terça-feira, 16 de maio de 2017

DAVID REDWINE: A MINHA DOR É DEVIDO À ENDOMETRIOSE?

Fonte: CEC

Há várias doenças que podem causar dor e sangramento excessivo. Muitas vezes, os sintomas de algumas delas, e até mesmo os das aderências, podem se confundir com os da endometriose. Neste brilhante texto o cientista americano doutor David Redwine descreve com muita clareza algumas doenças, que podem atingir a pelve de uma mulher, e seus sintomas, tais como, miomas, cistos ovarianos (que podem não ser endometrioma), prolapso uterino e adenomiose. Pois é, o médico precisa conhecer bem os sintomas da endometriose para fazer o correto diagnóstico da doença, em especial, àquelas indicadas à cirurgia. Já que se a dor da paciente não for da endometriose, a cirurgia será em vão. O doutor Alysson Zanatta, de Brasília, escreveu um texto exclusivo para o A Endometriose e Eu dizendo quando não operar a endometriose e também já explicou quando a cirurgia é necessária. De fato o mais importante é a endomulher ser acompanhada por um especialista que realmente entenda da doença. Beijo carinhoso! Caroline Salazar


Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

A minha dor é devido à endometriose?

Apesar da excisão eletrocirúrgica da endometriose por laparoscopia ser tão boa, ela não tratará a dor causada por outras razões. A dor causada pela endometriose costuma ser descrita em termos geográficos específicos ou anatômicos, e está associada a pontos específicos de dor ao exame clínico. Estas pacientes têm os melhores resultados. Se uma paciente não puder descrever sua dor precisamente, ou se o exame clínico não reproduzir a dor, a excisão da endometriose pode não aliviar a dor em nada.

Cistos ovarianos:

Outras causas de dor pélvica podem incluir cistos ovarianos não endometrióticos, miomas uterinos, aderências, adenomiose e outros fatores desconhecidos. Por este motivo, não há nenhuma maneira de se garantir o alívio da dor após a cirurgia de endometriose. Cistos: a palavra “cisto” significa uma cavidade preenchida por líquido, geralmente circundada por uma cápsula. Os cistos podem ocorrer naturalmente em um ovário funcionante. Dois tipos comuns de cistos “normais” são os cistos foliculares, que preparam o óvulo, e o cisto de corpo lúteo, que se forma após a ovulação que ocorre a cada mês. Apesar desses dois cistos serem normalmente temporários, cada um deles pode persistir por mais tempo do que deveriam e causarem dor. Os cistos nem sempre necessitam serem grandes para causarem dor. Vários pequenos cistos podem surgir no ovário e causarem dor pela leve distensão do ovário. Se houver tecido cicatricial no ovário, o cisto pode crescer e pressionar o tecido cicatricial e causar dor. Um cisto de tamanho médio pode torcer sobre seu pedículo, e isso pode causar dor. Outros tipos de cistos anormais incluem cistos dermoides e cistos de endometriose. Algumas pacientes podem ter cistos bastante volumosos e não terem nenhuma dor.

Quando eles causam dor, os cistos ovarianos geralmente causam dor em um lado ou outro, e a dor pode se irradiar levemente pelo flanco. Um cisto que esteja sangrando ou extravasando líquido irritativo pode causar dor pélvica generalizada e dor abdominal baixa que pode parecer estar se irradiando a partir do lado afetado. Algumas mulheres podem ter cistos ovarianos recorrentes após sua resolução espontânea ou remoção cirúrgica, já que cada um dos 200.000 oócitos (óvulos) presentes em cada ovário ao nascimento é circundado por um pequeno folículo ou cisto em potencial.

Tumores fibroides (miomas):

Tumores fibroides (também chamados de leiomiomas) são acúmulo de músculo liso que surgem na parede uterina muscular. Eles crescem de tamanho de forma concêntrica, como uma pérola crescendo dentro de uma ostra. Um grande mioma será do tamanho de uma tangerina ou maior. Um pequeno mioma será menor que uma pérola. Eles podem causar cólicas uterinas entre os ciclos menstruais e fluxo sanguíneo severo com cólicas durante a menstruação, a não ser que estejam no lado externo do útero, situação na qual os sintomas podem estar ausentes.

Às vezes, os miomas podem causar dificuldades urinárias ou intestinais, já que podem pressionar a bexiga ou o intestino se forem grandes o suficiente. Eventualmente, pode haver dor lombar baixa, já que o mioma pode pressionar o cóccix e também pelo fato dos ligamentos úterossacros transmitirem dor uterina ao sacro. Os análogos de GnRH podem produzir uma dramática, porém temporária, redução do tamanho dos miomas. Apesar dos miomas poderem ser removidos cirurgicamente, eles podem ser tão pequenos a ponto de não conseguirem ser vistos ou sentidos durante a cirurgia, permanecendo no útero e crescerem e causarem problemas mais tardiamente.

Aderências (tecido cicatricial):

Aderências (também chamadas de tecido cicatricial) grudam as coisas juntas. Elas podem ser finas e delgadas como um papel úmido ou densas e grossas como uma cola seca. Uma aderência vai de um ponto a outro na pelve, apesar dessa distância poder ser funcionalmente inexistente, como um ovário que fica aderido a uma parede pélvica lateral. As aderências se formam após um dano ao peritônio, seja por infecção, cirurgia, ou inflamação crônica. O peritônio é como um cobertor cobrindo as cavidades pélvica e abdominal.

Eventualmente, as aderências podem se formar sem nenhuma causa aparente. A tendência de formar aderências varia entre as pacientes, o que não é surpreendente, pois as pessoas são diferentes. Não se sabe o porquê algumas pessoas formam menos aderências do que outras após o mesmo tipo de cirurgia. Algumas aderências causam dor, enquanto outras não. Algumas pacientes com aderências severas não têm nenhuma dor, enquanto uma aderência pequena e localizada pode causar um acotovelamento intestinal e causar até mesmo obstrução.

Quando as aderências doem, elas doem no local onde elas ocorrem. As pacientes utilizam algumas vezes termos como “puxando” ou “esticando” para descreverem a dor da aderência. Não se espera que a dor da aderência varie com o ciclo menstrual a não ser que aderências ao redor de um ovário fiquem tracionadas por um cisto em crescimento. Muitas pacientes com endometriose também têm aderências, e geralmente não é possível determinar se a dor é causada por aderências ou pela endometriose.

Após a ressecção laparoscópica da endometriose, 2/3 de minha pacientes reoperadas tiveram um score de aderências igual ou inferior. Não há nenhuma evidência de que a dissecção com tesoura provoque mais aderências que o laser ou eletrocoagulação. De fato, um estudo que comparou o dano tecidual de tesoura e laser concluiu que “o aumento significativo de necrose tecidual e subsequente reação de corpo estranho que se segue à dissecção com laser comparada à dissecção com micro-tesouras nos levou a concluir que a dissecção com tesoura é a modalidade de escolha”.

Se houver aderências presentes durante a cirurgia, há uma grande possibilidade que elas se formarão novamente no exato local após a sua remoção. O tecido cicatricial se desenvolve com mais frequência quando a cirurgia é realizada próxima ao intestino e ovários. Aderências significativas raramente se desenvolvem quando a cirurgia é realizada apenas no peritônio do assoalho pélvico.

Pensava-se que o INTERCEED, uma membrana sintética de celulose, prevenisse a formação de aderências, mas eu parei de usá-lo em minhas cirurgias. Isso porque o mesmo não foi estudado em pacientes com endometriose, e cinco de seis pacientes reoperadas nas quais o INTERCEED foi utilizado tinham aderências densas e vascularizadas onde a membrana havia sido colocada. Além disso, um resumo de trabalho apresentado no encontro anual da American Fertility Society em 1991 mostrou que o INTERCEED causou a formação de aderências em animais, mesmo que não houvesse sido realizada nenhuma cirurgia.

Adenomiose:

Eu e o médico e cientista americano 
doutor David Redwine,
em sua passagem ao Brasil em 2014
Adenomiose é uma mudança estrutural da parede muscular uterina que ocorre quando um tecido similar ao revestimento uterino invade o músculo. O útero pode parecer e ter uma consistência normal, e ainda assim ter adenomiose. Nem a laparoscopia ou a histeroscopia podem diagnosticar a adenomiose, e não há nenhum tratamento médico conhecido capaz de erradicá-la. A única opção largamente disponível até o momento é a remoção do útero, apesar daquela rara paciente que pode ter uma área de adenomiose isolada na musculatura uterina.

Prolapso uterino, retroversão uterina:

Prolapso refere-se à descida do útero na (e algumas vezes fora da) vagina. Parece ser mais comum em mulheres que tiveram filhos, já que o processo da gestação pode enfraquecer as estruturas de suporte da pelve. Parece também ser mais comum em mulheres na pós-menopausa, já que o estrogênio ajuda a fornecer algum grau de tônus às estruturas de suporte pélvico.

Como isso é um defeito de ligamentos, tendões e tecido conjuntivo, ele geralmente não responde bem aos exercícios dos músculos pélvicos. A dor do prolapso uterino é causada pela tração e descida do tecido pélvico, e as pacientes frequentemente usam termos como “se agachando”, “saindo para fora”, ou “parece que vou ter um bebê”. Menciona-se algumas vezes dor lombar e baixa e sensação de queimação. Pode ocorrer também à perda de urina com a tosse, espirro, exercício ou pegar peso.

Retroversão uterina é a mesma coisa que útero “invertido”. O útero repousa sobre o reto ao invés de ficar suspenso sobre a bexiga. Isso pode levar à dor lombar baixa, dor na relação sexual, e dor aos movimentos intestinais. A relação sexual dolorosa pode ocorrer porque o corpo do útero retrovertido situa-se exatamente no fundo da vagina e pode ser tocado durante a relação como uma bolsa de boxe, particularmente se estiver acometido por adenomiose. Movimentos intestinais dolorosos podem ocorrer se um útero retrovertido com adenomiose ou algum outro problema repousar sobre o reto e ser tocado durante a eliminação das fezes pelo reto.

Incomuns e desconhecidos:

Calcificações pélvicas ou inflamação crônica são eventualmente encontradas ao invés de endometriose. A distribuição geral dessas doenças é idêntica àquela da endometriose. Apesar de terem origem desconhecida, elas podem ocasionalmente causarem dor, já que algumas pacientes sem quaisquer outros achados conseguem melhorar da dor quando essas áreas são removidas. A inflamação crônica não é uma infecção, e não responde ao tratamento antibiótico. Algumas pacientes têm dor por motivos que permanecem desconhecidos, mesmo que sua dor seja tratada com a remoção do útero, das trompas e dos ovários. Isso serve para nos lembrar de que nós ainda não sabemos tudo o que precisamos sobre as causas de dor pélvica.

Nota do Tradutor: uma das principais questões trazidas pelas pacientes com dor pélvica é se a dor pode ser causada por endometriose, título deste texto escrito pelo doutor David Redwine. A distinção, de fundamental importância, pode não ser aparente em um primeiro momento, e não raramente faremos o diagnóstico apenas após várias consultas e exames clínicos.

Acrescenta-se às possíveis causas ginecológicas de dor pélvica aqui descritas (adenomiose, miomas uterinos, aderências, etc) aquelas de origem neurológica. Especificamente, dores causadas por doenças dos nervos da pelve, estudadas pela especialidade de Neuropelveologia. Dores em nervo ciático, nervo pudendo, nervo ilioinguinal e genito-femoral (ambos na parede abdominal), entre outras, são causas relativamente comuns de dor pélvica, mas que dificilmente são diagnosticadas. Características que nos fariam pensar nesta dor são a sua forte intensidade, dor que faz acordar à noite, dor presente constantemente, dor localizada ou com uma irradiação específica. 


Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e ex-professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

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