segunda-feira, 9 de novembro de 2015

DAVID REDWINE: ENDOMETRIOSE EM ADOLESCENTES!

imagem cedida por Free Digital Photos

Já falamos sobre o tema "Endometriose em adolescentes", na coluna do cientista inglês Matthew Rosser, e agora voltamos ao assunto na do doutor David Redwine. Aqui o cientista americano relata casos da literatura científica, onde a mais nova tinha 10 anos e meio e a mais velho 78 anos. Infelizmente, a endometriose independe da idade da mulher. O que precisa existir são médicos mais capacitados a diagnosticarem a doença o mais breve possível para acabar com o sofrimento de milhões de meninas e mulheres no mundo todo. A atenção dos pais, em especial, das mães é muito importante para ajudar a ver que há algo de errado no corpo da filha. Já falamos aqui na coluna do doutor Redwine sobre a evolução da cor da endometriose relacionada à idade. Por isso o conhecimento do especialista e o olho bem treinado é muito importante para eliminar todos os focos numa cirurgia. Beijo carinhoso! Caroline Salazar


Por doutor David Redwine 
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar 
Endometriose em adolescentes
A endometriose é uma doença com oportunidades iguais a todos, afetando mulheres de todas as idades. A paciente mais jovem relatada na literatura tinha 10 anos e meio, com apenas dois ciclos menstruais prévios. A mais velha tinha 78.
Sintomas
Desde 1978, eu operei mais de 3000 mulheres com endometriose, sendo aproximadamente 100 delas com menos de 20 anos. Minha paciente mais jovem tinha 13 anos. As adolescentes com endometriose geralmente tinham dores desde os primeiros ciclos menstruais, apesar que algumas têm dor após alguns anos. O termo médico para menstruações dolorosas é dismenorreia, o que significa ciclos menstruais difíceis.
Muitas pessoas naturalmente entendem a dismenorreia como uma cólica uterina. Isso pode ser verdade, mas um questionamento mais atento mostra que pode haver outros tipos de dor durante o fluxo.
Por exemplo, algumas pacientes têm dores que se iniciam até duas semanas antes do início do fluxo menstrual. Essa dor pode ser aguda, em queimação, ou pode parecer uma cólica mesmo antes do fluxo. Essa dor pode aumentar com a proximidade do ciclo, mas a paciente pode conseguir controlá-la com sucesso com analgésicos, e portanto ela não ser percebida.
Essa mesma dor pode aumentar drasticamente com o surgimento do fluxo menstrual, resultando em absenteísmo da escola, do trabalho, ou de outras atividades. Enquanto possa haver cólicas uterinas severas sobrepostas a esse tipo de dor, as cólicas podem não ser o único componente da dor.
Como a paciente pode estar tão doente durante o fluxo, a dor que a levou a ficar dessa maneira pode parecer trivial quando comparada. Assim, as mães, professores e amigos dizem frequentemente às adolescentes que, “Isso faz parte de ser mulher” ou “são apenas cólicas de menstruação”. Esse reforço de que tudo está bem pode levar a um atraso de vários anos até o diagnóstico de endometriose.
Com o início da vida sexual, elas podem perceber que as relações sexuais são dolorosas porque o local mais comum de ocorrência da endometriose é o fundo de saco de Douglas, que está no fundo da vagina atrás do colo do útero. A doença no fundo de saco pode gerar dor com os movimentos intestinais particularmente durante o fluxo menstrual, já que a passagem das fezes no reto adjacente pode arranhar áreas dolorosas com doença no fundo de saco ou ligamentos útero-sacros.
Algumas vezes a paciente pode perceber dores enquanto se senta, já que o tecido mole do glúteo é empurrado para cima em direção ao fundo de saco. Se a paciente tem um cisto de endometrioma no ovário, pode haver uma dor distinta naquele lado acometido, às vezes com irradiação da dor para o flanco ou abaixo na perna.
Avaliação Médica
Uma questão difícil para os pais de adolescentes que sofrem com dor pélvica é o que fazer a respeito, já que muitos não querem se exceder se “isso é apenas cólica menstrual”. O primeiro passo é perceber que se uma adolescente estiver perdendo dias de escola ou atividades diárias devido à dor, isso não é normal e, portanto, uma ajuda médica deve ser procurada. Se a adolescente ainda estiver sendo vista por um pediatra, essa seria uma escolha inicial aceitável, apesar que os pediatras podem não ter muita experiência com dor pélvica e eventualmente se sentirem desconfortáveis em realizar um exame ginecológico. Pode ser que seja melhor uma consulta com um ginecologista, apesar que nem todos os ginecologistas são igualmente habilidosos em diagnosticar e tratar a endometriose; muitos ginecologistas e obstetras concentram suas atividades no atendimento obstétrico ao invés do ginecológico.
A consulta médica deve incluir um exame ginecológico ou retal, apesar que este nem sempre ocorre. Há uma grande variação entre os médicos nos tipos de exames realizados. Os diferentes resultados dos exames físicos feitos na mesma paciente podem ser devidos a:
  • variação no tamanho dos dedos (médicos com dedos curtos não conseguem atingir o fundo de saco);
  • gentileza (nem todos os médicos realizam os exames com gentileza);
  • experiência (nem todos os médicos sabem as áreas que devem palpar);
  • expectativas sobre o que será encontrado (alguns médicos não querem encontrar nada, enquanto outros esperam encontrar infecções pélvicas);
  • expectativa de reação de uma paciente jovem ao exame (a dor pélvica durante o exame pode ser interpretada como uma resposta vergonhosa normal durante seu primeiro exame).
A endometriose se inicia como ilhas planas de várias cores sobre a superfície pélvica, portanto ela não será identificada à ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética pélvica. Os exames de bário do intestino geralmente são normais, assim como os testes de sangue. A paciente pode ser trivializada devido aos resultados normais dos exames. Isso poderia levar a uma demora no diagnóstico, já que nada parece estar errado além de “apenas cólicas” e o médico pode hesitar em recomendar cirurgia sem nenhuma causa óbvia a se procurar.
Infelizmente, a cirurgia é geralmente a única maneira de certificar-se do diagnóstico. Felizmente, a decisão em se realizar a cirurgia é fácil de ser tomada: se uma paciente estiver deixando de fazer suas atividades diárias devido à dor que não responde ao tratamento com medicações, ou se uma paciente estiver tomando analgésicos opioides (nota do tradutor: que contém derivados da morfina) para controlar a dor, então a cirurgia é necessária.
Qual é o tratamento?
A palavra “tratamento” pode ser interpretada de diferentes maneiras por diferentes médicos. Eu penso “tratamento” como algo que erradica a causa da doença, como antibióticos que matam as bactérias que estejam causando uma infecção urinária. Outros acham que tratamento é fazer qualquer coisa para a doença, não importando se a erradicada ou não.
Alguns médicos acreditam que não fazer nada é um tratamento. Pensa-se que assegurar a paciente em dizer que “tudo é normal” será suficiente para que esta lide com sua dor. A pergunta óbvia que se perde com essa estratégia é “Por que a paciente, e frequentemente seus pais, arranjam tempo para se ausentar de seu trabalho ou escola e vir ao médico devido à dor incapacitante? Apenas para perder tempo?”
Eu não acho que o negligenciamento benigno seja uma boa estratégia. Anti-inflamatórios não-esteroides (como ibuprofeno, naproxeno, piroxicam, etc.) podem ser prescritos e podem ajudar de alguma forma algumas pacientes. Remédios opioides (como hidrocodona, oxycontin, tylenol com codeína, tylenol com oxycontin) podem ser necessários para dor severa, e deveriam levantar o alerta vermelho aos pais, pacientes e médicos, porque claramente não é normal para qualquer pessoa tomar opioides, particularmente adolescentes que deveriam ser relativamente sem doenças.
Culpando as doenças sexualmente transmissíveis
Nas faculdades, muitos médicos são ensinados que as doenças sexualmente transmissíveis (DST`s – doença sexualmente transmissíveis) são descontroladas devido a mulheres sexualmente promíscuas. Esse é claramente um ponto de vista simplista e machista, porém geralmente presente na avaliação inicial da dor pélvica. Mesmo quando uma adolescente relata ser virgem, ela pode ser submetida a testes e tratamentos antibióticos para supostas DST`s. Algumas vezes a paciente pode ser hospitalizada para receber antibiótico intravenoso.
Como a dor severa geralmente cede após algum tempo, conclui-se que a paciente esteja respondendo às medicações e que ela realmente tinha uma DST apesar de exames de cultura darem negativos. Algumas pacientes passam por repetidos esquemas de tratamento com antibióticos até que DST`s sejam descartadas como causa da dor.
Frequentemente são prescritas as pílulas anticoncepcionais. Apesar delas poderem ser úteis no controle dos sintomas de algumas pacientes, não há nenhum remédio que erradique a endometriose.
Tratamento antes do diagnóstico?
Um laboratório farmacêutico, o fabricante do Lupron (nota do tradutor: medicação da classe dos análogos do GnRH, assim como o Zoladex), trabalhou durante vários anos para introduzir um novo paradigma no tratamento da endometriose: o tratamento da endometriose com injeções de Lupron sem um diagnóstico cirúrgico preciso. Houve até mesmo o pagamento de uma monografia colorida que foi enviada a todos os ginecologistas na qual vários “experts” em endometriose sustentavam que a laparoscopia é inútil no diagnóstico e tratamento da endometriose porque ela é feita de forma tão ruim. Enquanto a laparoscopia para o diagnóstico da endometriose possa nem sempre ser bem feita, deveríamos condenar um método comprovado porque alguns não tem a habilidade de realizá-la ou a experiência para usá-la efetivamente? Não faria mais sentido melhorar o conhecimento e as habilidades necessárias para sua realização, independente do método?
A conclusão condenando a laparoscopia poderia ser também vista como algo de ajuda própria. Tratar toda mulher com dor pélvica com algum remédio em particular seria certamente lucrativo ao fabricante. Além do mais, essa abordagem levaria a um atraso no diagnóstico da endometriose ou alguma outra real causa de dor pélvica.
Apesar de ser afirmado que a redução da dor sob uso do Lupron prova que a paciente tem endometriose, isso certamente não é o caso. Qualquer doença estrogênio-dependente pode melhorar com o tratamento do Lupron, incluindo miomas uterinos, adenomiose uterina, dismenorreia (já que os fluxos menstruais são interrompidos), dor da ovulação (já que a paciente não ovula sob uso do Lupron), causas desconhecidas de dor pélvica, e endometriose. Portanto a resposta da dor ao Lupron estreita as possibilidades diagnósticas a cinco ou seis causas.
Enquanto o alívio dos sintomas podem ser muito bem-vindos, deve-se lembrar que as medicações muitas vezes tratam os sintomas, e não a doença, como é neste caso. Nenhum remédio erradica a endometriose. Quando o efeito do remédio se acaba, muitas mulheres terão recorrência da dor em curto espaço de tempo após o retorno das menstruações.
Excisão da endometriose
Como os remédios tratam apenas os sintomas, a cirurgia é o único tratamento para a endometriose. A questão que surge então é: “Qual o melhor tratamento cirúrgico?”. A resposta é simples: aquele que erradica consistentemente toda a doença em todas as pacientes. Eu acho que a excisão da endometriose é a que mais chega perto de atingir esse objetivo. Enquanto a vaporização a laser e a cauterização têm algum potencial de destruir a doença superficial, a doença profunda pode escapar de ser destruída, e o cirurgião pode ter receio de cauterizar sobre estruturas vitais.
Resultados dos tratamentos
O mecanismo de origem da endometriose pode afetar o tratamento cirúrgico. A endometriose é possivelmente causada por metaplasia (nota do tradutor: transformação de um tipo celular em outro) de células embrionárias. Isso significa que há certos locais na pelve onde foram depositadas células embrionárias que se transformarão em endometriose sob estímulo do estrogênio após a puberdade. Esses tecidos existem não apenas nas superfícies peritoneal, mas também como um substrato abaixo da superfície.
Esses tecidos começam a formar endometriose durante a adolescência, terminando antes dos 30 anos. Portanto, a endometriose em adolescentes é uma doença mais precoce que pode ser superficial, e mais fácil de ser removida. Ela também pode ter aparência sutil, e pode então passar despercebida mais facilmente se o cirurgião não souber todas as possíveis aparências da doença.
Além disso, pode ser que nem toda a doença tenha se formado quando uma adolescente passa por cirurgia. Baseado em minha experiência cumulativa desde 1978, as adolescentes têm em média 2,9 áreas pélvicas e 0,13 áreas intestinais acometidas pela doença, em comparação a 3,6 áreas pélvicas e 0,41 áreas intestinais em mulheres acima dos 20 anos de idade. Isso significa que nem toda a endometriose pode ter se formado no momento em que a adolescente passa por cirurgia, e portanto há algum potencial para que a doença se forme mais tardiamente.
Enquanto seria ideal operar todas as mulheres com endometriose por volta dos 25 anos de idade, não é justo adiar a cirurgia para adolescentes devido à sua idade. A dor causada pela endometriose responde extraordinariamente bem com a remoção da doença. Infelizmente, nem toda dor pélvica é causada pela endometriose, e pacientes com endometriose podem ter risco aumentado de desenvolverem mais tardiamente outras doenças ginecológicas como miomas uterinos e adenomiose uterina, apesar da dor recorrente ser frequentemente diagnosticada erradamente como endometriose, mesmo quando não é encontrada durante uma reoperação. Também, cólicas uterinas verdadeiras nem sempre respondem à remoção exclusiva da endometriose, e portanto uma neurectomia pressacral (um procedimento de secção de um nervo) pode ser útil para as cólicas.
Impacto na infertilidade
Muitos médicos são contra a cirurgia porque acreditam que reduzirá a fertilidade da adolescente. Porém, a fertilidade em adolescentes após a excisão da endometriose é excelente. Entre 48 mulheres que passaram por excisão da endometriose durante a adolescência (na minha experiência) e que responderam a um questionário em 1999, 17 tentaram gestar e 13 dessas engravidaram. Essas pacientes esperaram até 81 meses após a cirurgia para começarem a tentar a engravidar.
Portanto, não há nenhuma evidência de que a excisão da endometriose reduza a fertilidade da adolescente, ou de que haja uma “janela” obrigatória de seis a nove meses apenas após a cirurgia quando possa haver a gravidez.
Conclusões
Os médicos tornam a endometriose mais difícil do que ela é realmente. A endometriose é a causa mais comum de dores em adolescentes e é tratável apenas pela cirurgia. A melhor cirurgia é a remoção de toda a doença, e isso resulta em excelente alívio da dor e excelente futuro reprodutivo para as adolescentes com endometriose.
Nota do tradutor: Neste artigo, o doutor David Redwine chama a atenção de que os sintomas da endometriose quase sempre começam na adolescência, apesar de serem frequentemente ignorados. O médico destaca que, adolescentes que deixem de ir à escola ou de fazerem suas atividades por dor pélvica, podem ter endometriose, sendo essa a causa mais comum de dor pélvica severa nessa fase da vida da mulher.
Ainda que a probabilidade de nova cirurgia seja maior para mulheres com endometriose operadas durante a adolescência, essa é certamente a melhor época na vida de uma mulher para que a doença seja diagnosticada e tratada efetivamente por cirurgia.

Para aquela adolescente que tenha cólicas severas e que não melhoram com analgésicos, a laparoscopia pode proporcionar um diagnóstico mais precoce (ao invés dos oito a 10 anos de média de demora), uma remoção mais fácil da doença (já que esta é mais leve e superficial), e a preservação da anatomia pélvica e da fertilidade (possivelmente evitando os casos severos de endometriose avançada diagnosticados por volta dos 30 anos de idade). Certamente faremos grandes avanços no combate à doença se melhorarmos nossos esforços com as adolescentes.



Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário