Nota do Tradutor: Neste artigo, o Dr. Jeremy Wright descreve com clareza e precisão os sintomas e o tratamento cirúrgico da endometriose retovaginal, uma das formas mais graves da doença. Apesar de conter detalhes técnicos sobre a cirurgia ideal para o tratamento, o artigo pode facilmente ser compreendido pela população geral devido à sua linguagem simples e direta.
Cabe destacar dois pontos importantes do artigo:
- O primeiro ponto refere-se à impressão do Dr. Wright
sobre o diagnóstico da endometriose por exames da imagem. O Dr. Wright pontua
que “os exames de imagem como a ultrassonografia, tomografia computadorizada
(TC) e a ressonância magnética (RM) podem trazer evidências confirmatórias, mas
não são diagnósticos por si só e a interpretação dos resultados pode ser
difícil”, e que “um exame positivo geralmente mostrará apenas cistos ovarianos
quando estes estiverem presentes, mas normalmente irão falhar em demonstrar a
doença no assoalho pélvico e no intestino”.
Felizmente, essa já não deve ser mais a realidade. O
Brasil é pioneiro e conta com especialistas (apesar de poucos) que podem
diagnosticar com exatidão todas as formas de endometriose profunda, incluindo
as doenças intestinais e retovaginal. Profissionais capacitados, através de uma
ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou uma ressonância
magnética pélvica, podem mapear praticamente toda a endometriose profunda antes
de uma cirurgia, o que servirá ao correto planejamento e aumentará as chances
de uma remoção completa. Com a ajuda desses profissionais, hoje não mais se
justificam as laparoscopias “diagnósticas” com o intuito único de
“diagnosticarem” a doença.
A endometriose profunda deve ser diagnosticada
corretamente pela história clínica, exame físico, e uso desses exames de
imagem. A laparoscopia é uma cirurgia (não um exame) e deve ser indicada apenas
no intuito de tratar cirurgicamente a doença, quando a equipe profissional se
sentir apta a tratar todas as lesões previamente diagnosticadas. O diagnóstico
preciso da endometriose profunda representa o maior avanço recente no combate à
doença.
- O segundo ponto de destaque é a visão ampla e precisa
que Dr. Wright tem a respeito da patologia da endometriose, e da forma correta
de tratar a doença. O pesquisador destaca que a doença tem possivelmente uma
origem embrionária, e que, nesse sentido, a cura da doença seria possível a
partir do momento que toda a doença (e os locais onde eventualmente surgiria)
fosse removida cirurgicamente.
Nesse sentido, o Dr. Wright destaca que entender a doença
apenas como “aderências” mostra um completo desconhecimento de sua
distribuição, e que simplesmente fazer a liberação de aderências nas cirurgias
deixará, invariavelmente, “100% da doença para trás”.
Em resumo, o artigo do Dr. Jeremy Wright representa a
visão de um profissional experiente e habituado ao tratamento efetivo de uma
doença tão desafiadora, como é a endometriose retovaginal. Aproveitem.
Por doutor Jeremy Wright
Edição original em inglês doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição em português: Caroline Salazar
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição em português: Caroline Salazar
Fotos cortesia de doutor David Redwine e doutor Thomas Lyons
A endometriose retovaginal é
talvez o maior desafio cirúrgico da ginecologia, excedendo em complexidade as
cirúrgicas ginecológicas por câncer. Se a endometriose fosse um câncer, ela
seria considerada inoperável, enquanto porém a endometriose é uma doença
benigna e localmente invasiva e o único tratamento efetivo é a excisão
cirúrgica. O tratamento “padrão ouro” é a remoção cirúrgica da doença do corpo.
Muitas mulheres têm uma longa história de subfertilidade [1]. Para a maioria
das mulheres em idade reprodutiva a cirurgia pode ser realizada com a
preservação do útero e anexos (trompas e
ovários). A endometriose pélvica afeta 5-7% das mulheres que menstruam [1].
A incidência de comprometimento intestinal varia devido aos métodos de seleção
dos casos, com uma incidência relatada entre 3% a 34%.
A endometriose retovaginal
está frequentemente associada com endometriose em outros locais da pelve,
particularmente os endometriomas ovarianos e a endometriose em fossas ováricas,
as quais necessitarão de remoção cirúrgica concomitante [2,3,4,5]. Este
capítulo aborda a apresentação, os achados clínicos, a patologia e os tratamentos
dessa difícil manifestação da endometriose.
Apresentação
As mulheres com endometriose
retovaginal frequentemente têm dor lombar, dor abdominal baixa, disquezia (dor à evacuação) e constipação [6],
todos podendo ser agravados no período anterior ou durante as menstruações.
Elas também podem sofrer de dor retal à eliminação de flatos ou movimentos intestinais,
ou mesmo ao se sentarem. O uso frequente de laxantes pode causar diarreia, e
algumas pacientes se queixam de diarreia durante a menstruação. Os sintomas
estão geralmente associados à dispareunia (dores
durante a relação sexual) severa e menstruações intensas e dolorosas,
durante as quais as pacientes podem relatar uma pequena elevação da
temperatura. Uma história detalhada geralmente irá revelar que os sintomas
estão presentes desde a menarca (primeira
menstruação) e que foram ignorados ou tratados como dismenorreia primária (cólicas menstruais sem causa aparente),
normalmente com pílulas anticoncepcionais. Uma característica importante é que,
com o envolvimento do reto pela endometriose, as pacientes frequentemente têm
dores com cada movimento intestinal ao longo de todo o mês, enquanto as
pacientes com envolvimento do fundo de saco ou ligamentos útero-sacros sem
envolvimento do reto podem se queixar de movimentos intestinais dolorosos
apenas durante as menstruações.
Quando entrevistamos as pacientes,
é útil que peçamos a elas para que graduem a sua dor baseadas em uma escala
ordinária ou uma escala visual de dor, ou outras medidas de avaliação de
qualidade de vida. Os sintomas pré-operatórios podem facilmente ser comparados
com os níveis pós-operatórios para se obter uma medida objetiva do alívio dos
sintomas. São raros na literatura os trabalhos que usam tais escalas para
medirem a resposta dos sintomas da endometriose retovaginal [1,7].
Um acometimento
sistêmico é raro e o estado geral da paciente é geralmente normal, exceto por
uma pequena dor em abdômen inferior sobre o cólon sigmoide. A endometriose
retovaginal está normalmente associada à uma morbidade psicológica
significativa, uma grande dependência dos familiares, dificuldades de relacionamento
e a um sub-desempenho associado a ausências médicas do trabalho. As mulheres
com endometriose geralmente relutam em realizar o exame ginecológico porque
sabem que ele será doloroso. Entretanto, o exame ginecológico é essencial para
o diagnóstico.
Os exames de imagem como a
ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética
(RM) podem trazer evidências confirmatórias, mas não são diagnósticos por si só
e a interpretação dos resultados pode ser difícil [8,9,10]. Um exame normal não
alivia a dor da paciente e nem elimina a eventual necessidade do diagnóstico e
tratamento cirúrgicos. Um exame positivo geralmente mostrará apenas cistos
ovarianos quando estes estiverem presentes, mas normalmente irão falhar em
demonstrar a doença no assoalho pélvico e no intestino. Portanto, o exame pode
influenciar o cirurgião a procurar e tratar apenas os cistos ovarianos e
deixarem uma possível doença altamente sintomática para trás.
Exame
pélvico
O exame especular é útil em algumas
situações e deve concentrar-se na área do fórnice vaginal posterior colocando-se
o espéculo posteriormente ao colo do útero. O espéculo é aberto para expor o
epitélio do fórnice posterior. Nesta área, a doença retovaginal pode ser
identificada pela interrupção das rugas vaginais normais e pela distorção do
epitélio, por possíveis pequenos cistos roxeados e ocasionalmente por grandes
lesões vermelhas polipoides (Fig. 1). A doença está sempre localizada no espaço
entre os ligamentos útero-sacros. Esse tipo de lesão é frequentemente não
diagnosticada durante o exame especular porque apenas o colo do útero é
visualizado.
Figura 1: Endometriose do fórnice
vaginal posterior
|
É necessário um exame pélvico
completo, porém gentil. O exame bimanual deve avaliar o tamanho, a posição e a mobilidade
do útero, seguido de uma avaliação da sensibilidade dos anexos e da presença de
qualquer aumento do volume ovariano. O restante do exame deve ser realizado com
apenas um dedo vaginal e pela observação cuidadosa da expressão facial e
linguagem corporal da paciente pela forma como reage à palpação do fundo de
saco e ligamentos útero-sacros. As mulheres com essa doença geralmente irão
fazer caretas, senão até chorarem, e se afastarem na mesa do dedo do
examinador. Os ligamentos útero-sacros devem ser gentilmente palpados na busca
de qualquer modularidade, que pode ser extremamente dolorosa. A palpação do
fundo de saco de Douglas irá geralmente revelar um nódulo fixo de endometriose
que pode parecer envolver o septo retovaginal [11]. Isso geralmente pode ser
confirmado pelo exame retal ou pelo exame concomitante do reto e da vagina,
apesar que isso pode ser desconfortável e causar um pouco de sofrimento à
paciente. Nem toda nodulação que poderá ser identificada posteriormente durante
a cirurgia será necessariamente diagnosticada durante o exame pélvico [2,12].
As indicações para um preparo
intestinal (com laxativos) incluem
sintomas ou um exame pélvico que sugira o envolvimento do intestino por
endometriose, um envolvimento já conhecido, obliteração do fundo de saco, ou
cistos ovarianos de endometriose. O preparo intestinal é recomendado porém pode
ser problemático algumas vezes porque o cólon está frequentemente cheio com
líquido que pode contaminar a pelve caso seja realizada uma ressecção
intestinal.
Etiologia
e Patogênese
A etiologia e a patogênese da
endometriose permanecem controversas, mas há um entendimento geral entre os
principais pesquisadores que a endometriose retovaginal é diferente da
endometriose peritoneal em morfologia e histologia, e provavelmente se origina
de restos embrionários de tecido Mülleriano localizados nos ligamentos
útero-sacros, septo retovaginal, e parede anterior do reto [6,13,14]. Há uma
variação na quantidade de receptores de estrogênio e progesterona quando comparados
ao endométrio tópico, sugerindo mecanismos regulatórios diferentes para a
endometriose retovaginal, assim como uma origem diferente da endometriose
peritoneal. O conceito de uma metaplasia (transformação
de uma célula em outro tipo de célula) determinada embriologicamente é
crucial para o tratamento da doença, pois se toda a doença e os locais onde esta
pode se formar forem removidos, então a endometriose pode ser curada
cirurgicamente. Se a doença fosse causada pela menstruação retrógrada, seria
esperado um rápido crescimento após a remoção cirúrgica [15,16]. O fato é que
pode se esperar uma resposta clínica duradoura após a remoção da endometriose
quando ela é realizada por especialistas. O processo da doença parece começar,
geralmente como em um campo, em estruturas parenquimatosas, como os ligamentos
útero-sacros, cérvice posterior e parede anterior do intestino. Enquanto em
muitos casos pode haver invasão do fórnice vaginal posterior, o tecido
gorduroso e areolar do septo retovaginal em si não é um local de origem, nem de
envolvimento frequente. Portanto, o termo “endometriose de septo retovaginal”
pode ser equivocado.
Diagnóstico
cirúrgico por videolaparoscopia
A maioria das pacientes com
sintomas de endometriose serão aconselhadas a realizar uma laparoscopia
diagnóstica que precisa ser adequada e completa. Os seguintes pontos podem
ajudar a identificar o que é necessário:
· A paciente deve ser posicionada adequadamente
com suas nádegas além da borda da mesa operatória para que a manipulação
vaginal, uterina ou retal não sejam prejudicadas;
· A paciente deve estar em posição de Trendelemburg (pés elevados e cabeça baixa) suficientemente inclinada para permitir a inspeção adequada do fundo de saco de Douglas. Isso deve incluir a inspeção rotineira da mobilidade e acotovelamento do reto, que pode ser obtida colocando-se uma pinça dentro do reto e observando-se a sua mobilidade;
· A inspeção laparoscópica deve incluir todo o
peritônio pélvico incluindo ambas as fossas ováricas e os fundos de saco anterior
e posterior. Isso requer a manipulação dessas estruturas e a mobilização do
intestino do fundo de saco posterior. Isso não pode ser feito apenas com uma
agulha de Verres colocada por via suprapúbica;
· O ideal é que seja utilizado um trocater de 5
mm na parede abdominal lateral para o uso de um irrigador. Os trocateres
posicionados lateralmente, entretanto, carregam o risco de lesão de vasos
epigástricos. Como eles são muito constantes em sua localização, eles
geralmente podem ser evitados. Os vasos epigástricos inferiores estão sempre
situados no triângulo entre os vasos umbilicais obliterados e a inserção do
ligamento redondo, e podem normalmente ser identificados pela avaliação
laparoscópica através do peritônio parietal anterior;
· Os trocateres laterais devem ser inseridos
quando o abdômen estiver completamente
distendido e direcionados medialmente.
Isso pode ser feito ou por visão direta, ou levantando
se a parede abdominal
pelo lado peritoneal segurando o laparoscópio medialmente ao ponto
de inserção
do trocater de 5 mm, direcionando o trocater para que ele passe diretamente sob
o
laparoscópio para dentro do pneumoperitônio. O controle da tensão da parede
abdominal
assegura que não haja uma inserção rápida ou explosiva do trocater,
levando a uma possível
lesão das vísceras ou grandes vasos subjacentes
· Após a inspeção do peritônio pélvico, o fundo
de saco de Douglas e os ligamentos útero
sacros devem ser palpados à procura de
nodulações com o uso de um irrigador ou um fórceps
laparoscópico [17], enquanto
o útero é movido para cima com o auxílio de um manipulador
uterino. O nódulo de
endometriose é classicamente tão duro que a pinça produzirá um “click”
sobre
ele. Deve haver uma biópsia excisional dessas áreas de endometriose, porém
existem
poucos centros onde há equipamentos e especialistas para realizarem
esse procedimento, e
nessas circunstâncias, deve ser obtida ao menos uma
biópsia das lesões de endometriose para
a confirmação histológica do
diagnóstico, para que a paciente possa ser aconselhada a buscar a
ajuda
apropriada de um especialista.
· O ceco, o apêndice vermiforme e o íleo terminal devem todos ser examinados se houver obliteração do fundo de saco, pois há uma possibilidade que essas outras áreas intestinais possam estar acometidas.
· A endometriose retovaginal pode não estar
associada a lesões vermelhas hemorrágicas ou vasculares típicas (Fig. 2).
Ocasionalmente, uma pequena lesão vascular no ligamento útero-sacro pode ser a
ponta de um grande nódulo retovaginal. A fibrose e a metaplasia muscular
associadas dão uma aparência esbranquiçada e amarelada, eventualmente com
descolorações hemorrágicas. A endometriose retovaginal franca será
diagnosticada na presença de doença fibrótica densa com obliteração do fundo de
saco. O envolvimento do reto pode ser identificado visualmente como um “reto
arredondado” indicando uma abaulamento redondo na parede retal no ponto de
aderência à região posterior do colo (Fig. 3) com a mobilização anterior
acentuada do útero. O envolvimento do reto estará ausente ou será superficial
se o reto estiver plano no ponto de aderência à região posterior do colo [18].
Figura 2: Visão laparoscópica da paciente com lesão vaginal na Fig. 1. Apesar do fundo de saco estar completamente obliterado, a aparência geral pode parecer inócua à primeira impressão |
- Algumas vezes, a presença de cistos ovarianos bilaterais que se juntam no meio da pelve, além das aderências peritubáreas densas com acotovelamento do retossigmoide ao fundo do útero e parede pélvica lateral esquerda, tornarão impossível uma inspeção visual inicial.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
Olá meninas do blog
ResponderExcluirCarol, não estou conseguindo falar com você no e-mail carolinesalazar7@gmail.com
Preciso de indicações de médicos/planos de saúde
Obrigada
Vi