Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Uma Introdução à Endometriose Intestinal
Muitas pacientes com endometriose intestinal não têm sintomas
gastrointestinais (GI). Entre os difíceis casos de endometriose que vi de todo
o mundo, apenas 27% têm envolvimento intestinal. Considerando que mais de 3000
mulheres foram operadas no hospital St. Charles, isso significa que eu operei
mais de 900 mulheres com endometriose intestinal.
Os sintomas da endometriose gastrointestinal dependem da severidade e da
localização da doença. A severidade da doença depende da profundidade da
invasão na parede muscular do intestino. Quando a endometriose invade o
intestino profundamente, ela causa bastante fibrose e retração e pode formar um
tumor que obstrui parcialmente o intestino. Quando a doença é muito
superficial, ela geralmente não causa nenhum sintoma. Há um amplo espectro de
severidade da doença, que vai desde um acometimento bastante superficial, até
uma doença bastante volumosa e profunda, e algumas pacientes podem ter ambas
doenças superficial em um segmento, e profunda em outro.
A localização da endometriose gastrointestinal segue padrões bem
definidos. A porção baixa do retossigmoide é o local mais comumente afetado, seguido
pela porção final do íleo (intestino delgado), o ceco (a primeira porção do
intestino grosso), e o apêndice (que se origina no ceco). Trinta por cento das
pacientes têm mais de uma área envolvida. A doença superficial em qualquer uma
dessas áreas não causa sintomas, mas a doença nodular, profunda invasiva pode
causar sérios problemas.
Quando o reto está comprometido pela endometriose, ele frequentemente se
adere à superfície posterior do útero, causando o que é conhecido como
obliteração do fundo de saco (ou bloqueio pélvico completo). Isso indica a
presença de doença profunda nos ligamentos útero-sacros, fundo de saco, e
geralmente um nódulo em si na parede anterior do reto. A doença também pode
ocasionalmente invadir a parede posterior da vagina.
Curiosamente, apesar de você poder pensar que a endometriose vaginal
seria óbvia ao exame especular no consultório, ela geralmente não é descoberta
porque muitos médicos não pensam em olhar atrás do colo do útero; eles estão
mais preocupados em checarem o colo do útero para colherem o exame de
Papanicolaou. Frequentemente o médico pode ser capaz de sentir nodulações na
parte posterior do colo durante o exame, e essa área pode ser extremamente
dolorosa.
Um nódulo retal que cause obliteração do fundo de saco pode originar
dores intestinais durante todo o mês, dor retal durante a relação sexual ou ao
sentar-se, e dor retal à eliminação de flatos. Ele também pode causar
constipação, apesar de diarreia poder estar presente durante o ciclo menstrual.
Quando o sigmoide estiver comprometido por doença nodular, as pacientes também
podem ter constipação alternada com diarreia, além de distensão e cólicas
intestinais. Uma endometriose nodular que comprometa o íleo pode causar dor no
quadrante inferior direito, distensão, e cólica intestinal. A doença do ceco e
do apêndice geralmente não causa nenhum sintoma específico. A maioria das
pacientes com endometriose gastrointestinal não tem sangramento retal, apesar
de que quando há sangramento retal e dores durante a menstruação, levanta-se a
suspeita de comprometimento GI.
Os exames de raio-X e a colonoscopia são raramente úteis para o
diagnóstico da endometriose gastrointestinal, porque a doença geralmente não
penetra em toda a parede do intestino, mas sim permanece em sua camada
muscular. A maior parte das pacientes terá exames normais, e a endometriose gastrointestinal
precisará de cirurgia para o seu diagnóstico. A laparoscopia é adequada para o
diagnóstico da doença gastrointestinal desde que o cirurgião realize esforços
para olhar em todas as áreas possivelmente envolvidas pela doença, e que também
saiba identificar como a doença se parece (ela é geralmente branca devido ao
tecido cicatricial que a envolve). Muitos ginecologistas não olham o intestino
de perto, portanto muitas laparoscopias são infrutíferas para a exclusão de
doença gastrointestinal.
Olhar a endometriose não fará que ela vá embora, e agora surge a questão
de como tratá-la. Felizmente, essa é uma questão simples. O tratamento com
remédios nunca foi estudado para endometriose intestinal. Os remédios não
erradicam a endometriose em nenhum grau ou localização, e não são aprovados
pelos órgãos reguladores para o tratamento da infertilidade associada à
endometriose. A única indicação para se usar medicações no tratamento da
endometriose pélvica ou gastrointestinal é na tentativa de se conseguir um
alívio temporário da dor caso a paciente precise esperar muito tempo pela
cirurgia.
A cirurgia é a única maneira de erradicar a endometriose gastrointestinal.
Muitas pacientes que têm doença gastrointestinal são recomendadas à realizarem
histerectomia (retirada do útero) e remoção dos ovários, ainda que esses órgãos
não estejam envolvidos pela doença.
Enquanto seja verdade que deprivar a paciente do estímulo estrogênico
com essa cirurgia irá geralmente reduzir ou eliminar a dor, faz muito mais
sentido remover a doença e ver o que acontece em relação à dor. Se o útero
estiver causando problemas devido a miomas ou adenomiose, e se a paciente já
tiver a prole constituída e simplesmente estiver cansada de dor e de repetidas
cirurgias, então, a remoção dos órgãos pélvicos pode contribuir para o alívio
da dor associada à remoção de toda a endometriose. Entretanto, raramente é
necessário considerar a remoção do útero, tubas e ovários para tratar a
endometriose pélvica e gastrointestinal, já que a remoção desses órgãos não
erradica a doença.
Enquanto muitos cirurgiões gostam de utilizar vaporização a laser ou a
eletrocoagulação para tratarem a endometriose pélvica, não é seguro queimar o
intestino (apesar de alguns cirurgiões ocasionalmente o fazerem), porque pode
ser criado um buraco no intestino que não seja percebido e causar sérias
complicações. É necessária a excisão da endometriose com suturas ou
grampeadores para uma remoção completa e segura.
No hospital St. Charles, nós fomos os pioneiros no tratamento da
endometriose gastrointestinal, e agora é possível tratar a maioria dos casos
por laparoscopia. Muitas pacientes não precisam de uma ressecção segmentar
quando a doença é removida e as duas bordas intestinais são reaproximadas.
Mesmo que isso seja preciso, uma laparotomia (“abrir” o abdômen) não é sempre
necessária.
Como novidade para aquelas pacientes que precisarão de laparotomia, eu
descobri que se utilizarmos a laparoscopia para tratar toda a doença pélvica e
isolar o segmento intestinal a ser removido, então a incisão abdominal pode ser
bastante pequena.
Em uma paciente que precisou de uma ressecção discoide para um nódulo
retal, mas que também tinha nódulo no sigmoide e no íleo, isolando o sigmoide
por laparoscopia, eu pude fazer uma pequena incisão (“corte”) de 1,5 cm e nós
fomos capazes de realizar as ressecções segmentares tanto do sigmoide como do
íleo através dessa pequena incisão. A paciente ficou assustada de ver a sua
incisão, mas quando removi o curativo dois dias depois, ela olhou e disse “Isso
não é tão ruim. Eu ainda posso usar meu biquíni”.
A colostomia não é necessária em nenhuma paciente para o tratamento da
endometriose gastrointestinal. Nós tivemos apenas uma complicação séria em mais
de 500 pacientes. A paciente teve um extravasamento pela linha de sutura alguns
dias após a cirurgia e necessitou de uma colostomia temporária para o
tratamento. Essa foi reconstruída e hoje ela tem a sua função intestinal normal
novamente. Uma outra paciente desenvolveu uma estenose (estreitamento) e
necessitou de dilatação do intestino.
De acordo com o nosso conhecimento, a equipe médica do hospital St.
Charles tem a maior experiência mundial no tratamento da endometriose
gastrointestinal. Eu realizei pessoalmente a maior parte das cirurgias e
credito o auxílio do doutor Marinus Koning nos casos eventuais de necessidade
de ressecção segmentar. A endometriose gastrointestinal não precisa ser
assustadora ou misteriosa. Assim como a endometriose pélvica, ela geralmente é
clara quando a doença é compreendida. Os médicos às vezes podem fazer parecer
as coisas mais complicadas do que realmente são porque eles podem não ter muita
experiência no tratamento da endometriose.
Nota do
Tradutor: A endometriose intestinal é relativamente comum em mulheres que têm
endometriose, responsável por um número importante de cirurgias incompletas
devido à falta de diagnóstico preciso. Neste artigo, o doutor Redwine explica
com clareza os sintomas da endometriose intestinal, sua localização mais
frequente (no retossigmoide), e que a cirurgia é a única maneira de tratá-la
definitivamente.
Diferentemente do que mencionado pelo doutor
Redwine, hoje é perfeitamente possível o diagnóstico da endometriose intestinal
por exames de imagem (ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou
ressonância magnética pélvica) realizado por especialistas, sem a necessidade
da cirurgia de laparoscopia. Isso é revolucionário. Com um diagnóstico correto
antes da cirurgia, pode-se planejar adequadamente o tratamento, orientar a
paciente quanto à cirurgia, ou encaminhá-la para profissionais capacitados
quando for a necessidade.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
Endometriose no intestino? Tô chocada!
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