Após falarmos do histórico, dos sintomas e do diagnóstico da endometriose intestinal, na terceira parte do texto, o doutor Redwine aborda o tratamento cirúrgico da doença, desde as lesões superficiais às profundas. Aqui ele fala porque a cirurgia é o tratamento definitvo para a doença. Boa leitura. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Tratamento
Cirúrgico:
A endometriose intestinal pode
ser tratada por ressecções que são superficiais, tipo “shaving”
profundo, discoides ou segmentares. A maior parte das mulheres com
endometriose intestinal não necessitará de ressecção segmentar.
Preparo intestinal e antibióticos pré-operatórios serão
utilizados caso seja antecipada a necessidade de procedimento
intestinal. Com o aumento do número de áreas intestinais acometidas
pela doença, cresce a probabilidade de uma ressecção de espessura
total ou segmentar (Fig. 13). A remoção dos órgãos pélvicos não
é necessária para o tratamento de sucesso da endometriose
intestinal.
Figura 13. Com o aumento do
número de áreas intestinais acometidas por endometriose, aumenta a
probabilidade de ressecção discoide ou segmentar.
A
parede do cólon intraperitoneal é composta de quatro camadas:
serosa, muscular externa longitudinal, muscular interna circular, e
mucosa. Abaixo da reflexão do fundo de saco, a camada serosa está
ausente. A parede do intestino delgado é semelhante, porém mais
fina. Portanto, a camada muscular do intestino delgado comporta-se
cirurgicamente como uma camada única. Essas camadas da parede
intestinal podem ser utilizadas a favor do cirurgião durante o
tratamento da endometriose intestinal porque geralmente uma camada
envolvida pela endometriose pode ser “descascada” (nota do tradutor: separada) das
outras camadas subjacentes, resultando em uma ressecção de
espessura parcial que pode desnudar a camada mucosa em alguns casos.
As técnicas descritas a seguir podem ser realizadas mais
efetivamente com três punções e uma tesoura monopolar de 3-mm
através do canal operatório do laparoscópio de 10 mm,
utilizando-se dissecção por corte ou excisão elétrica com 90
watts de potência em corrente de corte puro [37]. A cirurgia
de endometriose intestinal é ditada pelo grau de profundidade de
invasão e localização da doença. Desse modo, várias técnicas
são necessárias, todas guiadas em parte pela palpação da parede
intestinal na busca por nódulos.
Lesões Superficiais:
A tesoura corta
perpendicularmente na parede intestinal sadia adjacente à lesão,
primeiro penetrando na camada muscular externa do intestino.
Prende-se a lesão e faz-se a sua dissecção, com a tesoura
trabalhando em uma das camadas musculares. A dissecção pode
rapidamente evoluir além da lesão, portanto deve-se tomar cuidado
para decidir quando deve-se parar de cortar. A sutura da parede
intestinal com algodão 2-0 é prática e inteligente. Pode-se
adquirir uma valiosa experiência suturando-se pequenos defeitos da
parede intestinal. Para que a sutura interna seja fácil, deve-se
manter dois pontos em mente: (1) o bordo longo do fio de sutura deve
ser seguro de modo a formar um arco apontando para o trocater pelo
qual se passa o instrumento para se fazer o nó. (2) O bordo curto do
fio de sutura deve ser posicionado imediatamente abaixo do ponto onde
o nó será atado (Fig. 14). Isso evita que se fique buscando pelo
bordo do fio, o que pode fazer com que a sutura saia do tecido.
Figura 14. O nó
intracorpóreo é fácil desde que alguns passos sejam seguidos. A
pinça da esquerda segura o fio de sutura de modo que forme um arco
cujo eixo de simetria é direcionado ao instrumento que realizará o
nó, nesse caso o porta-agulhas passado através do trocater à
direita. O bordo curto da sutura é posicionado imediatamente abaixo
onde o nó será atado para que seja facilmente alcançado.
“Shaving”
profundo:
Eventualmente, uma grande
lesão necessitará de dissecção até a mucosa para uma ressecção
completa. Se não houver fibrose submucosa, ambas as camadas
musculares podem ser facilmente descascadas da mucosa com uma
dissecção cortante e romba (Fig. 15.), uma técnica ocasionalmente
referida como “shaving profundo”. Uma vez que a lesão tenha sido
isolada, utiliza-se a tesoura para ressecá-la da superfície do
intestino. Fique atento para não ultrapassar o nódulo antes de
ressecá-lo. Suturas de algodão 2-0 são utilizadas para o
fechamento da serosa e da muscular em uma única camada. A profilaxia
antibiótica é opcional.
Figura 15. “Shaving
profundo” do cólon para tratamento de endometriose intestinal. A
pinça à esquerda está segurando o nódulo de endometriose que está
sendo dissecado da mucosa subjacente. A tesoura de 3 mm está
repousando diretamente sobre a mucosa intacta. Note as estrias
lineares da camada muscular circular interna.
Ressecção de íleo:
O íleo é mais comumente
afetado em sua porção terminal. Uma massa na parede do intestino
pode não ser visualizada por alterações superficiais, porém pode
ser diagnosticada à palpação com as pinças. A cirurgia
laparoscópica no íleo é possível, porém é difícil devido ao
posicionamento típico dos trocateres para cirurgias na pelve. A
tesoura pode ser usada para excisão do nódulo na camada muscular
pela técnica de “shaving” profundo. Com cuidado, muitos nódulos
podem ser removidos sem adentrarmos a luz intestinal. Boa parte das
suturas devem ser realizadas com algodão 3-0 em pontos simples já
que a parede do íleo é fina.
Como o íleo pode estar
acometido por várias lesões que podem ser superficiais ou
profundas, a cirurgia laparoscópica pode ser entediante, mesmo que
sejam colocados trocateres adicionais. Em muitos casos, é mais
eficiente realizar-se a mobilização laparoscópica dos ligamentos
peritoneais do íleo e ceco de forma que o íleo possa ser
exteriorizado por uma incisão de mini-laparotomia onde as ressecções
intestinais possam ser realizadas por “shaving” profundo,
discoide, ou segmentares (Figuras. 16-18). Esta incisão de
mini-laparotomia pode ser uma ampliação da incisão no quadrante
inferior direito ou da incisão umbilical. Eventualmente, o íleo
pode ser exteriorizado através da vagina se houver mobilidade
suficiente (Fig. 19).
Figura 16. A incisão de 5
mm no quadrante inferior direito foi discretamente ampliada e o íleo
é visto através da incisão. Sem tração, essa incisão mede 3 cm.
Figura 17. O íleo foi
exteriorizado sobre a parede abdominal para a realização da
ressecção da lesão linear sobre a borda anti-mesentérica.
Figura 18. A endometriose
do íleo foi removida por ressecção de espessura total. As luzes
intestinais proximal e distal são visualizadas. Cada ângulo da
mucosa intacta no lado mesentérico da parede intestinal é
tracionado por uma pinça. O intestino é fechado em duas camadas de
um ângulo ao outro.
Ressecção discoide de
espessura total do cólon:
Se houver fibrose submucosa,
ou se o nódulo for grande, adentrar aa luz intestinal é inevitável.
Entrar na luz intestinal permite também a palpação da lesão
através da mucosa, e assim pode-se determinar com maior exatidão o
ponto de parada da dissecção. A mucosa pode ser fechada com sutura
contínua de Vicryl 3-0 e a camada seromuscular com algodão 2-0 em
pontos simples. A pelve pode ser irrigada com fluidos e injeta-se ar
no cólon através de um retossigmoidoscópio para se observar
vazamento de bolhas. Caso haja, este deve ser reparado com suturas.
Apendicectomia:
A apendicectomia com energia
monopolar é rápida e simples. Segura-se a ponta do apêndice e
utiliza-se tesoura monopolar de 3 mm com 50 watts de potencia em
corrente de coagulação para dissecção ao longo de sua parede,
onde os vasos sanguíneos são relativamente pequenos (Fig. 20).
Assim, os vasos sanguíneos são cortados e coagulados
simultaneamente até que se alcance o ceco (Fig. 21). Três suturas
em alça são aplicadas ao redor da base do apêndice denudado e
corta-se entre as suturas (Fig. 22). Segura-se o apêndice com a
tesoura e este é retirado pela punção umbilical de 10 mm. O coto
do apêndice pode ser levemente coagulado e sepultado abaixo da
superfície do ceco com uma sutura em bolsa, se desejado.
Figura 20. A apendicectomia
com corrente monopolar começa com a dissecção do apêndice ao
longo de sua parede. Isso é realizado imediatamente adjacente à sua
parede, onde os vasos sanguíneos são menores.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
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