos inferiores esquerdos.
Figura 10. Sob visão direta, avançou-se a ponta do laparoscópio até um ponto lateral aos vasos epigástricos inferiores direitos. Agora, por observação externa, o bisturi cria a incisão adicional no quadrante inferior esquerdo para introdução de um trocater acessório. Os vasos epigástricos superficiais que correm na gordura subcutânea podem ser vistos por transiluminação da parede abdominal, mas não os vasos epigástricos inferiores profundos.
Após a incisão cutânea lateral ter sido realizada lateralmente aos vasos epigástricos inferiores em um área transiluminada livre de vasos, a ponta distal do laparoscópio pode ser utilizada para se empurrar anteriormente a parede contra os vasos epigástricos inferiores, enquanto o trocater acessório é introduzido horizontalmente logo abaixo do laparoscópio (Figura 11). Dessa forma, o trocater jamais é direcionado aos vasos ilíacos, mas sim para o meio do pneumoperitôneo. Reduz-se o risco de lesão da bexiga com tal forma de introdução. Mesmo se os trocateres acessórios não lesarem os vasos epigástricos inferiores, pode haver lesão dos vasos presentes na gordura subcutânea, particularmente em pacientes obesas onde a transiluminação da parede abdominal é ineficaz. A presença de sangue escorrendo pela lateral do trocater (Figura 12) deve alertar o cirurgião para a possibilidade de lesão dos vasos epigástricos superficiais.



Figura 11. A parede abdominal é empurrada pelo laparoscópio enquanto se avança o trocater logo abaixo do laparoscópio. Os vasos epigástricos inferiores estarão localizados imediatamente anterior ou medial ao laparoscópio, e portanto estarão protegidos de lesão pelo trocater. O trocater acessório é introduzido em uma direção horizontal paralelamente ao chão, entrando no bolsão vazio do pneumoperitôneo abaixo do laparoscópio, e portanto evitando risco de lesão dos vasos ilíacos.
Figura 12. A presença de sangue escorrendo pelo trocater acessório é um sinal de lesão de vaso da parede abdominal.
Alguns cirurgiões podem colocar apenas um trocater acessório de 5 mm na linha média. Nesse caso, a bexiga será o órgão de maior risco para lesão. A realização de uma incisão para este trocater fica a critério do cirurgião baseado em treinamento, experiência e necessidades de cada caso em particular. Dependendo da direção na qual o trocater é introduzido, a bexiga pode ser lesada com incisões cutâneas realizadas 1 cm ou 10 cm acima da sínfise púbica. A superfície da bexiga nem sempre pode ser delimitada quando ela está vazia devido à gordura retroperitoneal e ao tecido areolar. Enquanto o balão da sonda vesical pode ser visto como uma massa redonda, este costuma ser posicionado junto ao meato uretral interno e longe da cúpula da bexiga. Devido a isso, a inserção do trocater sob visão direta não irá garantir que se evite lesão da bexiga. Se a bexiga for lesada pelo trocater suprapúbico, essa lesão pode não se tornar aparente durante a cirurgia. Pode não haver sangramento visível à laparoscopia ou na bolsa coletora da sonda vesical, e a urina que se extravasa pelo trocater pode simplesmente ser misturada ao soro de irrigação usado durante a cirurgia. A bolsa coletora da sonda não irá se encher com CO2 porque a bainha do trocater age como um tampão evitando que o CO2 entre na bexiga. Portanto, é perfeitamente possível que uma perfuração da bexiga passe despercebida durante a cirurgia.




Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).

Um comentário:

  1. Parabens pela materia..excelente....parabens a todos envolvidos nessa materia

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