segunda-feira, 28 de março de 2016

"A VIDA DE UM ENDOMARIDO": O AVANÇO DA ENDOMARCHA TIME BRASIL E A IGNORÂNCIA QUANTO À DOR MENSTRUAL!

Alexandre Vaz, nosso endomarido, à esquerda, e o cientista inglês Matthwe Rosser, à direita - Foto: arquivo pessoal


Em “A Vida de um EndoMarido”, nosso endomarido Alexandre discorre a respeito da EndoMarcha 2016 e também sobre o que trabalho voluntário que ele faz comigo no A Endometriose e Eu há pouco mais de 3 anos. Parece que foi ontem que conheci o Alex (é assim como o chamo) e que começamos a trabalhar juntos, mesmo sem nunca ter visto um ao outro ao vivo e a cores. Ele entrou de cabeça num projeto meu de trabalho social e fico feliz quando escuto dele, que ele gosta e se sente bem sobre o trabalho no blog. Falo que ele é meu braço direito, mesmo morando em outro país e tendo um oceano entre nós. Tanto que ele acompanha de perto a evolução das voluntárias que estão chegando à equipe EndoMarcha Time Brasil e está muito feliz com o progresso da EndoMarcha 2016. Foi um sucesso e fizemos bonito e, em 2017, será ainda mais lindo. Ainda temos muito trabalho pela frente, quando o assunto é a ignorância das pessoas quanto à dor menstrual. Não, não é normal sentir cólicas, em especial, as incapacitantes. Agora a palavra é do Alexandre, que celebra conosco as conquistas que estamos tendo tanto na marcha, no blog, quanto nas voluntárias que estão chegando para em breve termos a EndoMarcha em todos os estados brasileiros. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

OBS: Não podemos esquecer que graças à EndoMarcha 2014 conseguimos a primeira lei de conscientização sobre a endometriose no Brasil, na cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Graças a ela, teremos a mesma lei de Semana Municipal de Conscientização e Enfrentamento à Endometriose em outras cidades. Leia a matéria sobre a Lei 7.713/14 de Campo Grande.

3ª Edição da EndoMarcha – Registrando progresso a cada ano que passa e ainda a ignorância das pessoas sobre a doença

Tenho estado afastado por esses tempos, sem postar nada devido a mudanças importantes na minha vida pessoal, mas continuo seguindo os avanços e as preocupações da comunidade internacional das portadoras de endometriose.

Comemorando a 3ª edição da EndoMarcha resolvi escrever esse texto, um resumo desses anos em que tenho estado envolvido na questão da endometriose, começando por um episódio que aconteceu comigo faz uns dias. Comentei com umas moças que existe essa coisa de endometriose, uma questão bem grave que afeta milhões de mulheres no mundo inteiro. Uma natural da Nigéria e a outra da Bulgária. As reações não poderiam ter sido mais diferentes. A nigeriana ficou muito curiosa e mostrou alguma preocupação, inclusive, falando que iria pesquisar sobre o assunto. A búlgara não achou ser nada demais, afinal toda mulher que ela conhece tem dor causada por cólica menstrual. E se você tem dor, toma um analgésico e continua com a sua vida.


Percebi que não iria ter tempo suficiente para explicar em detalhes o que é endometriose e também que a postura dela seria sempre de descrédito, então não insisti. Aproveito para referir que a nacionalidade delas não tem nada que ver com o caso, são apenas pessoas, o único motivo pelo qual refiro isso é apenas para demonstrar que elas são de culturas bem distintas e de regiões bem afastadas no mundo.

Mas vamos explorar em detalhe a reação da moça búlgara usando como exemplo para uma reação típica; as pessoas estão acostumadas com a ideia de que dor menstrual é normal, logo não tem nada de mais. Coloquemos uma questão: é normal ter dor no pé, ou dor de dente? Qualquer pessoa que tenha uma dor assim irá falar que não, e procura um médico, certo? Então por que continuar falando que dor menstrual é normal? Até mesmo porque se você perguntar para um médico se dor é normal ele irá lhe falar que não, mas se você especificar que é cólica menstrual provavelmente irá falar que sim. Em que ficamos? Afinal de contas sentir dor é normal?

Muitas pessoas reagem com incredulidade sobre os relatos de dor extrema relacionados com a endometriose, e alguns são profissionais de saúde, o que frustra imensamente as portadoras que vão ao médico buscando explicações e soluções para o que está acontecendo com elas. Alguns casos se revestem de tal desespero, que muitas portadoras acabam se suicidando por falta de quem acredite nelas, não apenas os profissionais de saúde que encontram, mas também amigos, parentes e companheiros. O fato de a portadora não conseguir prever quando vai estar bem o suficiente para poder comparecer socialmente, e com frequência ter de desmarcar ou nem conseguir fazê-lo, por estar dopada com analgésicos fortes, cria um afastamento natural e a vida social vai para o brejo.

Essas portadoras olham a sua volta e não encontram ninguém para apoiá-las. Elas se acham totalmente sozinhas no mundo, e quando tem alguém falando com elas, geralmente, estão criticando. Falam que elas são preguiçosas, que não aguentam nem uma dorzinha menstrual boba, que está tudo na cabeça delas. Elas também são acusadas de serem tóxico-dependentes, de irem ao médico para buscarem drogas, dentre outros impropérios. Será que é por isso que a mulher é referida como o sexo frágil? Olha, eu não queria ter de enfrentar nem metade do que a minha esposa já aguentou. Não me considerando fraco, eu acho que ela é uma lutadora fantástica.

No trabalho conjunto que a Caroline e eu temos feito, lidando com vários especialistas, inclusive, entrevistando alguns deles e postando aqui no blog, todos eles afirmam que dor menstrual não é normal. Um desconforto é considerado aceitável, uma dor que passa com um analgésico comum não revela grandes preocupações, mas mais do que isso é caso para suspeitar de alguma anomalidade. Então, é importante ir ao médico, do mesmo jeito que é importante ir ao dentista quando você sente dor de dente. Esperar que passe todo mundo sabe que não funciona. Se o dente está com um problema, quanto mais tempo você espera, mais grave será o caso, mais dor você irá sentir e os períodos entre dor serão cada vez mais curtos até o ponto em que a dor simplesmente não dá tréguas e te impede de concentrar seja no que for: descansar, dormir e até mesmo de ter a sua vida normal.

A diferença é que é muito mais simples tratar um dente, no seu limite você poderá extraí-lo. Vai ficar com um janelão na boca, mas a dor causada por esse dente não existirá mais. Você eliminou a causa e, com isso, eliminou os sintomas. Mas nesse caso o limite teve de passar pela extração. Com a endometriose é semelhante - mais uma vez, essas são conclusões minhas de acordo com o que leio e pela minha experiência pessoal junto de minha esposa -, mas ela só será eliminada por meio de remoção física dos focos por cirurgia. A medicação ajuda a controlar os sintomas, mas não resolve a doença em si, pelo menos o que tenho visto até hoje. Todas as abordagens que tenho observado procuram controlar os sintomas por meio de regulação hormonal, o que é bom, mas seria como equilibrar a infecção do dente careado e controlar a dor sem obturar e eliminar a causa do problema. Sem fazer isso, o problema se manterá para sempre. O dente se deteriora cada vez mais enquanto o paciente passa a vida se entupindo de analgésicos e antibióticos. Não é a forma mais inteligente de abordar o problema, creio que todos concordarão.

Agora vem outra questão muito importante: como custear a cirurgia e encontrar um bom cirurgião que saiba de fato o que está fazendo? Sobre a questão dos cirurgiões são os relatos das portadoras que foram operadas que nos fazem ter a confiança para indicar um ou outro profissional. Não nos baseamos na fama que têm na praça. Apenas os relatos do pós-operatório nos interessam, e apenas com médias elevadas de portadoras satisfeitas nos fazem acreditar que estamos perante um bom profissional.

Na questão do dinheiro, ele não cai do céu, e se caísse não valeria nada. Mesmo que tivéssemos alguns milionários bancando as despesas para operar as portadoras que não têm condição de pagar, isso não seria suficiente e não resolveria o problema. Porque num universo de 200 milhões de portadoras (a mais recente estimativa a que tive acesso), ninguém tem dinheiro para tratar todas, e pior que isso, tem lugares no mundo onde não existem sequer médicos especializados em endometriose nem as infraestruturas necessárias para realizar as cirurgias. No Brasil não é exatamente assim pelo que me é dado a entender. Existem bons profissionais, existem técnicas, equipamentos, apenas a população no geral é carente demais para aceder aos excelentes cuidados disponíveis que o dinheiro pode comprar.

Convênio é bom, mas nem todas conseguem pagar. Muitas pessoas precisam escolher entre comer ou comprar remédio. Não deveria ser desse jeito. Todos nós temos o direito à dignidade, aos cuidados de saúde, à educação. E precisamos mostrar que não estamos de braços caídos, permitindo que os direitos garantidos pela constituição não valham o papel em que foram escritos.

As entidades certas para custear os tratamentos são os Estados. Os cidadãos pagam impostos para poderem aceder aos serviços necessários. Não é um favor que estão nos fazendo, é o nosso direito social que nós pagamos com grande sacrificio. Ninguém vai fazer uma cirurgia abdominal porque está na moda ou porque bateu vontade. Não estamos falando de cirurgia estética porque a pessoa tem preguiça de ir à academia para eliminar umas gordurinhas (diferente de casos de obesidade grave que precisa passar por cirurgia). Esse é um problema grave, que sequestra a vida de quem sofre com ele, tanto as portadoras quanto quem as ama e permanece do lado, ajudando, dando força e, por vezes, chorando pelos cantos para não ser na frente da esposa, já que precisa mesmo é de sorrisos, abraços, beijos e segurança. E com isso, um abraço para todos os companheiros de portadoras do mundo inteiro que não abrem mão de quem é tudo para eles. Muita força pessoal, eu sei o quanto dói no coração não estar na nossa mão resolver o problema de quem amamos. Socialmente o papel do homem é proteger e cuidar da família e essa doença ultrapassa tudo o que deveríamos conseguir fazer, nos colocando de joelhos perante tamanho desafio.


Dou os meus parabéns às organizações das nove cidades brasileiras que esse ano participaram da EndoMarcha 2016. Isso representou um importante avanço na saída para as ruas, dando conhecimento de um problema que tem vivido isolado atrás da porta de cada casa faz muito tempo. O crescimento das participações mostra que estamos trabalhando no rumo certo. A participação física é muito importante e está crescendo. Para todos os que puderem se manter junto da organização e para os novos membros, temos muito trabalho pela frente para 2017. O nosso objetivo desde o início é uma marcha em cada Estado do Brasil, mesmo os mais carenciados. Para nós qualquer portadora tem a mesma importância, seja ela de classe social elevada ou as mais baixas. Cada vida conta, e nós estamos lutando por todas. Que ninguém fique para trás.

De memória deve fazer mais de três anos que estou trabalhando ativamente em prol de quem sofre com a endometriose, e jamais quis protagonismo. Espero apenas que o que tenho feito tenha tido algum impacto positivo em quem lê o blog e nada quero para mim, exceto a alegria de saber que aos poucos algumas famílias vão encontrando a paz que tanto desejam. Hoje, porém, será diferente.

Em novembro passado viajei para Manchester para me encontrar com Matthew Rosser (nota da editora: cientista e nosso colaborador voluntário inglês), de quem aos poucos fui ficando amigo. Falamos sobre o trabalho de cada um, e embora o trabalho dele seja muito mais direcionado para soluções práticas, foi muito bom escutar da parte dele que o trabalho do Time Brasil é muito importante.

Para quem não sabe,  o Matthew é um cientista que está buscando uma forma de diagnóstico da endometriose através de análise de sangue, de urina ou de algum outro fluido corporal, e conhece muito bem o que é a endometriose, pois tanto sua mãe como sua esposa são portadoras. Fiquei até sem jeito e agradeci em nome de todos os voluntários do blog e também os que já foram e por um motivo qualquer tiveram de abandonar.

Estava um gelo de bater o dente, e o louco do Matthew de camiseta. Vê se pode. Eu estaria usando as cobertas da cama se achasse que não iria tropeçar e quebrar meus dentes.

Então para vocês, um abraço muito especial meu e do Matthew. Fica aqui um registro fotográfico desse encontro de dois caras malucos o suficiente para acreditar que um dia vai surgir uma solução, e que vale a pena batalhar por ela. Juntos pela luta contra a endometriose. Venha se juntar a nós, todos unidos nunca seremos demais. 

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