terça-feira, 12 de julho de 2016

DAVID REDWINE: AVALIAÇÃO DA PACIENTE COM ENDOMETRIOSE - PARTE 2!

Na segunda parte do texto "Avaliação da Paciente com Endometriose (se você perdeu a parte 1leia aqui), o doutor David Redwine ressalta que é muito importante distinguir a dor da endometriose com as de outras doenças e até mesmo das dores causadas pelo útero durante a menstruação. O médico e cientista americano explica como deve ser feito o exame físico realizado pelo especialista e quais os locais/ órgãos mais importantes que ele deverá analisar para achar a endometriose, fala que ainda não existe nenhum exame de sangue específico para detectar a doença e ele explica também porque nem toda endometriose aparece nos exames de imagens, seja ele a ressonância magnética (RM) e ou o ultrassom e para que serve a preparação intestinal que muitas endomulheres precisam fazer para realizar a cirurgia. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar


                                                   Avaliação da Paciente com Endometriose - parte 2.

Endometriose vs outras causas de dor:

É importante tentar distinguir a dor da endometriose de outras causas de dor, especialmente aquela proveniente do útero. Isso pode ser difícil em algumas situações, pois as dores uterinas e as de endometriose podem coexistir, especialmente durante a menstruação. É importante tentar discriminar a causa da dor porque a dor uterina pode não responder à cirurgia da endometriose, e a dor da endometriose pode não responder à cirurgia uterina. Isso é parte da arte da medicina. Nessa arte, é importante lembrar que a dor uterina ocorre primariamente com as menstruações, apesar de alguns casos de adenomiose poderem causar dor ao longo do mês, mas com agravamento durante a menstruação. A dor uterina é frequentemente descrita como cólicas que podem parecer cólicas de parto e que parecem surgir da região suprapúbica. O útero é notável por irradiar dor para a região lombar baixa (através dos ligamentos útero-sacros), parte anterior das coxas (através dos ligamentos redondos) e umbigo (através das artérias umbilicais obliteradas ou úraco).
Exame físico:

A endometriose do umbigo é rara e será identificada como um inchaço doloroso menor que 1,5 cm de diâmetro localizado no interior do umbigo, geralmente na porção inferior (Figura 1). Pode haver uma coloração azulada / arroxeada devido ao acúmulo de sangue. Eventualmente, poderá ser notado sangramento ativo.


Figura 1. Endometriose do umbigo. Um pequeno nódulo hemorrágico está presente no quadrante inferior direito do umbigo.

Raramente existirá endometriose na vulva ou no colo uterino. Às vezes, o fórnice vaginal posterior será local de invasão de endometriose subjacente proveniente do ligamento útero-sacro ou do reto (Figura 2). Essa lesão pode passar despercebida a menos que o espéculo seja direcionado posteriormente e aberto de tal forma que o fórnice vaginal possa ser exposto. Tal endometriose vaginal deve trazer à mente a possibilidade de obliteração do fundo de saco e de envolvimento do reto.
         
Figura 2. Endometriose do fórnice vaginal posterior. Uma pinça dentada está tracionando superiormente o lábio posterior do colo. A mucosa vaginal adjacente à pinça é descamativa e espessada com mudanças hemorrágicas associadas. Essa apresentação da endometriose está comumente associada ao bloqueio do fundo de saco e à doença invasiva dos ligamentos útero-sacros.
O exame bimanual é realizado para verificar se existe aumento do útero ou dos ovários. Se o útero está na parte anterior da pelve, esse pode ser palpado entre os dedos das mãos interna e externa. É muito importante notar se o útero é doloroso à compressão e se isso reproduz qualquer componente da dor da paciente. Uma dor de origem uterina pode não responder ao tratamento da endometriose, mas pode responder à uma neurectomia pré-sacral se a paciente recusar a histerectomia.

O toque do fundo da vagina é a parte mais importante do exame na busca por evidência de endometriose, e é melhor realizado após o toque bimanual do útero e dos ovários. Essa parte do exame é realizada apenas com os dedos internos. A mão externa é posicionada atrás nas costas do examinador ou sobre a perna da paciente. O fundo de saco é palpado delicadamente enquanto o examinador observa a face da paciente, seguido por uma leve palpação de cada ligamento útero-sacro, novamente observando a reação da paciente. Normalmente, a endometriose nessas regiões será muito dolorosa, fazendo com que a paciente retraia ou até mesmo chore e se afaste na mesa. Será notada também a presença e o tamanho dos nódulos nessas regiões. Durante o exame retal, será feito um esforço para perceber se a mucosa deslizará sobre quaisquer nódulos, já que isso pode predizer a extensão da ressecção intestinal necessária. A paciente é solicitada a informar o quanto de sua dor é reproduzida pelo exame clínico e isso irá predizer o sucesso da cirurgia em aliviar a dor [4]. Em alguns casos de endometriose envolvendo a bexiga, poderá ser notado um nódulo anterior ao útero, ou a parede vaginal anterior poderá demonstrar nodulação e dor se o trígono vesical estiver envolvido. Alguns autores recomendam a realização do exame pélvico durante a menstruação, quando os nódulos e a dor podem estar aumentados [2,5].

A endometriose do trato intestinal alto e do diafragma existe sem sinais identificáveis ao exame físico.
Exames de laboratório e imagem:

Não há nenhum exame de sangue que seja específico para endometriose. O CA-125 pode estar normal ou aumentado com o câncer ovariano ou não ovariano [6], tumores ovarianos benignos, infecções, gestação molar ou miomas [7], aderências [8], adenomiose, endometriose, menstruação, ou diante de uma pelve normal [10].

O ultrassom transretal para o diagnóstico de nódulos retais [11] ou ressonância magnética pélvica (RM) para estudo dos nódulos vesicais são usados por alguns, mas tais exames parecem ser desnecessários pelos seguintes motivos. Os exames frequentemente serão normais. Os exames não tratam a dor da paciente. Um exame negativo na presença de sintomas sugestivos não elimina a necessidade de tratamento cirúrgico com preparo intestinal. Os resultados dos exames não mudam a maneira pela qual a cirurgia é realizada, e essa será determinada pelos achados durante a cirurgia; caso seja necessária algum tipo de ressecção intestinal, esta será realizada independente do resultado do exame. Os exames aumentam os custos e não há nenhum estudo randomizado que prove que sejam necessários para melhorar o resultado das cirurgias de endometriose. Os exames focam em si mesmos, ao invés de focarem nas pacientes. Enquanto os exames podem sugerir o envolvimento de determinado órgão que podem modificar a composição da equipe cirúrgica, a cirurgia da endometriose irá necessitar, por definição, de uma equipe multidisciplinar devido à sua capacidade em afetar múltiplos órgãos. Portanto, uma equipe que trata endometriose deverá ser capaz de tratar qualquer achado cirúrgico, independente ou não de exames pré-operatórios.
Os exames podem ser úteis para aquelas pacientes obesas que têm maior dificuldade para serem examinadas, ou para determinarem se existe miomas uterinos ou adenomiose, já que a presença de uma alteração uterina pode mudar as opções cirúrgicas apresentadas à paciente. Se a paciente tem sintomas uterinos e um exame com resultado alterado, a histerectomia pode ser útil.
Preparo intestinal antes da cirurgia:
O preparo intestinal pode ser útil para cirurgia de pacientes que tenham bloqueio de fundo de saco, já que muitas dessas pacientes necessitarão de algum tipo de cirurgia no reto [4]. As pacientes com doença intestinal já sabida deverão receber um preparo intestinal. Pacientes com doença ovariana conhecida ou suspeitada devem ser consideradas ao preparo intestinal já que existe um aumento na incidência de endometriose intestinal [14]. O preparo intestinal também deve ser considerado para pacientes com nódulos ao exame físico, o que indica uma doença invasora mais profunda com possível acometimento do reto, assim como para pacientes com sintomas clínicos sugestivos de envolvimento intestinal. Há várias medicações disponíveis de ação osmótica ou mecânica, com ou sem uso de antibióticos, e nenhuma dessas é necessariamente superior às outras.
O preparo intestinal não é isento de riscos. Durante a cirurgia, o intestino estará frequentemente cheio de líquido que pode extravasar e contaminar a pelve e o abdômen, causando uma pesada disseminação bacteriana (Figura 3) e risco de formação de abscesso pós-operatório. A combinação de antibióticos profiláticos com preparo mecânico pode resultar no crescimento de Clostridium difficile que causa febre de baixo grau, cólicas intestinais e diarreia aquosa. A bactéria pode ser diagnosticada por um teste para a toxina do Clostridium difficile   realizado em amostra de fezes, apesar de poder haver resultados falso negativos. O tratamento é feito com metronidazol ou vancomicina via oral.
Figura 3. Líquido esverdeado do preparo intestino extravasa do intestino durante uma ressecção do sigmoide, contaminando a pelve.

Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

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