quinta-feira, 28 de julho de 2016

"COM A PALAVRA, O ESPECIALISTA" DOUTOR HÉLIO SATO!!

Em “Com a Palavra, o Especialista” deste mês separei as dúvidas sobre o dienogeste para o doutor Hélio Sato responder. Com o lançamento do dienogeste 2mg de outros laboratórios desde o início do ano, tenho recebido muitas dúvidas sobre a eficácia deles, já que eles são bem mais baratos que o Allurene. A eficácia é a mesma do original? Outra pergunta recorrente entre a maioria das endomulheres  é o escape com o uso deste hormônio. Troquei o laboratório e tive escape. Por que isso acontece? Meu organismo não se adaptou ao medicamento? O doutor Hélio Sato responde. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

- Doutor Hélio Sato gostaria de saber se os medicamentos com o dienogeste 2mg, como os genéricos, e outros que foram lançados neste ano são a mesma coisa que o Allurene? Anônima – São Paulo – SP

Doutor Hélio Sato: Sim! Na teoria todas estas alternativas tem o mesmo princípio ativo na quantidade adequada para sua ação.

- Quando terminei a minha primeira cartela do Allurene fiquei menstruada normalmente e continuou durante 10 dias mesmo continuando a tomar o medicamento sem pausa. Gostaria de saber se isso é normal ou se aconteceu por que o meu organismo não se adaptou ao remédio? Janayna Brasil – Pernambuco

Doutor Hélio Sato:  Este sangramento persistente denominado de escape sanguíneo ou “spotting” (gotejamento) ocorre durante o uso de derivados progesterona, componente das pílulas anticoncepcionais, inclusive o Allurene. Este efeito colateral é amplamente relatado nas usuárias dos derivados e não significa que não está ocorrendo à adaptação e tão pouco que não está sendo eficaz. O aborrecimento referido pelo escape sanguíneo é sua imprevisibilidade e persistência independentemente das medidas para conter sua manifestação.


Sobre o doutor Hélio Sato: 

Ginecologista e obstetra, Hélio Sato é especializado e endometriose, em laparoscopia e em reprodução humana. Tem graduação em Medicina, Residência Médica, Preceptoria, Mestrado e Doutorado em Ginecologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e foi corresponsável do Setor de Algia Pélvica e Endometriose da mesma instituição. 


Hélio Sato tem certificado em Laparoscopia pela Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e de Obstetrícia. É membro da AAGL “American Society of Gynecology Laparoscopy” e é coordenador de pesquisas da clínica de reprodução humana GERA e está à frente nas seguintes linhas de pesquisas: endometriose, biologia celular e molecular, cultura celular, polimorfismo gênico e reprodução humana. (Acesse o currículo Lattes do doutor Hélio Sato). 


terça-feira, 19 de julho de 2016

"GESTAÇÃO DO CORAÇÃO": AS CONTRAÇÕES DE TREINAMENTO DO PARTO DE ANE!

Imagem cedida por Free Digital Photos

É com muita emoção que editei esse texto da coluna "Gestação do Coração", da nossa querida colaboradora-voluntária Ane. As primeiras contrações de Ane, as de treinamento, já começaram. Só quem está há muito tempo à espera de um filho é que sabe a emoção que Ane e Paulo estão sentindo neste momento. Filho é filho e é impressionante como coração de mãe sabe quem é quando nem mesmo ainda o conhecemos. Isso vale para gestação biológica e também a do coração. Não tenho muitas palavras para escrever, a não ser dizer a gratidão que sinto por compartilhar de mais uma emoção da vida deste casal que eu amo muito. Com vocês nossa mais nova endomamãe! Beijo carinhoso! Caroline Salazar

As contrações de treinamento do meu tão sonhado parto do coração.

Por Ane Bulcão
Edição: Caroline Salazar

Neste mês de julho completamos um ano de gestação do coração, e posso dizer que este é um dos textos mais especiais que escrevo. Nossas contrações já começaram. A princípio estou nas contrações de treinamento, assim posso chamar. Mas tenho certeza que nosso filho já foi escolhido por Deus e está chegando. Desde que entramos para a fila do Cadastro Nacional de Adoção - CNA estamos numa grande expectativa de que o processo avance o mais rápido possível. E as coisas acontecem naturalmente no tempo certo, e quando menos a gente esperava começaram as contrações de treinamento. Eu e meu esposo estávamos num retiro espiritual de nossa igreja quando encontrei uma grande amiga missionária, que comentou comigo que tinha visto no facebook que estou adotando. Confirmei a ela esse nosso desejo. E aí ela falou que estava apadrinhando uma criança que e que se enquadrava no perfil que escolhemos. Porém, a idade estava um pouco acima daquela que estipulamos (sete anos e meio). Mas nosso contato foi muito rápido e ficou nisso mesmo. Passados alguns meses, como de costume, em minhas orações diárias pelo nosso(a) filho(a) comecei a pensar na conversa com minha amiga missionária. Continuei em oração, e, de repente, uma outra amiga que está em outro estado também me falou dessa mesma criança e como não acredito em coincidência, mas sim em provisão divina, conversando com meu esposo, resolvemos conhecer a criança.

Quero citar um texto de autor desconhecido que li num dos blogs de apoio à adoção que participo: “É possível ser mãe sem nunca ter gerado. É possível gerar e nunca chegar a ser mãe. Eu escolhi ser mãe, gerar ou não, nunca vai me tirar a maravilhosa missão da maternidade”, pois bem, essa frase me resume, sempre disse que o que eu quero é ser mãe, não necessariamente engravidar. 

Eu e Paulo decidimos viajar à cidade onde ele está, no interior de São Paulo, cerca de 660 km de distância da capital, onde moramos, para conhecê-lo. E esse foi o momento das primeiras contrações, era o mês de maio e já estávamos com 10 meses de gestação do coração. No nosso ultrassom soubemos que é um garotinho, super saudável, tem nove anos e é surdo. A essa altura eu já tinha me derretido toda, afinal de contas há 11 anos aprendi a Língua Brasileira de Sinais – Libras - e hoje sou especialista e trabalho na área. Deus em sua imensa sabedoria conduz tudo conforme seus planos. Ao chegarmos ao abrigo onde ele está meu coração ficou muito acelerado, minhas mãos começaram a suar, estava num misto de nervosismo e alegria, afinal, era meu primeiro momento com o meu tão sonhado filho. Dentro de mim algo já dizia que era ele. Iríamos nos ver pela primeira vez.  Quanta ansiedade! 

Paulo estava ainda mais apreensivo do que eu porque ele não sabe Libras e tinha receio que o menino só ligasse pra mim e nem desse bola para ele. Porém ele (nosso filho) também não sabe totalmente a língua, está aprendendo ainda. Tive que fazer um grande esforço para não me desmanchar em lágrimas a primeira vez que o vi e o abracei, por recomendação dos profissionais envolvidos no processo. Tendo em  vista o histórico do menino tão trágico quanto o de qualquer outra criança que se encontra em abrigo, porém com o agravante da sua condição de surdez que por tal motivo ele desde pequeno foi abandonado e foi crescendo sem ter noção do que é ser uma família constituída por pai, mãe e filhos. Como dizem por aí que coração de mãe não se engana, desde que soube dele, mesmo sem conhece-lo pessoalmente que meu coração ardeu de amor por esse serzinho tão desprotegido. 

Passamos dois dias maravilhosos com nosso filho, e graças a Deus, também percebemos que fomos adotados por ele. Vou chamá-lo de Marco, uma criança adorável, cheia de energia e de disposição que simplesmente nos amou. Seus olhinhos tão vivazes se encantaram por meu esposo. Nossa como ele nos abraçava e beijava o tempo todo, foi muito lindo e emocionante. Em nosso último dia a despedida foi muito difícil para nós três, choro de todo lado, pois não queríamos ter que deixá-lo naquele lugar, mas como disse estamos ainda nas primeiras contrações, nas de treinamento, e ainda preciso entrar em trabalho de parto, sentir as contrações reais de um parto. Essas primeiras contrações acontecerá neste mês de julho, no nosso segundo encontro. A burocracia é muito grande e existem alguns passos a serem seguidos até que consigamos a guarda provisória para então depois um tempo determinado pelo juiz obtermos a guarda definitiva. É assim mesmo, o processo é burocrático e em alguns momentos chato, mas se faz necessário, cada caso é um caso, não dá pra dizer que será rápido ou demorado porque depende muito mais dos agentes que estão envolvidos nos tramites.

Fomos ao Fórum na cidade de Marco e em entrevista com as psicólogas confirmamos que realmente queremos seguir com o processo adoção dele. Nosso próximo passo é o processo de aproximação que consiste em irmos novamente lá na cidade nesse período de férias para ficarmos cinco dias com ele e depois ele vem conosco e fica cinco dias na nossa casa. Passados esses cinco dias ele volta ao abrigo e seremos todos avaliados sobre como foi esses dias de convivência. Será marcado mais outros dois ou três encontros para enfim sair a autorização da guarda provisória que pode levar de seis meses até dois anos. Tudo vai depender do que o juiz decidir, e aí sim acontecerá o nosso tão sonhado parto. Então é isso meninas, estou em estado de graça! Feliz da vida porque aprouve ao Senhor nos presentear com um príncipe, filho amado que em breve chegará de vez para inundar nossas vidas de amor e alegria. 

A minha luta com a endometriose continua. Fiz a ressonância magnética e o resultado deu que agora a doença está no útero (adenomiose). As dores continuam persistentes, mas eu não me queixo, a vida é muito linda e breve pra eu ficar reclamando. Eu já disse para vocês em outro momento que decidi não permitir que a endometriose me roube a alegria de viver, não estou com isso querendo tripudiar ou desdenhar da dor e do sofrimento que muitas de nós sentimos, o que quero dizer é apesar de ter endometriose não vivo cativando a doença, encontro forças em Deus que me tem abençoado além do que mereço. Ainda mais agora com esse meu presente chamado Marco. Quero continuar meu tratamento para conseguir ficar bem para criar meu filho, formar minha família que eu e meu esposo tanto sonhamos. 

Um beijo no coração, e mais uma vez, quero dizer a quem deseja ser mãe: não desista do seu sonho de ser mãe porque com certeza existem muitos anjinhos esperando por uma família que os possa acolher com amor e carinho.

domingo, 17 de julho de 2016

DAVID REDWINE: AVALIAÇÃO DA PACIENTE COM ENDOMETRIOSE - PARTE 4!

Depois de dar uma aula sobre como realizar a cirurgia de laparoscopia, na quarta e última parte do texto "Avaliação da paciente com endometriose" (leia a parte 1, a parte 2 e a parte 3), o doutor David Redwine explica como realizar a cirurgia por laparotomia, fala sobre a posição correta da paciente, como deve ser o corte, inclusive, para laparotomia para cirurgia de endometriose do diafragma, e como proceder se o cirurgião começar a cirurgia por laparoscopia e depois ter de fazer a laparotomia. No texto Redwine também fala quando os médicos devem dar alta ás suas pacientes operadas e aborda a importância da identificação visual da doença por parte dos cirurgiões. Há diversos tipos (cores) dos focos, e para isso, um olho bem treinado do cirurgião é de extrema importância para um tratamento correto e definitivo da doença. Já abordamos essas diferenças no texto "Aparência visual da endometriose e seu impacto sobre nossos conceitos da doença". Este é outro texto que deve ser compartilhado com médicos e cirurgiões da doença. Beijo carinhoso! Caroline Salazar 

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar


Local da incisão para laparotomia:

 Em pacientes com doença tão extensa que necessitem de laparotomia (nota do tradutor: cirurgia “aberta”) , é adequada uma incisão transversa baixa. Não é necessária a secção do músculo reto abdominal. Essa incisão pode ser utilizada virtualmente para tratar qualquer caso de endometriose pélvica ou intestinal, e raramente será necessária uma incisão vertical infraumbilical. Uma laparotomia alta no abdômen será necessária para casos de endometriose no diafragma, seja por uma incisão subcostal para doença unilateral, ou uma pequena incisão vertical para doença bilateral [3]. Se houver a conversão de laparoscopia para laparotomia, deve-se considerar retirar as pernas da paciente das perneiras e posicioná-las em decúbito dorsal supino, caso se antecipe uma cirurgia mais prolongada. É difícil de alcançar a doença no íleo com as típicas punções laparoscópicas, e será mais fácil aumentar a incisão na fossa ilíaca direita e exteriorizar o íleo na parede abdominal, ou então prolongar um pouco a incisão umbilical caso seja necessária cirurgia no sigmoide, íleo e ceco simultaneamente (Figura 13).
Figura 13. A incisão de 5 mm no quadrante inferior direito foi levemente ampliada após a conclusão de toda cirurgia por laparoscopia, para que então possa ser realizada cirurgia no íleo. O intestino pode ser tracionado com pinças atraumáticas e exteriorizado na parede abdominal para uma fácil cirurgia.
Identificação visual da endometriose:
A identificação visual da endometriose é importante, pois todo o processo intelectual e terapêutico relacionado à doença começa com o cirurgião identificando a doença na pelve. Aparências sutis são possíveis com a endometriose. Pacientes jovens podem ter lesões incolores que podem ser identificadas como glândulas individuais à inspeção aproximada (Figura 14). Com o passar do tempo, pode haver uma pequena fibrose ao redor dessas glândulas devido ao efeito irritativo de suas secreções (Figura 15). A coloração peritoneal pelo sangue [17] pode ser útil na identificação de irregularidades sutis do peritônio devido à endometriose (Figura 16). Falhas (bolsões) peritoneais, algumas vezes com múltiplas falhas subjacentes, podem estar presentes em qualquer lado do reto (Figura 17) ou às vezes nas paredes pélvicas laterais. Esses defeitos peritoneais embrionários podem conter endometriose em seu fundo ou em suas bordas. 


Figura 14. A endometriose sutil pode ter aparência de tapioca. Duas glândulas individuais de endometriose circundadas por estroma esbranquiçado desmentem os conceitos de endometriose invisível e da hemorragia como característica constante da endometriose.

Figura 15. Os elementos glandulares da endometriose secretam uma substância parácrina não identificada que resulta em fibrose superficial sobre e ao redor das lesões sutis. Note a completa ausência de hemorragia, que é a característica de muitas lesões de endometriose.
Figura 16. Coloração peritoneal pelo sangue do ligamento largo esquerdo revela inúmeras lesões peritoneais de endometriose que não seriam visíveis de outra maneira. O sangue corre ao redor das lesões, que estão levemente elevadas em relação ao peritônio circunjacente, como água correndo ao redor da rocha. 
Figura 17. Uma falha peritoneal no fundo de saco à esquerda, medial ao ligamento útero-sacro esquerdo. No detalhe, uma sub-falha escondida na profundidade da falha principal com uma lesão de endometriose adjacente à sua abertura. O reto está medial e imediatamente adjacente às tais falhas, e pode ser lesado durante suas remoções.
A deposição de carbono proveniente de vaporizações a laser prévias pode mascarar como endometriose hemorrágica, apesar que tem que ser lembrado que muitas pacientes terão lesões sem coloração hemorrágica ou neovascularização [18]. A vaporização a laser pode não queimar profundo o suficiente para destruir mesmo a endometriose superficial, e poderá haver doença persistente abaixo das adesões e carbono que o laser deixa para trás (Figura 18). O carbono presente no tecido pode promover uma reação de células gigantes do tipo corpo estranho, que por sua vez podem ser uma causa iatrogênica (nota do tradutor: provocada pelo próprio tratamento) de dor (Figura 19).

Figura 18. Endometriose superficial que não foi destruída pela vaporização a laser. Note os múltiplos locais de glândulas individuais, algumas com fibrose resultante da atividade biológica da doença. O tratamento deixou aderências superficiais e carbono no leito do tratamento. Detalhe à esquerda: a endometriose se encontra logo abaixo da superfície peritoneal, a qual tem aderências velamentosas e congestão vascular. Detalhe à direita: a endometriose superficial está abaixo do carbono deixado na superfície peritoneal.
Figura 19. Depósito de carbono no interior do tecido após vaporização a laser, resultando em reação de células gigantes do tipo corpo estranho que pode ser a causa de dor em algumas mulheres.
Outras formas de endometriose podem se tornar francamente óbvias, com os efeitos da doença sendo manifestados ao longo do tempo. Estas formas são amplamente ilustradas nos capítulos sobre tratamento cirúrgico. Fibrose esbranquiçada ou densamente amarelada é um achado comum que pode esconder doença subjacente. Enquanto muitos cirurgiões podem considerar essa uma forma de “doença cauterizada”, a mesma pode representar uma forma biológica ativa com atividade presente. O foco do cirurgião deve ser: qualquer alteração peritoneal, não importa o quão sutil, deve ser considerada como possível endometriose até que seja provado o contrário pela biópsia. Apenas após a completa identificação da doença é que ela poderá ser removida.
Assim que a cirurgia for concluída, a incisão umbilical deve ser fechada com suturas absorvíveis na fáscia umbilical. Caso contrário, pode haver prolapso de omento, especialmente em pacientes muito magras. Incisões menores podem ser fechadas com curativo. Cirurgias prolongadas resultarão em um maior volume de líquido de irrigação que irá drenar por uma ou mais incisões da laparoscopia. Um dreno colocado no fundo de saco irá ajudar a manter o leito cirúrgico mais limpo e ajudar a detectar sangramento pós-operatório.
A laparoscopia moderna pode ser extensa e não verdadeiramente uma cirurgia ambulatorial. Está associada à uma alta incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios. Na maioria das vezes, estes se devem à anestesia, aos efeitos diretos da cirurgia, ou aos analgésicos. Já que o vômito pós-operatório pode ser um sinal de complicação, não é prudente dar alta à uma paciente que esteja vomitando. Os critérios mínimos para alta hospitalar devem incluir a possibilidade de tolerar líquidos e analgésicos por via oral, a habilidade de ir ao banheiro, e a presença de sinais vitais estáveis.
Nota do Tradutor: Neste conciso e objetivo texto de sua “Endopedia”, o Dr. Redwine resume a abordagem clínica da pacientes com endometriose, desde a sua história e exame clínico, até os achados cirúrgicos. A meu ver, cabe destacar, como ponto mais importante do texto, os sintomas comumente referidos pelas pacientes com endometriose, e como a simples história clínica pode elucidar o diagnóstico em grande parte das vezes.
Me lembro em outro texto do Dr. Redwine onde ele comenta que “não há razão para que as pacientes saiam de seus lares, paguem por consultas médicas, e mintam a você sobre suas dores”. Cabe a nós médicos, sempre e em primeiro lugar, nos despirmos de quaisquer resistências e dúvidas sobre o que ouvimos de nossas pacientes. Como bem destacado nesse texto, o raciocínio clínico é parte fundamental da arte da Medicina, e apenas com uma compreensão adequada dos sintomas da endometriose é que poderemos chegar a um diagnóstico sobre a presença (ou não) da doença.



Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).

quinta-feira, 14 de julho de 2016

DAVID REDWINE: AVALIAÇÃO DA PACIENTE COM ENDOMETRIOSE - PARTE 3!

Na terceira parte do texto "Avaliação da Paciente com Endometriose (leia a parte 1 e a parte 2), o médico e cientista americano David Redwine explica como deve ser realizada uma cirurgia de laparoscopia, desde a posição correta da paciente na mesa operatória, até como os médicos devem fazer a correta incisão, que vai desde o posicionamento do laparoscopo, dos trocateres, como deve ser a incisão, quais órgãos os cirurgiões têm de tomar cuidado de acordo com a espessura dos trocateres para não serem lesados (perfurados). Ele dá dicas de como a cirurgia de laparoscopia deve ser feita em pacientes obesas. Vale muito a pena compartilhar esta parte com médicos especialistas e cirurgiões. Beijo carinhoso! Caroline Salazar


Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Considerações cirúrgicas:
Manipulação uterina:
É praticamente impossível realizar cirurgia laparoscópica de endometriose sem manipulação uterina. É necessário um correto posicionamento da paciente para o uso dos manipuladores, como um manipulador de Hulka. O quadril da paciente deve estar levemente afastado para fora da mesa, de forma que o manipulador possa ser movimentado firmemente em direção às nádegas, causando uma anteversão extrema do útero. O manipulador pode então ser pressionado em direção ao teto, forçando todo o útero anteriormente à parede abdominal e expondo o fundo de saco para investigação cirúrgica. Isso é particularmente vital durante cirurgias com obliteração do fundo de saco, já que a anteversão extrema do útero resulta em uma contra-tração à doença que por sua vez traciona o útero posteriormente, ajudando bastante na dissecção.
Posicionamento da paciente:

 A mesa de cirurgia deve ser passível de ser colocada em posição de Trendelemburg acentuado (nota do tradutor: cabeça baixa e pés elevados), o que permite que o intestino se mova à porção superior da pelve. As pacientes com endometriose costumam ser jovens e saudáveis e podem tolerar muitas horas em tal posição sem problemas respiratórios, apesar do anestesista poder notar uma pequena elevação nas pressões de ventilação necessárias. Pode haver enfisema subcutâneo e este se estender até a face (Figuras 4 e 5), especialmente em pacientes magras, mas, além de uma pequena elevação na pressão respiratória final do gás carbônico (CO2), isso parece ser inofensivo.
Figura 4. Enfisema subcutâneo massivo estendendo-se à face de uma paciente magra.
Figura 5. Completa resolução do enfisema alguns dias após a cirurgia.
Os braços devem ser presos ao longo do corpo e os ombros protegidos. Deve-se prestar atenção à manutenção da temperatura corporal durante a cirurgia. A utilização de líquidos aquecidos, o enfaixamento das pernas e cabeça com cobertores adicionais, e o uso de sistemas de aquecimento para o tórax e rosto ou logo abaixo da paciente também são úteis. Perneiras especiais devem proporcionar um bom acolchoamento para a área poplítea e porção inferior das pernas, e essas devem ser posicionadas de forma que a paciente não deslizará sobre a mesa na direção do anestesiologista, já que isso dificultará a manipulação uterina.
Posicionamento dos trocateres:
A maioria dos cirurgiões utiliza um laparoscópio através de uma trocater umbilical de 10mm. O umbigo é a parte mais fina da parede abdominal, e uma incisão vertical no centro ou porção inferior do umbigo permitirá, ao mesmo tempo, a via de entrada mais eficiente e o melhor resultado cosmético após a cirurgia. O trocater e sua bainha podem ser colocados diretamente no umbigo com ou sem insuflação inicial do abdômen com uma agulha de Veress. A inserção direta do trocater pode ser mais segura do que a insuflação com agulha de Veress seguida da punção com o trocater. A insuflação prévia com agulha significa que serão necessárias duas introduções às cegas ao invés de apenas uma quando o trocater umbilical é inserido diretamente, aumentando assim, aritmeticamente, as possibilidades de lesão das estruturas subjacentes. As pontas dos trocateres permanentes são mais rombas, especialmente se comparadas aos trocateres descartáveis, e portanto o seu uso é mais seguro já que há uma menor chance de uma lesão cortante. De fato, estudos mostram que o risco de ocorrer uma lesão inadvertida com a inserção direta é de 1/1838 (0,05%) [15], comparado com um risco de 19/470 (4%) [16] quando há insuflação prévia do abdômen com agulha de Veress antes da inserção do trocater umbilical.
Para inserção direta do trocater, a parede abdominal ao redor do umbigo deve ser elevada com as mãos ou com pinças (Figura 6). A ponta do trocater deve ser direcionada à porção funda da pelve. Em pacientes obesas, pode ser necessária a elevação e eversão do fundo do umbigo com pinças de Allis ou hemostáticas, já que essa área pode estar escondida atrás das dobras de tecido gorduroso do abdômen circunjacente. Pode ser feita uma incisão no centro do umbigo e algumas vezes pode ser mais fácil prolongar a incisão até a cavidade peritoneal para a introdução direta do trocater. Em pacientes obesas onde o fundo do umbigo é visível, a ponta do trocater é introduzida perpendicularmente até que seja sentida a fáscia umbilical, e este então é direcionado à pelve. As pacientes com endometriose podem ter passado por múltiplas laparoscopias ou laparotomias, e em algumas vezes recomenda-se locais alternativos de inserção do trocater para se evitar a teórica complicação de lesão a alças intestinais eventualmente aderidas ao umbigo. Porém, o risco de lesão intestinal com a inserção umbilical direta é de 1/2000 casos na experiência do autor. É mais comum que se encontre aderências tênues de omento ao redor do umbigo, e essas podem ser liberadas diretamente com a bainha do trocater ou de alguma direção alternativa através de outro trocater.
Figura 6. A parede abdominal é elevada antes da inserção direta de trocater umbilical de 10 mm.
Para realização de cirurgias laparoscópicas, é útil que se realize outras punções para uso de pinças e sistemas de irrigação / lavagem. Isso diminuirá a mudança de instrumentos e tornará a cirurgia mais eficaz. Recomenda-se o mínimo de duas punções adicionais. Uma técnica de punção tripla com um trocater umbilical e dois trocateres acessórios lateralmente aos vasos epigástricos é adequada para a realização de todas as cirurgias pélvicas e a grande maioria das cirurgias intestinais para endometriose. A inserção desses trocateres acessórios pode ser feita com segurança utilizando o laparoscópio da inserção umbilical para visualizar os vasos epigástricos inferiores na parede abdominal (Figuras 7 a 9). A ponta do laparoscópio pode ser avançada lateralmente a esses vasos e uma incisão cutânea pode ser realizada sobre esta. A transiluminação da parede abdominal (Figura 10) não mostrará os vasos epigástricos na maioria das pacientes, mas podem ao invés revelarem vasos epigástricos superficiais presentes na gordura subcutânea. É importante que se evite ambos os grupos de vasos sanguíneos.
Figura 7. Os vasos epigástricos inferiores esquerdos são visíveis como um arco arroxeado abaixo do peritônio parietal.
Figura 8. Os vasos epigástricos inferiores esquerdos originam-se a partir dos vasos ilíacos externos próximos ao anel inguinal interno.

Figura 9. Anatomia retroperitoneal da origem dos vasos epigástricos inferiores esquerdos.
Figura 10. Sob visão direta, avançou-se a ponta do laparoscópio até um ponto lateral aos vasos epigástricos inferiores direitos. Agora, por observação externa, o bisturi cria a incisão adicional no quadrante inferior esquerdo para introdução de um trocater acessório. Os vasos epigástricos superficiais que correm na gordura subcutânea podem ser vistos por transiluminação da parede abdominal, mas não os vasos epigástricos inferiores profundos.
Após a incisão cutânea lateral ter sido realizada lateralmente aos vasos epigástricos inferiores em um área transiluminada livre de vasos, a ponta distal do laparoscópio pode ser utilizada para se empurrar anteriormente a parede contra os vasos epigástricos inferiores, enquanto o trocater acessório é introduzido horizontalmente logo abaixo do laparoscópio (Figura 11). Dessa forma, o trocater jamais é direcionado aos vasos ilíacos, mas sim para o meio do pneumoperitôneo. Reduz-se o risco de lesão da bexiga com tal forma de introdução. Mesmo se os trocateres acessórios não lesarem os vasos epigástricos inferiores, pode haver lesão dos vasos presentes na gordura subcutânea, particularmente em pacientes obesas onde a transiluminação da parede abdominal é ineficaz. A presença de sangue escorrendo pela lateral do trocater (Figura 12) deve alertar o cirurgião para a possibilidade de lesão dos vasos epigástricos superficiais.



Figura 11. A parede abdominal é empurrada pelo laparoscópio enquanto se avança o trocater logo abaixo do laparoscópio. Os vasos epigástricos inferiores estarão localizados imediatamente anterior ou medial ao laparoscópio, e portanto estarão protegidos de lesão pelo trocater. O trocater acessório é introduzido em uma direção horizontal paralelamente ao chão, entrando no bolsão vazio do pneumoperitôneo abaixo do laparoscópio, e portanto evitando risco de lesão dos vasos ilíacos.
Figura 12. A presença de sangue escorrendo pelo trocater acessório é um sinal de lesão de vaso da parede abdominal.
Alguns cirurgiões podem colocar apenas um trocater acessório de 5 mm na linha média. Nesse caso, a bexiga será o órgão de maior risco para lesão. A realização de uma incisão para este trocater fica a critério do cirurgião baseado em treinamento, experiência e necessidades de cada caso em particular. Dependendo da direção na qual o trocater é introduzido, a bexiga pode ser lesada com incisões cutâneas realizadas 1 cm ou 10 cm acima da sínfise púbica. A superfície da bexiga nem sempre pode ser delimitada quando ela está vazia devido à gordura retroperitoneal e ao tecido areolar. Enquanto o balão da sonda vesical pode ser visto como uma massa redonda, este costuma ser posicionado junto ao meato uretral interno e longe da cúpula da bexiga. Devido a isso, a inserção do trocater sob visão direta não irá garantir que se evite lesão da bexiga. Se a bexiga for lesada pelo trocater suprapúbico, essa lesão pode não se tornar aparente durante a cirurgia. Pode não haver sangramento visível à laparoscopia ou na bolsa coletora da sonda vesical, e a urina que se extravasa pelo trocater pode simplesmente ser misturada ao soro de irrigação usado durante a cirurgia. A bolsa coletora da sonda não irá se encher com CO2 porque a bainha do trocater age como um tampão evitando que o CO2 entre na bexiga. Portanto, é perfeitamente possível que uma perfuração da bexiga passe despercebida durante a cirurgia.




Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).

terça-feira, 12 de julho de 2016

DAVID REDWINE: AVALIAÇÃO DA PACIENTE COM ENDOMETRIOSE - PARTE 2!

Na segunda parte do texto "Avaliação da Paciente com Endometriose (se você perdeu a parte 1leia aqui), o doutor David Redwine ressalta que é muito importante distinguir a dor da endometriose com as de outras doenças e até mesmo das dores causadas pelo útero durante a menstruação. O médico e cientista americano explica como deve ser feito o exame físico realizado pelo especialista e quais os locais/ órgãos mais importantes que ele deverá analisar para achar a endometriose, fala que ainda não existe nenhum exame de sangue específico para detectar a doença e ele explica também porque nem toda endometriose aparece nos exames de imagens, seja ele a ressonância magnética (RM) e ou o ultrassom e para que serve a preparação intestinal que muitas endomulheres precisam fazer para realizar a cirurgia. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar


                                                   Avaliação da Paciente com Endometriose - parte 2.

Endometriose vs outras causas de dor:

É importante tentar distinguir a dor da endometriose de outras causas de dor, especialmente aquela proveniente do útero. Isso pode ser difícil em algumas situações, pois as dores uterinas e as de endometriose podem coexistir, especialmente durante a menstruação. É importante tentar discriminar a causa da dor porque a dor uterina pode não responder à cirurgia da endometriose, e a dor da endometriose pode não responder à cirurgia uterina. Isso é parte da arte da medicina. Nessa arte, é importante lembrar que a dor uterina ocorre primariamente com as menstruações, apesar de alguns casos de adenomiose poderem causar dor ao longo do mês, mas com agravamento durante a menstruação. A dor uterina é frequentemente descrita como cólicas que podem parecer cólicas de parto e que parecem surgir da região suprapúbica. O útero é notável por irradiar dor para a região lombar baixa (através dos ligamentos útero-sacros), parte anterior das coxas (através dos ligamentos redondos) e umbigo (através das artérias umbilicais obliteradas ou úraco).
Exame físico:

A endometriose do umbigo é rara e será identificada como um inchaço doloroso menor que 1,5 cm de diâmetro localizado no interior do umbigo, geralmente na porção inferior (Figura 1). Pode haver uma coloração azulada / arroxeada devido ao acúmulo de sangue. Eventualmente, poderá ser notado sangramento ativo.


Figura 1. Endometriose do umbigo. Um pequeno nódulo hemorrágico está presente no quadrante inferior direito do umbigo.

Raramente existirá endometriose na vulva ou no colo uterino. Às vezes, o fórnice vaginal posterior será local de invasão de endometriose subjacente proveniente do ligamento útero-sacro ou do reto (Figura 2). Essa lesão pode passar despercebida a menos que o espéculo seja direcionado posteriormente e aberto de tal forma que o fórnice vaginal possa ser exposto. Tal endometriose vaginal deve trazer à mente a possibilidade de obliteração do fundo de saco e de envolvimento do reto.
         
Figura 2. Endometriose do fórnice vaginal posterior. Uma pinça dentada está tracionando superiormente o lábio posterior do colo. A mucosa vaginal adjacente à pinça é descamativa e espessada com mudanças hemorrágicas associadas. Essa apresentação da endometriose está comumente associada ao bloqueio do fundo de saco e à doença invasiva dos ligamentos útero-sacros.
O exame bimanual é realizado para verificar se existe aumento do útero ou dos ovários. Se o útero está na parte anterior da pelve, esse pode ser palpado entre os dedos das mãos interna e externa. É muito importante notar se o útero é doloroso à compressão e se isso reproduz qualquer componente da dor da paciente. Uma dor de origem uterina pode não responder ao tratamento da endometriose, mas pode responder à uma neurectomia pré-sacral se a paciente recusar a histerectomia.

O toque do fundo da vagina é a parte mais importante do exame na busca por evidência de endometriose, e é melhor realizado após o toque bimanual do útero e dos ovários. Essa parte do exame é realizada apenas com os dedos internos. A mão externa é posicionada atrás nas costas do examinador ou sobre a perna da paciente. O fundo de saco é palpado delicadamente enquanto o examinador observa a face da paciente, seguido por uma leve palpação de cada ligamento útero-sacro, novamente observando a reação da paciente. Normalmente, a endometriose nessas regiões será muito dolorosa, fazendo com que a paciente retraia ou até mesmo chore e se afaste na mesa. Será notada também a presença e o tamanho dos nódulos nessas regiões. Durante o exame retal, será feito um esforço para perceber se a mucosa deslizará sobre quaisquer nódulos, já que isso pode predizer a extensão da ressecção intestinal necessária. A paciente é solicitada a informar o quanto de sua dor é reproduzida pelo exame clínico e isso irá predizer o sucesso da cirurgia em aliviar a dor [4]. Em alguns casos de endometriose envolvendo a bexiga, poderá ser notado um nódulo anterior ao útero, ou a parede vaginal anterior poderá demonstrar nodulação e dor se o trígono vesical estiver envolvido. Alguns autores recomendam a realização do exame pélvico durante a menstruação, quando os nódulos e a dor podem estar aumentados [2,5].

A endometriose do trato intestinal alto e do diafragma existe sem sinais identificáveis ao exame físico.
Exames de laboratório e imagem:

Não há nenhum exame de sangue que seja específico para endometriose. O CA-125 pode estar normal ou aumentado com o câncer ovariano ou não ovariano [6], tumores ovarianos benignos, infecções, gestação molar ou miomas [7], aderências [8], adenomiose, endometriose, menstruação, ou diante de uma pelve normal [10].

O ultrassom transretal para o diagnóstico de nódulos retais [11] ou ressonância magnética pélvica (RM) para estudo dos nódulos vesicais são usados por alguns, mas tais exames parecem ser desnecessários pelos seguintes motivos. Os exames frequentemente serão normais. Os exames não tratam a dor da paciente. Um exame negativo na presença de sintomas sugestivos não elimina a necessidade de tratamento cirúrgico com preparo intestinal. Os resultados dos exames não mudam a maneira pela qual a cirurgia é realizada, e essa será determinada pelos achados durante a cirurgia; caso seja necessária algum tipo de ressecção intestinal, esta será realizada independente do resultado do exame. Os exames aumentam os custos e não há nenhum estudo randomizado que prove que sejam necessários para melhorar o resultado das cirurgias de endometriose. Os exames focam em si mesmos, ao invés de focarem nas pacientes. Enquanto os exames podem sugerir o envolvimento de determinado órgão que podem modificar a composição da equipe cirúrgica, a cirurgia da endometriose irá necessitar, por definição, de uma equipe multidisciplinar devido à sua capacidade em afetar múltiplos órgãos. Portanto, uma equipe que trata endometriose deverá ser capaz de tratar qualquer achado cirúrgico, independente ou não de exames pré-operatórios.
Os exames podem ser úteis para aquelas pacientes obesas que têm maior dificuldade para serem examinadas, ou para determinarem se existe miomas uterinos ou adenomiose, já que a presença de uma alteração uterina pode mudar as opções cirúrgicas apresentadas à paciente. Se a paciente tem sintomas uterinos e um exame com resultado alterado, a histerectomia pode ser útil.
Preparo intestinal antes da cirurgia:
O preparo intestinal pode ser útil para cirurgia de pacientes que tenham bloqueio de fundo de saco, já que muitas dessas pacientes necessitarão de algum tipo de cirurgia no reto [4]. As pacientes com doença intestinal já sabida deverão receber um preparo intestinal. Pacientes com doença ovariana conhecida ou suspeitada devem ser consideradas ao preparo intestinal já que existe um aumento na incidência de endometriose intestinal [14]. O preparo intestinal também deve ser considerado para pacientes com nódulos ao exame físico, o que indica uma doença invasora mais profunda com possível acometimento do reto, assim como para pacientes com sintomas clínicos sugestivos de envolvimento intestinal. Há várias medicações disponíveis de ação osmótica ou mecânica, com ou sem uso de antibióticos, e nenhuma dessas é necessariamente superior às outras.
O preparo intestinal não é isento de riscos. Durante a cirurgia, o intestino estará frequentemente cheio de líquido que pode extravasar e contaminar a pelve e o abdômen, causando uma pesada disseminação bacteriana (Figura 3) e risco de formação de abscesso pós-operatório. A combinação de antibióticos profiláticos com preparo mecânico pode resultar no crescimento de Clostridium difficile que causa febre de baixo grau, cólicas intestinais e diarreia aquosa. A bactéria pode ser diagnosticada por um teste para a toxina do Clostridium difficile   realizado em amostra de fezes, apesar de poder haver resultados falso negativos. O tratamento é feito com metronidazol ou vancomicina via oral.
Figura 3. Líquido esverdeado do preparo intestino extravasa do intestino durante uma ressecção do sigmoide, contaminando a pelve.

Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).