Acreditar
que a endometriose é causada pela menstruação significa tomar remédios
hormonais, ou suspender a menstruação, acreditando que estaríamos
˜tratando" a endometriose. Significa a mulher acreditar que ela é culpada
por ter endometriose, por ter postergado a maternidade ou por não ter tomado
medicações prescritas. E como mencionado pela doutora Phillipa "é uma ótima
justificativa para a persistência da doença mesmo após cirurgias e tratamentos de
longo prazo".
É hora de
refletirmos e avançarmos, para o benefício real de milhões de mulheres ao redor
do mundo que têm esta terrível doença chamada endometriose.
Por doutora Philippa Bridge-Cook
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Por quê a endometriose em fetos é importante?
Os médicos aceitam amplamente teorias imprecisas sobre
como e porque a endometriose se desenvolve, apesar das muitas evidências
contra. A aceitação dessas teorias leva à perpetuação de tratamentos médicos
que não funcionam. É importante entender a origem da endometriose para que se
possa mover adiante e desenvolver tratamentos efetivos para essa doença
devastadora.
Endometriose
e a Teoria de Sampson:
A endometriose é definida com a presença de um tecido
similar ao endométrio fora da cavidade uterina. Muitos médicos e a imprensa
leiga simplificam essa teoria ao dizerem que a endometriose ocorre quando o
revestimento do útero é encontrado fora da cavidade uterina. Entretanto, há
muitas publicações enumerando as várias diferenças entre o endométrio e as
lesões de endometriose que são encontradas fora do útero. As evidências dessas
diferenças datam de, pelo menos, 1981, ou possivelmente antes, e as pesquisas
sobre essas diferenças seguem em andamento. Entretanto, persiste a percepção comum que a endometriose é
simplesmente o endométrio fora do útero.
A teoria de Sampson é uma teoria proeminentemente citada
para explicar o surgimento da endometriose. Essa teoria sugere que a
menstruação retrógrada, o sangue menstrual que flui para trás (fora do útero)
através das trompas de Falópio em direção à cavidade pélvica, deposita
fragmentos de endométrio na pelve, que podem então se implantarem e crescerem
como lesões de endometriose.
Há vários problemas com essa teoria. Primeiro, não há
nenhuma evidência que células endometriais presentes no líquido peritoneal
possam aderir-se ao revestimento da pelve (o peritônio), e as células endometriais
não costumam estar presentes no líquido peritoneal. Também, como mencionado
anteriormente, há muitas diferenças entre o endométrio dentro do útero, e as
lesões de endometriose. Além disso, 90% das mulheres têm menstruação
retrógrada, mas apenas 10% têm endometriose. A teoria de Sampson não pode
explicar a presença de endometriose em fetos, o surgimento de endometriose
em homens (leia nossos dois textos de endometriose em homens - texto 1 e
texto 2), e garotas que têm sintomas no início da puberdade ou mesmo antes
da puberdade. E também não pode explicar a presença de endometriose em
áreas fora da pelve, como nos pulmões, no diafragma, na pele, dentre outros.
Teorias
alternativas da Endometriose – Um componente Fetal:
Teorias alternativas que se encaixam melhor às
evidências têm sido propostas, incluindo a metaplasia (transformação de um tipo
de célula em outro tipo de célula), defeitos do desenvolvimento embrionário
(também conhecida como Müllerianose), fatores genéticos e ambientais.
Entretanto, nenhuma teoria mostrou-se correta, e o mais provável é que uma
combinação de várias influências contribua para o desenvolvimento da
endometriose. A teoria da Müllerianose explica o desenvolvimento da endometriose
como um tecido endometrial que foi deslocado (ou “colocado” em local errado)
durante o desenvolvimento fetal (ainda no útero da mãe), e que mais tarde se
transforma em lesões de endometriose. A evidência para suportá-la vem do fato
de que a endometriose foi encontrada em fetos femininos com a mesma
incidência do que nas mulheres, em torno de 10%.
A
persistência da teoria de Sampson –
uma rede segura para o tratamento inadequado
Por quê a teoria de Sampson continuou a ser tão
persistente apesar de todas evidências contrárias? Primeiro, nenhuma teoria alternativa
foi suficientemente comprovada para sobrepô-la, apesar que certamente há
evidências contrárias suficientes que precisam ser derrubadas. Segundo, muitos
médicos que tratam a endometriose não se especializam na doença, e a ciência
por trás da sua origem é provavelmente algo que eles não tenham muito
interesse.
É devastador para as pacientes com endometriose que a
teoria de Sampson continue a ser aceita apesar das evidências contrárias. Ela
dá aos ginecologistas um motivo para não se esforçarem para realizarem uma
remoção completa da endometriose de todos os órgãos, porque não há nenhuma
justificativa em se remover toda a doença já que ela irá se reimplantar na
próxima menstruação. A teoria de Sampson justifica as altas taxas de
recorrência observadas com cirurgiões que não se especializam em tratar a
endometriose.
Entretanto, cirurgiões que se especializam na ressecção
da endometriose, que removem toda a doença cuidadosamente, têm demonstrado
que é possível obter baixas taxas de recorrência após uma ressecção completa.
Isso requer não apenas o conhecimento de todas as aparências visuais possíveis
da endometriose, mas também a habilidade cirúrgica para ressecar a doença de
muitas áreas que os ginecologistas não conseguem, como a bexiga, o ureter, o intestino,
ou o diafragma, por exemplo.
A
teoria de Sampson e medicações que
previnem a menstruação:
A teoria de Sampson fornece às companhias farmacêuticas
um excelente motivo para convencer os médicos a prescreverem medicações que previnem
a menstruação. Se a teoria de Sampson está correta, então, qualquer medicação
hormonal que interrompa a menstruação tratará a endometriose. Muitas drogas que
estão no mercado podem interromper a menstruação – Lupron e drogas
similares, induzindo um estado de menopausa, e pílulas anticoncepcionais,
usadas continuamente. Entretanto, como esperado, já que a teoria de Sampson não
está correta, essas medicações nunca curaram a endometriose. Algumas pacientes
podem ter uma melhora temporária dos sintomas, especialmente, quando os
sintomas são relacionados ao período menstrual, mas as medicações hormonais não
tratam a doença subjacente.
A importância
da origem da doença:
Mesmo que possa parecer arcaico debater as origens da
doença, e irrelevante à maioria das pacientes com endometriose, o debate é
altamente relevante porque está ligado ao tratamento inadequado e ineficaz que
muitas mulheres com endometriose recebem. Para que realmente haja progresso e
se mova adiante na maneira como a endometriose é tratada, deverá ocorrer um
reconhecimento amplo de que a teoria de Sampson é mortalmente falha. Se a
endometriose está presente no feto, como já foi comprovado por alguns
cientistas, então, ela é uma doença completamente diferente de menstruação
retrógrada. O entendimento é importante para melhores opções de tratamento.
Fonte: Hormones Matter
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
Como é importante ler artigos como esse! Espero que nossos médicos também leiam e se interessem pelo estudo da doença. É um absurdo ouvir os médicos dizerem na tv ou em seus consultórios que é só bloquear a menstruação que ficará tudo bem, fico revoltada!!! Obrigada por compartilhar!!!
ResponderExcluirlá Silvana Serraras. Infelizmente a esperança de mais médicos se interessarem pela doença de uma forma rigorosa é pequena e a maior chance poderá chegar em 1 ou 2 gerações, quando alguns dos filhos das portadoras se formarem como médicos. Apenas o sofrimento de alguém tão importante como a mãe move esforços, derruba egos e dá a coragem para enfrentar o que está estabelecido como norma, ainda que não funcione.
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