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Já falamos sobre o tema "Endometriose em adolescentes", na coluna do cientista inglês Matthew Rosser, e agora
voltamos ao assunto na do doutor David Redwine. Aqui o cientista americano
relata casos da literatura científica, onde a mais nova tinha 10 anos e meio e a
mais velho 78 anos. Infelizmente, a endometriose independe da idade da mulher. O que precisa existir são médicos mais capacitados a
diagnosticarem a doença o mais breve possível para acabar com o sofrimento de
milhões de meninas e mulheres no mundo todo. A atenção dos pais, em especial,
das mães é muito importante para ajudar a ver que há algo de errado no corpo da
filha. Já falamos aqui na coluna do doutor Redwine sobre a evolução da cor da endometriose relacionada à idade. Por isso o conhecimento do especialista e o olho
bem treinado é muito importante para eliminar todos os focos numa cirurgia. Beijo
carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Endometriose
em adolescentes
A
endometriose é uma doença com oportunidades iguais a todos,
afetando mulheres de todas as idades. A paciente mais jovem relatada
na literatura tinha 10 anos e meio, com apenas dois ciclos menstruais
prévios. A mais velha tinha 78.
Sintomas
Desde
1978, eu operei mais de 3000 mulheres com endometriose, sendo
aproximadamente 100 delas com menos de 20 anos. Minha paciente mais
jovem tinha 13 anos. As adolescentes com endometriose geralmente
tinham dores desde os primeiros ciclos menstruais, apesar que algumas
têm dor após alguns anos. O termo médico para menstruações
dolorosas é dismenorreia, o que significa ciclos menstruais
difíceis.
Muitas
pessoas naturalmente entendem a dismenorreia como uma cólica
uterina. Isso pode ser verdade, mas um questionamento mais atento
mostra que pode haver outros tipos de dor durante o fluxo.
Por
exemplo, algumas pacientes têm dores que se iniciam até duas
semanas antes do início do fluxo menstrual. Essa dor pode ser aguda,
em queimação, ou pode parecer uma cólica mesmo antes do fluxo.
Essa dor pode aumentar com a proximidade do ciclo, mas a paciente
pode conseguir controlá-la com sucesso com analgésicos, e portanto
ela não ser percebida.
Essa
mesma dor pode aumentar drasticamente com o surgimento do fluxo
menstrual, resultando em absenteísmo da escola, do trabalho, ou de
outras atividades. Enquanto possa haver cólicas uterinas severas
sobrepostas a esse tipo de dor, as cólicas podem não ser o único
componente da dor.
Como
a paciente pode estar tão doente durante o fluxo, a dor que a levou
a ficar dessa maneira pode parecer trivial quando comparada. Assim,
as mães, professores e amigos dizem frequentemente às adolescentes
que, “Isso faz parte de ser mulher” ou “são apenas cólicas de
menstruação”. Esse reforço de que tudo está bem pode levar a um
atraso de vários anos até o diagnóstico de endometriose.
Com
o início da vida sexual, elas podem perceber que as relações
sexuais são dolorosas porque o local mais comum de ocorrência da
endometriose é o fundo de saco de Douglas, que está no fundo da
vagina atrás do colo do útero. A doença no fundo de saco pode
gerar dor com os movimentos intestinais particularmente durante o
fluxo menstrual, já que a passagem das fezes no reto adjacente pode
arranhar áreas dolorosas com doença no fundo de saco ou ligamentos
útero-sacros.
Algumas
vezes a paciente pode perceber dores enquanto se senta, já que o
tecido mole do glúteo é empurrado para cima em direção ao fundo
de saco. Se a paciente tem um cisto de endometrioma no ovário, pode
haver uma dor distinta naquele lado acometido, às vezes com
irradiação da dor para o flanco ou abaixo na perna.
Avaliação
Médica
Uma
questão difícil para os pais de adolescentes que sofrem com dor
pélvica é o que fazer a respeito, já que muitos não querem se
exceder se “isso é apenas cólica menstrual”. O primeiro passo é
perceber que se uma adolescente estiver perdendo dias de escola ou
atividades diárias devido à dor, isso não é normal e, portanto,
uma ajuda médica deve ser procurada. Se a adolescente ainda estiver
sendo vista por um pediatra, essa seria uma escolha inicial
aceitável, apesar que os pediatras podem não ter muita experiência
com dor pélvica e eventualmente se sentirem desconfortáveis em
realizar um exame ginecológico. Pode ser que seja melhor uma
consulta com um ginecologista, apesar que nem todos os ginecologistas
são igualmente habilidosos em diagnosticar e tratar a endometriose;
muitos ginecologistas e obstetras concentram suas atividades no
atendimento obstétrico ao invés do ginecológico.
A
consulta médica deve incluir um exame ginecológico ou retal, apesar
que este nem sempre ocorre. Há uma grande variação entre os
médicos nos tipos de exames realizados. Os diferentes resultados dos
exames físicos feitos na mesma paciente podem ser devidos a:
-
variação no tamanho dos dedos (médicos com dedos curtos não conseguem atingir o fundo de saco);
-
gentileza (nem todos os médicos realizam os exames com gentileza);
-
experiência (nem todos os médicos sabem as áreas que devem palpar);
-
expectativas sobre o que será encontrado (alguns médicos não querem encontrar nada, enquanto outros esperam encontrar infecções pélvicas);
-
expectativa de reação de uma paciente jovem ao exame (a dor pélvica durante o exame pode ser interpretada como uma resposta vergonhosa normal durante seu primeiro exame).
A
endometriose se inicia como ilhas planas de várias cores sobre a
superfície pélvica, portanto ela não será identificada à
ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância
magnética pélvica. Os exames de bário do intestino geralmente são
normais, assim como os testes de sangue. A paciente pode ser
trivializada devido aos resultados normais dos exames. Isso poderia
levar a uma demora no diagnóstico, já que nada parece estar errado
além de “apenas cólicas” e o médico pode hesitar em recomendar
cirurgia sem nenhuma causa óbvia a se procurar.
Infelizmente,
a cirurgia é geralmente a única maneira de certificar-se do
diagnóstico. Felizmente, a decisão em se realizar a cirurgia é
fácil de ser tomada: se uma paciente estiver deixando de fazer suas
atividades diárias devido à dor que não responde ao tratamento com
medicações, ou se uma paciente estiver tomando analgésicos
opioides (nota
do tradutor:
que contém derivados da morfina)
para controlar a dor, então a cirurgia é necessária.
Qual
é o tratamento?
A
palavra “tratamento” pode ser interpretada de diferentes maneiras
por diferentes médicos. Eu penso “tratamento” como algo que
erradica a causa da doença, como antibióticos que matam as
bactérias que estejam causando uma infecção urinária. Outros
acham que tratamento é fazer qualquer coisa para a doença, não
importando se a erradicada ou não.
Alguns
médicos acreditam que não fazer nada é um tratamento. Pensa-se que
assegurar a paciente em dizer que “tudo é normal” será
suficiente para que esta lide com sua dor. A pergunta óbvia que se
perde com essa estratégia é “Por que a paciente, e frequentemente
seus pais, arranjam tempo para se ausentar de seu trabalho ou escola
e vir ao médico devido à dor incapacitante? Apenas para perder
tempo?”
Eu
não acho que o negligenciamento benigno seja uma boa estratégia.
Anti-inflamatórios não-esteroides (como ibuprofeno, naproxeno,
piroxicam, etc.) podem ser prescritos e podem ajudar de alguma forma
algumas pacientes. Remédios opioides (como hidrocodona, oxycontin,
tylenol com codeína, tylenol com oxycontin) podem ser necessários
para dor severa, e deveriam levantar o alerta vermelho aos pais,
pacientes e médicos, porque claramente não é normal para qualquer
pessoa tomar opioides, particularmente adolescentes que deveriam ser
relativamente sem doenças.
Culpando
as doenças sexualmente transmissíveis
Nas
faculdades, muitos médicos são ensinados que as doenças
sexualmente transmissíveis (DST`s – doença sexualmente
transmissíveis) são descontroladas devido a mulheres sexualmente
promíscuas. Esse é claramente um ponto de vista simplista e
machista, porém geralmente presente na avaliação inicial da dor
pélvica. Mesmo quando uma adolescente relata ser virgem, ela pode
ser submetida a testes e tratamentos antibióticos para supostas
DST`s. Algumas vezes a paciente pode ser hospitalizada para receber
antibiótico intravenoso.
Como
a dor severa geralmente cede após algum tempo, conclui-se que a
paciente esteja respondendo às medicações e que ela realmente
tinha uma DST apesar de exames de cultura darem negativos. Algumas
pacientes passam por repetidos esquemas de tratamento com
antibióticos até que DST`s sejam descartadas como causa da dor.
Frequentemente
são prescritas as pílulas anticoncepcionais. Apesar delas poderem
ser úteis no controle dos sintomas de algumas pacientes, não há
nenhum remédio que erradique a endometriose.
Tratamento
antes do diagnóstico?
Um
laboratório farmacêutico, o fabricante do Lupron (nota
do tradutor:
medicação da classe dos análogos do GnRH, assim como o Zoladex),
trabalhou durante vários anos para introduzir um novo paradigma no
tratamento da endometriose: o tratamento da endometriose com injeções
de Lupron sem um diagnóstico cirúrgico preciso. Houve até mesmo o
pagamento de uma monografia colorida que foi enviada a todos os
ginecologistas na qual vários “experts” em endometriose
sustentavam que a laparoscopia é inútil no diagnóstico e
tratamento da endometriose porque ela é feita de forma tão ruim.
Enquanto a laparoscopia para o diagnóstico da endometriose possa nem
sempre ser bem feita, deveríamos condenar um método comprovado
porque alguns não tem a habilidade de realizá-la ou a experiência
para usá-la efetivamente? Não faria mais sentido melhorar o
conhecimento e as habilidades necessárias para sua realização,
independente do método?
A
conclusão condenando a laparoscopia poderia ser também vista como
algo de ajuda própria. Tratar toda mulher com dor pélvica com algum
remédio em particular seria certamente lucrativo ao fabricante. Além
do mais, essa abordagem levaria a um atraso no diagnóstico da
endometriose ou alguma outra real causa de dor pélvica.
Apesar
de ser afirmado que a redução da dor sob uso do Lupron prova que a
paciente tem endometriose, isso certamente não é o caso. Qualquer
doença estrogênio-dependente pode melhorar com o tratamento do
Lupron, incluindo miomas uterinos, adenomiose uterina, dismenorreia
(já que os fluxos menstruais são interrompidos), dor da ovulação
(já que a paciente não ovula sob uso do Lupron), causas
desconhecidas de dor pélvica, e endometriose. Portanto a resposta da
dor ao Lupron estreita as possibilidades diagnósticas a cinco ou
seis causas.
Enquanto
o alívio dos sintomas podem ser muito bem-vindos, deve-se lembrar
que as medicações muitas vezes tratam os sintomas, e não a doença,
como é neste caso. Nenhum remédio erradica a endometriose. Quando o
efeito do remédio se acaba, muitas mulheres terão recorrência da
dor em curto espaço de tempo após o retorno das menstruações.
Excisão
da endometriose
Como
os remédios tratam apenas os sintomas, a cirurgia é o único
tratamento para a endometriose. A questão que surge então é: “Qual
o melhor tratamento cirúrgico?”. A resposta é simples: aquele que
erradica consistentemente toda a doença em todas as pacientes. Eu
acho que a excisão da endometriose é a que mais chega perto de
atingir esse objetivo. Enquanto a vaporização a laser e a
cauterização têm algum potencial de destruir a doença
superficial, a doença profunda pode escapar de ser destruída, e o
cirurgião pode ter receio de cauterizar sobre estruturas vitais.
Resultados
dos tratamentos
O
mecanismo de origem da endometriose pode afetar o tratamento
cirúrgico. A endometriose é possivelmente causada por metaplasia
(nota
do tradutor:
transformação de um tipo celular em outro)
de células embrionárias. Isso significa que há certos locais na
pelve onde foram depositadas células embrionárias que se
transformarão em endometriose sob estímulo do estrogênio após a
puberdade. Esses tecidos existem não apenas nas superfícies
peritoneal, mas também como um substrato abaixo da superfície.
Esses
tecidos começam a formar endometriose durante a adolescência,
terminando antes dos 30 anos. Portanto, a endometriose em
adolescentes é uma doença mais precoce que pode ser superficial, e
mais fácil de ser removida. Ela também pode ter aparência sutil, e
pode então passar despercebida mais facilmente se o cirurgião não
souber todas as possíveis aparências da doença.
Além
disso, pode ser que nem toda a doença tenha se formado quando uma
adolescente passa por cirurgia. Baseado em minha experiência
cumulativa desde 1978, as adolescentes têm em média 2,9 áreas
pélvicas e 0,13 áreas intestinais acometidas pela doença, em
comparação a 3,6 áreas pélvicas e 0,41 áreas intestinais em
mulheres acima dos 20 anos de idade. Isso significa que nem toda a
endometriose pode ter se formado no momento em que a adolescente
passa por cirurgia, e portanto há algum potencial para que a doença
se forme mais tardiamente.
Enquanto
seria ideal operar todas as mulheres com endometriose por volta dos
25 anos de idade, não é justo adiar a cirurgia para adolescentes
devido à sua idade. A dor causada pela endometriose responde
extraordinariamente bem com a remoção da doença. Infelizmente, nem
toda dor pélvica é causada pela endometriose, e pacientes com
endometriose podem ter risco aumentado de desenvolverem mais
tardiamente outras doenças ginecológicas como miomas uterinos e
adenomiose uterina, apesar da dor recorrente ser frequentemente
diagnosticada erradamente como endometriose, mesmo quando não é
encontrada durante uma reoperação. Também, cólicas uterinas
verdadeiras nem sempre respondem à remoção exclusiva da
endometriose, e portanto uma neurectomia pressacral (um procedimento
de secção de um nervo) pode ser útil para as cólicas.
Impacto
na infertilidade
Muitos
médicos são contra a cirurgia porque acreditam que reduzirá a
fertilidade da adolescente. Porém, a fertilidade em adolescentes
após a excisão da endometriose é excelente. Entre 48 mulheres que
passaram por excisão da endometriose durante a adolescência (na
minha experiência) e que responderam a um questionário em 1999, 17
tentaram gestar e 13 dessas engravidaram. Essas pacientes esperaram
até 81 meses após a cirurgia para começarem a tentar a engravidar.
Portanto,
não há nenhuma evidência de que a excisão da endometriose reduza
a fertilidade da adolescente, ou de que haja uma “janela”
obrigatória de seis a nove meses apenas após a cirurgia quando
possa haver a gravidez.
Conclusões
Os
médicos tornam a endometriose mais difícil do que ela é realmente.
A endometriose é a causa mais comum de dores em adolescentes e é
tratável apenas pela cirurgia. A melhor cirurgia é a remoção de
toda a doença, e isso resulta em excelente alívio da dor e
excelente futuro reprodutivo para as adolescentes com endometriose.
Nota
do tradutor:
Neste artigo, o doutor David Redwine chama a atenção de que os
sintomas da endometriose quase sempre começam na adolescência,
apesar de serem frequentemente ignorados. O médico destaca que,
adolescentes que deixem de ir à escola ou de fazerem suas atividades
por dor pélvica, podem ter endometriose, sendo essa a causa mais
comum de dor pélvica severa nessa fase da vida da mulher.
Ainda
que a probabilidade de nova cirurgia seja maior para mulheres com
endometriose operadas durante a adolescência, essa é certamente a
melhor época na vida de uma mulher para que a doença seja
diagnosticada e tratada efetivamente por cirurgia.
Para
aquela adolescente que tenha cólicas severas e que não melhoram com
analgésicos, a laparoscopia pode proporcionar um diagnóstico mais
precoce (ao invés dos oito a 10 anos de média de demora), uma
remoção mais fácil da doença (já que esta é mais leve e
superficial), e a preservação da anatomia pélvica e da fertilidade
(possivelmente evitando os casos severos de endometriose avançada
diagnosticados por volta dos 30 anos de idade). Certamente faremos
grandes avanços no combate à doença se melhorarmos nossos esforços
com as adolescentes.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
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