quarta-feira, 27 de maio de 2015

DAVID REDWINE: UMA INTRODUÇÃO À ENDOMETRIOSE INTESTINAL!


Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta 
Edição: Caroline Salazar


Uma Introdução à Endometriose Intestinal 

Muitas pacientes com endometriose intestinal não têm sintomas gastrointestinais (GI). Entre os difíceis casos de endometriose que vi de todo o mundo, apenas 27% têm envolvimento intestinal. Considerando que mais de 3000 mulheres foram operadas no hospital St. Charles, isso significa que eu operei mais de 900 mulheres com endometriose intestinal.

Os sintomas da endometriose gastrointestinal dependem da severidade e da localização da doença. A severidade da doença depende da profundidade da invasão na parede muscular do intestino. Quando a endometriose invade o intestino profundamente, ela causa bastante fibrose e retração e pode formar um tumor que obstrui parcialmente o intestino. Quando a doença é muito superficial, ela geralmente não causa nenhum sintoma. Há um amplo espectro de severidade da doença, que vai desde um acometimento bastante superficial, até uma doença bastante volumosa e profunda, e algumas pacientes podem ter ambas doenças superficial em um segmento, e profunda em outro.

A localização da endometriose gastrointestinal segue padrões bem definidos. A porção baixa do retossigmoide é o local mais comumente afetado, seguido pela porção final do íleo (intestino delgado), o ceco (a primeira porção do intestino grosso), e o apêndice (que se origina no ceco). Trinta por cento das pacientes têm mais de uma área envolvida. A doença superficial em qualquer uma dessas áreas não causa sintomas, mas a doença nodular, profunda invasiva pode causar sérios problemas.

Quando o reto está comprometido pela endometriose, ele frequentemente se adere à superfície posterior do útero, causando o que é conhecido como obliteração do fundo de saco (ou bloqueio pélvico completo). Isso indica a presença de doença profunda nos ligamentos útero-sacros, fundo de saco, e geralmente um nódulo em si na parede anterior do reto. A doença também pode ocasionalmente invadir a parede posterior da vagina.

Curiosamente, apesar de você poder pensar que a endometriose vaginal seria óbvia ao exame especular no consultório, ela geralmente não é descoberta porque muitos médicos não pensam em olhar atrás do colo do útero; eles estão mais preocupados em checarem o colo do útero para colherem o exame de Papanicolaou. Frequentemente o médico pode ser capaz de sentir nodulações na parte posterior do colo durante o exame, e essa área pode ser extremamente dolorosa.

Um nódulo retal que cause obliteração do fundo de saco pode originar dores intestinais durante todo o mês, dor retal durante a relação sexual ou ao sentar-se, e dor retal à eliminação de flatos. Ele também pode causar constipação, apesar de diarreia poder estar presente durante o ciclo menstrual. Quando o sigmoide estiver comprometido por doença nodular, as pacientes também podem ter constipação alternada com diarreia, além de distensão e cólicas intestinais. Uma endometriose nodular que comprometa o íleo pode causar dor no quadrante inferior direito, distensão, e cólica intestinal. A doença do ceco e do apêndice geralmente não causa nenhum sintoma específico. A maioria das pacientes com endometriose gastrointestinal não tem sangramento retal, apesar de que quando há sangramento retal e dores durante a menstruação, levanta-se a suspeita de comprometimento GI.

Os exames de raio-X e a colonoscopia são raramente úteis para o diagnóstico da endometriose gastrointestinal, porque a doença geralmente não penetra em toda a parede do intestino, mas sim permanece em sua camada muscular. A maior parte das pacientes terá exames normais, e a endometriose gastrointestinal precisará de cirurgia para o seu diagnóstico. A laparoscopia é adequada para o diagnóstico da doença gastrointestinal desde que o cirurgião realize esforços para olhar em todas as áreas possivelmente envolvidas pela doença, e que também saiba identificar como a doença se parece (ela é geralmente branca devido ao tecido cicatricial que a envolve). Muitos ginecologistas não olham o intestino de perto, portanto muitas laparoscopias são infrutíferas para a exclusão de doença gastrointestinal.

Olhar a endometriose não fará que ela vá embora, e agora surge a questão de como tratá-la. Felizmente, essa é uma questão simples. O tratamento com remédios nunca foi estudado para endometriose intestinal. Os remédios não erradicam a endometriose em nenhum grau ou localização, e não são aprovados pelos órgãos reguladores para o tratamento da infertilidade associada à endometriose. A única indicação para se usar medicações no tratamento da endometriose pélvica ou gastrointestinal é na tentativa de se conseguir um alívio temporário da dor caso a paciente precise esperar muito tempo pela cirurgia.

A cirurgia é a única maneira de erradicar a endometriose gastrointestinal. Muitas pacientes que têm doença gastrointestinal são recomendadas à realizarem histerectomia (retirada do útero) e remoção dos ovários, ainda que esses órgãos não estejam envolvidos pela doença.
Enquanto seja verdade que deprivar a paciente do estímulo estrogênico com essa cirurgia irá geralmente reduzir ou eliminar a dor, faz muito mais sentido remover a doença e ver o que acontece em relação à dor. Se o útero estiver causando problemas devido a miomas ou adenomiose, e se a paciente já tiver a prole constituída e simplesmente estiver cansada de dor e de repetidas cirurgias, então, a remoção dos órgãos pélvicos pode contribuir para o alívio da dor associada à remoção de toda a endometriose. Entretanto, raramente é necessário considerar a remoção do útero, tubas e ovários para tratar a endometriose pélvica e gastrointestinal, já que a remoção desses órgãos não erradica a doença.

Enquanto muitos cirurgiões gostam de utilizar vaporização a laser ou a eletrocoagulação para tratarem a endometriose pélvica, não é seguro queimar o intestino (apesar de alguns cirurgiões ocasionalmente o fazerem), porque pode ser criado um buraco no intestino que não seja percebido e causar sérias complicações. É necessária a excisão da endometriose com suturas ou grampeadores para uma remoção completa e segura.

No hospital St. Charles, nós fomos os pioneiros no tratamento da endometriose gastrointestinal, e agora é possível tratar a maioria dos casos por laparoscopia. Muitas pacientes não precisam de uma ressecção segmentar quando a doença é removida e as duas bordas intestinais são reaproximadas. Mesmo que isso seja preciso, uma laparotomia (“abrir” o abdômen) não é sempre necessária.

Como novidade para aquelas pacientes que precisarão de laparotomia, eu descobri que se utilizarmos a laparoscopia para tratar toda a doença pélvica e isolar o segmento intestinal a ser removido, então a incisão abdominal pode ser bastante pequena.

Em uma paciente que precisou de uma ressecção discoide para um nódulo retal, mas que também tinha nódulo no sigmoide e no íleo, isolando o sigmoide por laparoscopia, eu pude fazer uma pequena incisão (“corte”) de 1,5 cm e nós fomos capazes de realizar as ressecções segmentares tanto do sigmoide como do íleo através dessa pequena incisão. A paciente ficou assustada de ver a sua incisão, mas quando removi o curativo dois dias depois, ela olhou e disse “Isso não é tão ruim. Eu ainda posso usar meu biquíni”.

A colostomia não é necessária em nenhuma paciente para o tratamento da endometriose gastrointestinal. Nós tivemos apenas uma complicação séria em mais de 500 pacientes. A paciente teve um extravasamento pela linha de sutura alguns dias após a cirurgia e necessitou de uma colostomia temporária para o tratamento. Essa foi reconstruída e hoje ela tem a sua função intestinal normal novamente. Uma outra paciente desenvolveu uma estenose (estreitamento) e necessitou de dilatação do intestino.

De acordo com o nosso conhecimento, a equipe médica do hospital St. Charles tem a maior experiência mundial no tratamento da endometriose gastrointestinal. Eu realizei pessoalmente a maior parte das cirurgias e credito o auxílio do doutor Marinus Koning nos casos eventuais de necessidade de ressecção segmentar. A endometriose gastrointestinal não precisa ser assustadora ou misteriosa. Assim como a endometriose pélvica, ela geralmente é clara quando a doença é compreendida. Os médicos às vezes podem fazer parecer as coisas mais complicadas do que realmente são porque eles podem não ter muita experiência no tratamento da endometriose.

Nota do Tradutor: A endometriose intestinal é relativamente comum em mulheres que têm endometriose, responsável por um número importante de cirurgias incompletas devido à falta de diagnóstico preciso. Neste artigo, o doutor Redwine explica com clareza os sintomas da endometriose intestinal, sua localização mais frequente (no retossigmoide), e que a cirurgia é a única maneira de tratá-la definitivamente.

Diferentemente do que mencionado pelo doutor Redwine, hoje é perfeitamente possível o diagnóstico da endometriose intestinal por exames de imagem (ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou ressonância magnética pélvica) realizado por especialistas, sem a necessidade da cirurgia de laparoscopia. Isso é revolucionário. Com um diagnóstico correto antes da cirurgia, pode-se planejar adequadamente o tratamento, orientar a paciente quanto à cirurgia, ou encaminhá-la para profissionais capacitados quando for a necessidade.

 Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

Um comentário: