Já colocamos no blog um texto de perguntas e respostas do doutor David Redwine com tudo que você precisa saber sobre a endometriose no diafragma, mas hoje tornamos a abordar o tema num texto direcionado aos sintomas, ao diagnóstico e ao tratamento. Toda endometriose no diafragma tem sintomas? Existe também a assintomática? Quais são os sintomas? Como o médico poderá suspeitar que a mulher tem endometriose diafragmática? Como é feito o tratamento deste tipo de endometriose? Mais um texto exclusivo do A Endometriose e Eu. Abril nosso mês de festa! Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Endometriose
Diafragmática: Sintomas, diagnóstico e tratamento.
Primeiramente
descrita por Brews em 1954 [1], a endometriose sintomática do diafragma é rara,
com menos de 30 casos relatados em toda a literatura médica mundial. A maior
parte desses casos está em duas séries [2,3]. O músculo diafragma direito está
acometido 27 vezes mais do que o esquerdo. A doença bilateral é rara, ocorrendo
em apenas dois de 28 casos. A idade das mulheres com endometriose sintomática
do diafragma varia de 19 a 43 anos, com uma idade média de 34 anos. Após o
início dos sintomas, pode haver uma demora de vários anos para o seu
diagnóstico.
Os
sintomas podem ser clássicos e consistem de dor ipsilateral (nota do tradutor: no mesmo lado)
no tórax e no ombro que surgem pela primeira vez durante as menstruações. Com o
passar do tempo, os sintomas podem iniciar antes da menstruação, sendo que
algumas pacientes têm sintomas leves crônicos que pioram fortemente antes e
durante as menstruações. A dor pode se irradiar para o pescoço ou os braços no
lado afetado e simular uma dor muscular. Quando a dor é mais severa, esta pode
ser perceptível com a respiração ou ao se deitar. Raramente, a paciente pode
ter que dormir sentada devido à dor e muitas limitarão suas atividades diárias
quando a dor estiver em seu pior grau. Calor, massagem e analgésicos são
utilizados em um esforço para aliviar a dor.
O
diagnóstico da endometriose diafragmática é suspeitado inicialmente pelos
sintomas, já que os exames de imagem serão negativos. Derrame pleural e
pneumotórax são raramente diagnosticados nessas pacientes [4]. A cirurgia é
necessária para confirmar a suspeita de doença diafragmática, e essa pode ser
feita por laparoscopia. É necessária a visualização de toda a superfície de
cada hemi-diafragma. Uma ótica de laparoscopia posicionada na cicatriz
umbilical poderá visualizar apenas a porção anterior do diafragma porque o
grande volume do fígado esconde a sua face posterior (Fig. 1). Enquanto
pequenas lesões “sentinelas” podem ser visíveis, a maior parte das lesões
sintomáticas estará localizada na metade posterior do diafragma [2]. O
diafragma esquerdo pode ser visto praticamente em toda sua extensão. A mesa cirúrgica
pode ser colocada na posição de Trendelenburg reversa (nota do tradutor: com a cabeça mais elevada que os pés)
para que o fígado seja deslocado do diafragma, mas ainda assim a metade
posterior do diafragma não será visualizada em todas as pacientes. A melhor
maneira de se ver a porção direita posterior do diafragma em sua totalidade é
colocando um trocater de 5-mm na região subcostal na linha clavicular média
(Fig. 2). Isso permite que um laparoscópio de 5-mm seja avançado bem mais
adiante sobre a cúpula do fígado do que um laparoscópio colocado na punção
umbilical, permitindo assim que todo o diafragma seja visualizado (Fig. 3). A
endometriose sintomática do diafragma ocorre como lesões nodulares únicas ou
agrupadas que chegam a medir 1,5 cm cada, estendendo-se por até 10 cm na
superfície do diafragma, geralmente paralela à parede torácica posterior.
Algumas lesões estarão aderidas à superfície hepática adjacente (Fig. 4).
|
Figura 1: O
hemi-diafragma direito e fígado são vistos com um laparoscópio de 10-mm
colocado na punção umbilical. As porções anterior e média do diafragma podem
ser vistas, mas o diafragma posterior não é visível |
|
Figura 2: Visão externa de um laparoscópio de 5-mm colocado inferiormente à margem costal direita para visualização do diafragma posterior
|
Figura 3: Visão laparoscópica demonstrando o quão mais longe um laparoscópio de 5-mm pode avançar pela incisão subcostal. Todo o diafragma pode ser visto
|
Figura 4. Endometriose do folheto direito do diafragma com adesões à superfície hepática
|
|
O
tratamento cirúrgico requer a realização de laparotomia para obtenção de
melhores resultados [2]*. As medicações têm sido ineficazes na maioria dos
casos onde foram utilizadas, e a castração pode não resolver todos os sintomas.
O
procedimento cirúrgico é simples. Se a doença for unilateral, faz-se uma
laparotomia subcostal no lado afetado. Se houver doença bilateral, faz-se uma
incisão mediana epigástrica. Utiliza-se um afastador na incisão, o fígado é
mobilizado inferiormente (Fig. 5), e secciona-se o ligamento falciforme. As
lesões superficiais podem ser removidas por ressecção de espessura parcial com
eletrocautério ou tesoura (Fig. 6). Como o diafragma tem apenas alguns
milímetros de espessura, e como os nódulos sintomáticos podem ocupar toda a
espessura do diafragma [2], a ressecção de espessura total poderá ser
necessária. Pinças longas de Allis são utilizadas para tracionarem o diafragma
doente e afastá-lo do pulmão subjacente (Fig. 7). Incisa-se o tecido entre as
pinças de Allis junto ao nódulo (Fig. 8), com eletrocautério ou tesoura. Então,
o diafragma sadio ao longo da lesão é incisado em ambos os lados (Fig. 9) até
que se penetre na espessura total do diafragma (Fig. 10), e o segmento do
diafragma doente seja ressecado (Fig. 11). Eventualmente, a lesão diafragmática
(Fig. 12) pode estar aderida ao pulmão subjacente (Fig. 13). Algumas vezes, são
necessárias áreas separadas de ressecção para lesões não contíguas (Fig. 14).
|
Figura
6: Algumas lesões superficiais do diafragma podem ser removidas por ressecções
de espessura parcial
|
Figura 7: A ressecção de espessura total do diafragma é necessária para o tratamento da doença sintomática. Um nódulo de endometriose é tracionado com uma pinça de Allis e puxado em direção à incisão abdominal enquanto a caneta do eletrocautério fica pronta para iniciar a dissecção
|
Figura 8: Utiliza-se eletrocirurgia para iniciar a ressecção adjacente ao nódulo. Note que um líquido achocolatado é pressionado para fora da lesão cística quando tracionada pela pinça de Allis
|
Figura 9: Com o diafragma fortemente tracionado em direção anterior, as lesões demonstradas à direita da figura podem ser isoladas por uma incisão circunjacente
|
Figura 10: A incisão rapidamente se torna de espessura total já que o diafragma é bastante fino. A base do pulmão direito é visualizada através do defeito
|
Figura 11: O pedaço do diafragma que contém uma parte da lesão endometriótica está quase completamente removido
|
Figura 12: A superfície pleural do diafragma pode ser examinada após a penetração em sua espessura total. Neovascularização hemorrágica e nódulos de endometriose são vistos no diafragma
|
Figura 13: A base do pulmão direito está aderida à superfície pleural do diafragma direito devido à inflamação causada pela endometriose em toda a espessura do músculo
|
Figura 14: Após a completa remoção da doença diafragmática por ressecção de espessura total, um ou mais defeitos terão sido criados
O laparoscópio pode ser avançado até o interior da cavidade torácica (Fig. 15) para pesquisar eventual endometriose torácica, a qual raramente irá coexistir com a endometriose diafragmática. Os defeitos no diafragma são fechados com uma sutura contínua de fio permanente (não absorvível). Antes que o último ponto seja fechado, coloca-se um cateter flexível no interior da cavidade torácica e o anestesista infla o pulmão ao máximo enquanto o cateter é removido e a sutura é fechada. Isso elimina a maior parte de qualquer pneumotórax. Radiografias do tórax não são necessárias no pós-operatório para a paciente assintomática, já que mostrarão um pequeno pneumotórax. A fluoroscopia pós-operatória da função diafragmática mostrou-se normal em duas pacientes [2], e parece que não há morbidade decorrente da ressecção diafragmática, especialmente considerando-se os graves sintomas presentes antes da cirurgia.
|
Figura 15: O laparoscópio pode ser avançado para dentro do tórax para a toracoscopia transdiafragmática. A superfície anterior do pulmão direito é vista no terço inferior da figura. A superfície parietal do hemitórax direito é vista na metade superior da figura. O vaso à direita é a artéria torácica interna, também conhecida como artéria mamária interna. Essa artéria é uma continuação da artéria epigástrica inferior que é bem conhecida dos cirurgiões pélvicos
O
alívio dos sintomas após a ressecção da endometriose diafragmática é de
praticamente 100% [2], e é muito mais efetiva que a vaporização a laser da
endometriose feita pela punção umbilical [3]. A menor resposta observada com a
vaporização a laser pode ocorrer devido à visualização incompleta das lesões
diafragmáticas, e à destruição incompleta. De fato, como 100% dos casos de
endometriose diafragmática em uma série foram de doença que acometiam toda a
espessura do músculo [2], a ablação térmica parece ser contraindicada.
* Por favor observem, desde que esse
artigo foi escrito e publicado, os avanços nas técnicas laparoscópicas agora
permitem frequentemente que os cirurgiões tratem a endometriose diafragmática
por laparoscopia ao invés de laparotomia. Esse artigo descreve a técnica de
ressecção de endometriose do diafragma por laparotomia. Se você estiver
vislumbrando cirurgia para remover doença diafragmática, por favor discuta as
opções com o seu cirurgião.
Nota
do Tradutor:
Talvez o principal fator relacionado à endometriose do diafragma é a sua
dificuldade diagnóstica. Na maior parte das vezes, o diagnóstico será feito
após um episódio súbito de pneumotórax (ar na cavidade pleural, que reveste os
pulmões) ou hemotórax (sangramento na cavidade pleural), quase sempre
associados ao período menstrual.
Este é mais um exemplo de como a
endometriose “não conhece fronteiras”, e que não pode ser considerada apenas
uma doença ginecológica. Caberá sempre
ao ginecologista suspeitar de sintomas atípicos que possam eventualmente ser
causados por endometriose, ainda que os sintomas não sejam ginecológicos.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Após a cirurgia, as dores acabam? Não entendi muito bem a conclusão.
ResponderExcluirSim, a remoção completa da endometriose do diafragma deverá curar as dores causadas por ela (dor à respiração, dor no ombro, etc). Cordial abraço.
ExcluirExiste algum exame que detecta a endo no diafragma? Pos no período menstrual as crises de asma e a falta de ar piora, porém como uso uma traqueostomia os laboratórios não fazem a Ressonância, e o meu médico está com medo de fazer a vídeo, porque vivo internada na UTI, intubada, tive varias paradas cardiorrespiratória, tenho insuficiência cardíaca e desenvolvi insuficiência aórtica e derrame do pericárdico, então ele disse que a video é arriscada. Tem outra maneira de se chegar ao diagnostico, ou só pela video? No meu caso, por conta de problemas respiratórios graves, a video é arriscada?
ResponderExcluiroi gostaria de saber se depois de retirar o útero posso ter ISO pois retirei o meu a endometriose voltou nos ovários?
ResponderExcluirolá, tenho diagnostico de endometriose desde 2001 já passei por várias cirurgias retirei o colo, útero, trompas,e ovário direito,tumores no músculo reto e na parede abdominal, mas ainda tenho o ovário esquerdo queria saber se corro risco de ter endometriose no diafragma? ultimamente durmo sentada pois engasgo muito, desde já agradeço.
ResponderExcluirDr Alysson Zanatta, fiz um US mês passado, com a presença de 3 cistos endometrioticos no ovário esquerdo.
ResponderExcluirRepeti o exame 4 semanas depois e consta que 1 dos cistos sumiu, outro regrediu de tamanho e outro aumentou.
Isso é comum na endometriose? Ainda vale a pena pensar em cirurgia?
Tenho Pavor de Cirurgias.........
ResponderExcluir