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Há várias doenças que podem causar dor e sangramento excessivo. Muitas vezes, os sintomas de algumas delas, e até mesmo os das aderências, podem se confundir com os da endometriose. Neste brilhante texto o cientista americano doutor David Redwine descreve com muita clareza algumas doenças, que podem atingir a pelve de uma mulher, e seus sintomas, tais como, miomas, cistos ovarianos (que podem não ser endometrioma), prolapso uterino e adenomiose. Pois é, o médico precisa conhecer bem os sintomas da endometriose para fazer o correto diagnóstico da doença, em especial, àquelas indicadas à cirurgia. Já que se a dor da paciente não for da endometriose, a cirurgia será em vão. O doutor Alysson Zanatta, de Brasília, escreveu um texto exclusivo para o A Endometriose e Eu dizendo quando não operar a endometriose e também já explicou quando a cirurgia é necessária. De fato o mais importante é a endomulher ser acompanhada por um especialista que realmente entenda da doença. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
A minha dor é devido à endometriose?
Apesar da excisão eletrocirúrgica da endometriose por
laparoscopia ser tão boa, ela não tratará a dor causada por outras razões. A
dor causada pela endometriose costuma ser descrita em termos geográficos
específicos ou anatômicos, e está associada a pontos específicos de dor ao
exame clínico. Estas pacientes têm os melhores resultados. Se uma paciente não
puder descrever sua dor precisamente, ou se o exame clínico não reproduzir a
dor, a excisão da endometriose pode não aliviar a dor em nada.
Cistos
ovarianos:
Outras causas de dor pélvica podem incluir cistos
ovarianos não endometrióticos, miomas uterinos, aderências, adenomiose e outros
fatores desconhecidos. Por este motivo, não há nenhuma maneira de se garantir o
alívio da dor após a cirurgia de endometriose. Cistos: a palavra “cisto”
significa uma cavidade preenchida por líquido, geralmente circundada por uma
cápsula. Os cistos podem ocorrer naturalmente em um ovário funcionante. Dois
tipos comuns de cistos “normais” são os cistos foliculares, que preparam o
óvulo, e o cisto de corpo lúteo, que se forma após a ovulação que ocorre a cada
mês. Apesar desses dois cistos serem normalmente temporários, cada um deles
pode persistir por mais tempo do que deveriam e causarem dor. Os cistos nem
sempre necessitam serem grandes para causarem dor. Vários pequenos cistos podem
surgir no ovário e causarem dor pela leve distensão do ovário. Se houver tecido
cicatricial no ovário, o cisto pode crescer e pressionar o tecido cicatricial e
causar dor. Um cisto de tamanho médio pode torcer sobre seu pedículo, e isso
pode causar dor. Outros tipos de cistos anormais incluem cistos dermoides e
cistos de endometriose. Algumas pacientes podem ter cistos bastante volumosos e
não terem nenhuma dor.
Quando eles causam dor, os cistos ovarianos geralmente
causam dor em um lado ou outro, e a dor pode se irradiar levemente pelo flanco.
Um cisto que esteja sangrando ou extravasando líquido irritativo pode causar
dor pélvica generalizada e dor abdominal baixa que pode parecer estar se
irradiando a partir do lado afetado. Algumas mulheres podem ter cistos
ovarianos recorrentes após sua resolução espontânea ou remoção cirúrgica, já
que cada um dos 200.000 oócitos (óvulos) presentes em cada ovário ao nascimento
é circundado por um pequeno folículo ou cisto em potencial.
Tumores
fibroides (miomas):
Tumores fibroides (também chamados de leiomiomas) são
acúmulo de músculo liso que surgem na parede uterina muscular. Eles crescem de
tamanho de forma concêntrica, como uma pérola crescendo dentro de uma ostra. Um
grande mioma será do tamanho de uma tangerina ou maior. Um pequeno mioma será
menor que uma pérola. Eles podem causar cólicas uterinas entre os ciclos
menstruais e fluxo sanguíneo severo com cólicas durante a menstruação, a não
ser que estejam no lado externo do útero, situação na qual os sintomas podem
estar ausentes.
Às vezes, os miomas podem causar dificuldades urinárias
ou intestinais, já que podem pressionar a bexiga ou o intestino se forem
grandes o suficiente. Eventualmente, pode haver dor lombar baixa, já que o
mioma pode pressionar o cóccix e também pelo fato dos ligamentos úterossacros
transmitirem dor uterina ao sacro. Os análogos de GnRH podem produzir uma
dramática, porém temporária, redução do tamanho dos miomas. Apesar dos miomas
poderem ser removidos cirurgicamente, eles podem ser tão pequenos a ponto de
não conseguirem ser vistos ou sentidos durante a cirurgia, permanecendo no
útero e crescerem e causarem problemas mais tardiamente.
Aderências
(tecido cicatricial):
Aderências (também chamadas de tecido cicatricial)
grudam as coisas juntas. Elas podem ser finas e delgadas como um papel úmido ou
densas e grossas como uma cola seca. Uma aderência vai de um ponto a outro na
pelve, apesar dessa distância poder ser funcionalmente inexistente, como um
ovário que fica aderido a uma parede pélvica lateral. As aderências se formam
após um dano ao peritônio, seja por infecção, cirurgia, ou inflamação crônica.
O peritônio é como um cobertor cobrindo as cavidades pélvica e abdominal.
Eventualmente, as aderências podem se formar sem nenhuma
causa aparente. A tendência de formar aderências varia entre as pacientes, o que
não é surpreendente, pois as pessoas são diferentes. Não se sabe o porquê
algumas pessoas formam menos aderências do que outras após o mesmo tipo de
cirurgia. Algumas aderências causam dor, enquanto outras não. Algumas pacientes
com aderências severas não têm nenhuma dor, enquanto uma aderência pequena e
localizada pode causar um acotovelamento intestinal e causar até mesmo
obstrução.
Quando as aderências doem, elas doem no local onde elas
ocorrem. As pacientes utilizam algumas vezes termos como “puxando” ou “esticando”
para descreverem a dor da aderência. Não se espera que a dor da aderência varie
com o ciclo menstrual a não ser que aderências ao redor de um ovário fiquem tracionadas
por um cisto em crescimento. Muitas pacientes com endometriose também têm
aderências, e geralmente não é possível determinar se a dor é causada por
aderências ou pela endometriose.
Após a ressecção laparoscópica da endometriose, 2/3 de
minha pacientes reoperadas tiveram um score de aderências igual ou inferior.
Não há nenhuma evidência de que a dissecção com tesoura provoque mais
aderências que o laser ou eletrocoagulação. De fato, um estudo que comparou o
dano tecidual de tesoura e laser concluiu que “o aumento significativo de
necrose tecidual e subsequente reação de corpo estranho que se segue à
dissecção com laser comparada à dissecção com micro-tesouras nos levou a
concluir que a dissecção com tesoura é a modalidade de escolha”.
Se houver aderências presentes durante a cirurgia, há
uma grande possibilidade que elas se formarão novamente no exato local após a sua
remoção. O tecido cicatricial se desenvolve com mais frequência quando a cirurgia
é realizada próxima ao intestino e ovários. Aderências significativas raramente
se desenvolvem quando a cirurgia é realizada apenas no peritônio do assoalho
pélvico.
Pensava-se que o INTERCEED, uma membrana sintética de
celulose, prevenisse a formação de aderências, mas eu parei de usá-lo em minhas
cirurgias. Isso porque o mesmo não foi estudado em pacientes com endometriose,
e cinco de seis pacientes reoperadas nas quais o INTERCEED foi utilizado tinham
aderências densas e vascularizadas onde a membrana havia sido colocada. Além
disso, um resumo de trabalho apresentado no encontro anual da American
Fertility Society em 1991 mostrou que o INTERCEED causou a formação de
aderências em animais, mesmo que não houvesse sido realizada nenhuma cirurgia.
Adenomiose:
Eu e o médico e cientista americano doutor David Redwine, em sua passagem ao Brasil em 2014 |
Prolapso
uterino, retroversão uterina:
Prolapso refere-se à descida do útero na (e algumas
vezes fora da) vagina. Parece ser mais comum em mulheres que tiveram filhos, já
que o processo da gestação pode enfraquecer as estruturas de suporte da pelve.
Parece também ser mais comum em mulheres na pós-menopausa, já que o estrogênio
ajuda a fornecer algum grau de tônus às estruturas de suporte pélvico.
Como isso é um defeito de ligamentos, tendões e tecido
conjuntivo, ele geralmente não responde bem aos exercícios dos músculos
pélvicos. A dor do prolapso uterino é causada pela tração e descida do tecido
pélvico, e as pacientes frequentemente usam termos como “se agachando”, “saindo
para fora”, ou “parece que vou ter um bebê”. Menciona-se algumas vezes dor
lombar e baixa e sensação de queimação. Pode ocorrer também à perda de urina
com a tosse, espirro, exercício ou pegar peso.
Retroversão uterina é a mesma coisa que útero
“invertido”. O útero repousa sobre o reto ao invés de ficar suspenso sobre a
bexiga. Isso pode levar à dor lombar baixa, dor na relação sexual, e dor aos movimentos
intestinais. A relação sexual dolorosa pode ocorrer porque o corpo do útero
retrovertido situa-se exatamente no fundo da vagina e pode ser tocado durante a
relação como uma bolsa de boxe, particularmente se estiver acometido por
adenomiose. Movimentos intestinais dolorosos podem ocorrer se um útero retrovertido
com adenomiose ou algum outro problema repousar sobre o reto e ser tocado
durante a eliminação das fezes pelo reto.
Incomuns
e desconhecidos:
Calcificações pélvicas ou inflamação crônica são
eventualmente encontradas ao invés de endometriose. A distribuição geral dessas
doenças é idêntica àquela da endometriose. Apesar de terem origem desconhecida,
elas podem ocasionalmente causarem dor, já que algumas pacientes sem quaisquer
outros achados conseguem melhorar da dor quando essas áreas são removidas. A
inflamação crônica não é uma infecção, e não responde ao tratamento
antibiótico. Algumas pacientes têm dor por motivos que permanecem
desconhecidos, mesmo que sua dor seja tratada com a remoção do útero, das trompas
e dos ovários. Isso serve para nos lembrar de que nós ainda não sabemos tudo o
que precisamos sobre as causas de dor pélvica.
Nota do Tradutor: uma
das principais questões trazidas pelas pacientes com dor pélvica é se a dor
pode ser causada por endometriose, título deste texto escrito pelo doutor David
Redwine. A distinção, de fundamental importância, pode não ser aparente em um
primeiro momento, e não raramente faremos o diagnóstico apenas após várias
consultas e exames clínicos.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e ex-professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
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