O A
Endometriose e Eu apresenta mais uma entrevista exclusiva com a
neurocientista Libby Hopton, que a conheci durante a 1ªJornada Internacional de Anatomia e
Tratamento Cirúrgico para Endometriose,
em São Paulo. Por ter formação como neurocientista, Libby começou a pesquisar e
a estudar sobre a doença, após ser diagnosticada, por encontrar a muitas
informações errôneas. Seu objetivo, assim como o nosso (de toda equipe do
blog), é passar o conhecimento
correto às endomulheres Foi muito bom tê-la conhecido e saber que há
pessoas que pensam como nós. Não podemos aceitar que ainda exista médicos que
falam que a dor é psicológica, não podemos aceitar que ainda haja especialista
que falem que a "endometriose é a doença da mulher moderna", não
podemos aceitar que médicos culpem as mulheres pelo retorno da doença.
Precisamos ser mais ativas e não aceitar os "rótulos" que colocam em
nós, portadoras de endometriose. Você sabia que a endo pode ser encontrada em fetos na mesma proporção e nos mesmos locais que nas mulheres adultas? Por isso, o A Endometriose e Eu,
além de ser o blog mais completo da doença idealizado por uma endomulher no
mundo, é o único que traz entrevistas exclusivas internacionais, com
informações corretas e de qualidade, o que faz parte da conduta profissional de
sua idealizadora promovendo a correta abordagem da endometriose e o jornalismo
sério e ético. Foi muito bom ter passado também algumas horas de lazer com
Libby em sua primeira visita ao Brasil. Espero revê-la em breve!! Leia também
as entrevistas exclusivas com o doutor David Redwine e com o doutor Charles Koh. Agradeço ao doutor Alysson Zanatta pela ajuda na entrevista in loco. Beijo carinhoso!! Caroline Salazar
Entrevista exclusiva concedida à
Caroline Salazar *proibida a reprodução sem autorização prévia da autora
Tradução:
Alexandre Vaz
Caroline Salazar: Como você conheceu o doutor David Redwine e como
isso ajudou a que você tomasse contato com outros médicos e pacientes?
Libby: Quando eu fui
diagnosticada com endometriose eu queria entender a doença. Então, comecei a
fazer pesquisas online e na literatura científica. Dei de cara com muita
informação contraditória, opiniões opostas e quase todos os aspectos dessa
doença, desde como ela surge na mulher até quais os tratamentos mais eficazes,
e se a doença pode ou não ser curada. Um dos médicos que surgiu nas minhas
pesquisas, e que evidenciou pela sua abordagem analítica à doença foi o doutor
Redwine. Eu fiquei confortada quando descobri o trabalho dele porque eu
conseguia entender a forma como ele pensava sobre a doença e ele colocava
muitas questões que me perseguiam, e para as quais eu não tinha conseguido
respostas. Algum
tempo depois eu descobri que existe uma comunidade online muito ativa de
portadoras e médicos nas redes sociais, tais como o Facebook e o Twitter. Eu
entrei em um grupo no Facebook do qual o doutor Redwine já fazia parte como
membro ativo e aproveitei a chance para debater com ele alguns dos meus
pensamentos que tinham resultado das minhas leituras. Na época ele estava
trabalhando no seu último livro: Googling Endometriosis: the lost centuries
(Pesquisando a endometriose: os séculos perdidos), a história detalhada da
endometriose, e vendo o meu interesse na doença ele me convidou para revisionar
os primeiros capítulos do livro. Eu fiquei muito grata por poder me envolver de
alguma forma, e no final acabei ajudando ele a editar o livro. Mais tarde,
quando ele se aposentou da sua prática clínica, ajudei-o a montar seu site, e
juntos fizemos uma pesquisa científica questionando sobre a existência de
endometriose microscópica invisível. Depois criei o EndoMetropolis e
consegui chegar junto a outros médicos e pacientes que estavam interessados em
debater todos os assuntos em torno da endometriose. Para as pacientes foi uma
forma de ficarem informadas sobre opções de tratamento e buscar as melhores
soluções. Para os médicos foi uma forma de chegar junto das pacientes,
partilhar a sua experiência e entrar em debates interessantes sobre a causa da
doença e quais as melhores abordagens para tratamento.
Caroline Salazar: O que você fala para as pacientes que chegam até
você, que estão com dor, mas que já escutaram que sua dor é normal e que está
tudo em seu psicológico. Neste caso, me refiro às pacientes cujos exames de
imagens sempre deram normais, e elas recebem como resposta que suas dores são
psicológica?
Libby: Para
começo eu aceito que a dor delas é real. Eu levo em conta o que elas me falam.
Claro que não sabemos se a dor se deve à endometriose ou não, mas eu informo
que a endometriose é a principal causa de dor pélvica, e que muitas mulheres
que têm dor por conta da endometriose lutam para conseguir um diagnóstico e
podem inicialmente ter a sua dor desvalorizada como sendo “psicológica”. É
possível ter resultados de exames normais e ainda ser portadora da doença. Por
exemplo: a imagem apenas poderá mostrar cistos ovarianos e em alguns casos,
doença profunda, mas não pode confirmar se a paciente possui endometriose
superficial. Por isso, um exame normal não exclui a doença. Eu também explico
para elas qual a diferença entre um exame bimanual (nota da editora:
exame de toque em que é feita palpação do útero, trompas e ovários) e um exame
vaginal digital, em que apenas é examinada a área posterior do útero. Esses
dois exames precisam ser realizados para perceber se a dor pélvica é uterina ou
não. Se o médico apenas realizar o exame de toque, o desconforto ao toque e
nódulos devido à endometriose podem passar despercebidos. Eu aconselho a
paciente a continuar procurando diagnósticos corretos, e se elas acharem que
não receberam a atenção devida, não desistam e busquem um médico que te escute,
que pegue seu histórico médico detalhado, que faça os exames necessários e, se
necessário, diagnóstico por laparoscopia. No grupo aceitamos a colocação
de fotos e registros médicos para que os médicos do grupo possam dar suas
opiniões – claro que isso não equivale ao aconselhamento médico realizado num consultório,
mas serve como conhecimento complementar. Por vezes, as pacientes são
submetidas a cirurgias e é lhes dito que não têm endometriose, quando na
verdade são portadoras da doença. Ou a sua pelve simplesmente não foi examinada
em detalhe para detectar anomalias nos tecidos. Nem todos os ginecologistas
estão capacitados para reconhecer a doença em todas as formas que ela se
apresenta, e, nesses casos, o diagnóstico pode ser errado. Em resumo, eu
digo às pacientes que continuem a buscar respostas, e, se sentirem que não
receberam os cuidados necessários do seu médico, não devem perder a esperança.
A sua dor é real e você deve procurar outra opinião. Defenda sempre aquilo que
você está sentindo e não permita que os outros te chamem de “louca” e não
aceite que falem que suas dores são psicológicas – muitas, milhares de mulheres
já escutaram isso, o que apenas faz demorar ainda mais o seu diagnóstico. Dor
pélvica, embora seja um problema comum nas mulheres, não é um sintoma
psicológico.
Caroline Salazar: Frequentemente vemos leigos e
até especialistas afirmando que a endometriose é “a doença da mulher moderna”.
Qual é a sua opinião sobre isso?
Libby: Bom,
isso depende um bocado de como você define o conceito de mulher moderna.
Caroline Salazar: No contexto em que é falada, a expressão se
refere à mulher que coloca a carreira antes da maternidade, que trabalham duro
e atrasam a formar sua família.
Libby: Existem, claro, mulheres de carreira com endometriose, mas também existem
adolescentes com endometriose, mães com endometriose, mulheres que já entraram
na menopausa com endometriose, e mulheres desde a antiguidade que, muito
provavelmente, eram portadoras de endometriose, baseado nos registros dos seus
sintomas e relatos clínicos. A endometriose pode afetar meninas e mulheres em
qualquer fase de suas vidas, independente de etnia e origem socioeconômica. A
visão de que essa doença está limitada a mulheres na casa dos 30 anos, ou na
idade reprodutiva, que deram prioridade à carreira em vez da maternidade é
tolice, e está dificultando o diagnóstico de pacientes e distorcendo a nossa
visão e compreensão sobre essa doença. Eu
acho que essa ideia errada muito provavelmente deriva da linha de pensamento em
que a menstruação retrógrada causa endometriose, e, portanto, quanto mais fluxo
menstrual a mulher tiver, maior a chance de ela desenvolver endometriose, além
de ainda desenvolver mais focos... mas se observarmos os fatos em torno da
doença, pacientes mais velhas não possuem mais focos nas suas pelves do que
outras mais novas, e uma gravidez anterior ao diagnóstico não é um fator de
proteção contra a endometriose. As teorias deveriam acomodar os fatos e não o contrário...
se uma teoria não explica adequadamente os fatos sobre uma doença, então, ela
não está certa, e precisa ser acertada para ajustar aos fatos, ou então,
descartada por completo se uma teoria concorrente providencia uma melhor
explicação.
Caroline Salazar: E o que
você acha da culpa colocada nas portadoras?
Libby: Eu
consigo entender porque os médicos ficam frustrados com essa doença. Essas
pacientes frequentemente não respondem bem às terapias médicas. Ainda não
existe terapia médica curativa. A cirurgia frequentemente é uma “questão de
sorte”, porque a maioria dos cirurgiões simplesmente não têm tempo, treinamento
e nem experiência suficientes para remover a doença totalmente, e se focos são
deixados para trás, ou apenas forem parcialmente tratados, essa cirurgia está
condenada ao fracasso. Cedo ou tarde a paciente irá voltar com os mesmos
sintomas e a pergunta que surge é “e agora?” Com o tempo, após muitos
tratamentos falhados, tanto o médico como a paciente acabam ficando frustrados
e o médico pode sentir a tentação de culpar a paciente em vez de reconhecer que
errou no tratamento do problema da sua paciente. Claro que essa doença e o
padrão de tratamentos falhados não é culpa da portadora e culpá-la apenas serve
para machucar ainda mais a mulher, deixando que ela se sinta isolada e sem
esperança. Essa doença é uma lição de humildade para todos os que estão
envolvidos. Obviamente, a abordagem mais aceita para os tratamentos precisa
mudar. Os médicos precisam informar as pacientes que não as conseguem tratar
cirurgicamente, e precisam existir mais meios para treinar médicos em cirurgia
laparoscópica avançada, para que se possa oferecer a remoção completa da
doença. Essa mudança não irá acontecer do dia para a noite, e necessita de
maior compensação por essas cirurgias complexas, maior reconhecimento da
especialização envolvida quando alguém se torna um especialista em excisão de
endometriose. Com certeza não deveríamos culpar a paciente, mas a culpa também
não fica apenas nas costas dos médicos. Os problemas que impedem as pacientes
de receberem os cuidados adequados são em parte devidos a falhas estruturais
institucionais, o papel das companhias de seguros (convênios médicos) que se
negam a compensar adequadamente a cirurgia para endometriose, e a falta de
investimento dos governos no que é uma doença debilitante muito comum que afeta
milhões de mulheres. Quanto às pacientes, nós precisamos nos manter
ativas, exigindo melhores cuidados e também nos representarmos a nós mesmas se
sentirmos que os médicos estão nos deixando na mão.
Caroline Salazar: Que
idade você tinha quando foi diagnosticada com endometriose e qual a sua
história pessoal?
Libby: Eu
tinha 26 anos quando recebi meu diagnóstico de endometriose. No meu caso, eu
fui o fator mais influente no atraso do diagnóstico porque eu não busquei ajuda
para os meus sintomas, e a doença apenas foi detectada quando eu fiz um exame
de rotina com um ginecologista. O médico por acaso fez um ultrassom e detectou
endometriomas grandes nos meus dois ovários e, imediatamente, suspeitou de
endometriose. Eu cometi o erro de achar que a dor pélvica era algo bastante
comum, normal. Então, ignorei esse sintoma e ia levando a minha vida. Afinal,
minha mãe tinha tido os mesmos sintomas, nunca tinha recebido qualquer
diagnóstico de doença e foi capaz de conceber filhos sem dificuldade. Eu,
simplesmente, achava que a dor era normal. Somente após a remoção bem sucedida
da doença, eu pude apreciar qual o impacto que esses sintomas tinham em mim
durante todos esses anos, e como eu deveria ter agido acerca disso muito antes.
Eu acabei tendo muita sorte já que a minha primeira cirurgia foi com um
especialista em endometriose. Assim que surgiu a suspeita de endometriose, eu
comecei a pesquisar sobre a doença e fui capaz de tomar decisões conscientes
sobre o que seria a melhor opção para mim. Mais tarde precisei de nova cirurgia
porque na primeira a doença não foi totalmente removida e desenvolvi várias
aderências pós-operatórias. Hoje, um ano após a minha última cirurgia, eu
continuo vivendo muito bem com 95% dos meus sintomas resolvidos. A moral dessa
história é que embora a dor pélvica seja comum, não é normal e deve ser levada
a sério. Se você tem dor pélvica, não a ignore. Existe ajuda e tratamento
disponíveis. Um diagnóstico precoce junto com tratamento é a melhor opção, e se
existir suspeita de endometriose, é muito importante encontrar um médico
especializado no tratamento cirúrgico dessa doença.
Caroline Salazar: Então,
quantos anos você sofreu com dor?
Libby: Desde os
meus 13 ou 14 anos, o que significa 12 ou 13 anos de dor, embora, eu nunca
tenha experimentado dor constantemente, e os sintomas tenham piorado um pouco
ao longo dos anos. Com 14 anos eu me lembro que pensava para mim mesma: se essa
dor não era simplesmente algo normal e parte da condição de ser mulher, seria
considerada como uma doença terrível. Como eu era ingênua...
Caroline Salazar: Qual o
conselho que pode dar às meninas e mulheres com dor pélvica, mas cujas mães
asseguram que essa dor é normal?
Libby: Dor
pélvica é comum, mas isso não faz com que seja normal. Quando o corpo dói, está
tentando comunicar algo importante para você – a dor é funcional ao alertar a
paciente de que algo não está certo, e que precisa da sua atenção. Se está
debilitada pela dor pélvica, se está interferindo com as suas atividades
diárias e com a sua qualidade de vida, isso não é normal e deve buscar um
médico que se interesse pelo seu caso, investigue a causa dessa dor e inicie um
tratamento. Você não precisa viver desse jeito, e existe ajuda. Por isso, por
favor leve os sintomas a sério e não permita que outros normalizem ou minimizem
a importância da sua dor.
Caroline Salazar: O que
está pesquisando atualmente?
Libby: Eu trabalho
como pesquisadora para o doutor Andrew Cook no Vital Health Institute em Los
Gatos, na Califórnia. O doutor Cook é um especialista em excisão de
endometriose e vêm monitorizando as suas pacientes faz mais de uma década. É
nossa esperança reavaliar a escala pela qual a a doença é medida, e potencialmente
desenvolver um novo sistema de avaliação não apenas baseado nas descobertas
cirúrgicas, mas também incluindo informação pré-operativa das pacientes para
ajudar a prever a complexidade cirúrgica e os resultados pós-operatórios. Ao aceder não apenas aos resultados das
cirurgias, mas, também, a várias variáveis pré-operativas, é nossa esperança
identificar e dimensionar os tratamentos em sub-grupos específicos de modo a
melhorar os resultados a longo termo e a ajudar pacientes a aceder aos cuidados
de saúde ótimos nas suas trajetórias de tratamento. É um projeto ambicioso, mas
eu acho que algo assim poderá revolucionar o futuro dos tratamentos de
endometriose.
Caroline Salazar: Como
pesquisadora, você tem algum contato com as pacientes?
Libby: Acabei de
me mudar da Holanda para a Califórnia. Agora, naturalmente, terei a chance de
trabalhar mais próximo das pacientes quando faço as pesquisas. Obviamente, não
sou médica, mas é importante que, se a pesquisa é para ser clinicamente
relevante, a distância entre ciência, médicos e pacientes deve ser
encurtada. Também
é muito importante que as mulheres estejam atentas aos estudos que estão sendo
feitos para que possam estar presentes, fomentando um sentimento de esperança e
envolvimento na comunidade da endometriose como um todo, e ajudar a melhorar os
resultados para as gerações futuras de mulheres, suas filhas e netas. Tendo a
possibilidade de contribuir na pesquisa de alguma forma pode dar um sentimento
de envolvimento e poder para pacientes que vêm sofrendo por muitos anos por
conta dessa doença debilitante.
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quinta-feira, 30 de outubro de 2014
MAIS UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA COM A NEUROCIENTISTA E ATIVISTA INGLESA LIBBY HOPTON!
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Incrível! Essa entrevista. Muito animador e gera uma esperança enorme, saber que pesquisas importantes estão sendo realizados para tratar essa doença.
ResponderExcluirEu a defino da seguinte forma,desde que ouvi um dos médicos com quem me consultei dizer: " Endometriose não mata, o câncer sim". Depois desse comentário, que me soou como se estivesse diminuindo o que eu estava e continuo sentindo, não disse no momento, mas, após sair do consultório, tentando equilibrar minhas emoções que ficaram abaladas na ocasião, fiz uma definição baseado no que tenho vivido a alguns anos. Que diz: "De fato a endometriose pode não matar como o câncer. Não na velocidade que o câncer mata. Porém, muitas portadoras de endometriose não conseguem ter vida, por conta das dores que em muitos casos, assim como o meu, são incapacitantes".
Muito boa.
ResponderExcluirAnimadora mesmo!!! Descobri que tinha essa doença a pouco tempo e isso nos ajuda e nos tira muitas duvidas!!!!!
ResponderExcluirOlá! Meu nome é Priscila Correa.
ResponderExcluirFui diagnóstica com adenomiose em fevereiro, quase morri de tanta dor,com quatro meses de hemorragia fiz uma curetagem,a médica me encaminhou para tirar o útero, com medo procurei uma especialista e hoje estou com 3 meses de gravidez, graças a Deus,foi muito sofrido,mais hoje estou aqui, ouvindo as batidinhas do coração do meu bebê. Ontem estava chorando por nunca poder engravidar e hoje estou chorando de felicidade. Espero dar esperança para várias mulheres que sofrem desta infeliz doença.
Agradeço à meus pais e marido por estar sempre ao meu lado.
Beijos a todas!