quarta-feira, 24 de junho de 2015

MATTHEW ROSSER: O QUE AS BACTÉRIAS TÊM A VER COM A ENDOMETRIOSE?


Após as raras formas da endometriose, tanto em mulheres quanto em homens, e da doença encontrada de forma espontânea em macacos, no último texto da trilogia o cientista inglês Matthew Rosser aborda as bactérias e os micro-organismos, como a E. coli, e a endometriose. O que as bactérias têm a ver com a doença? Leia o texto abaixo com atenção. Boa leitura! Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por Matthew Rosser 
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: Caroline Salazar

A endometriose é uma doença complexa, existem ainda diversas questões a serem respondidas em torno da sua origem, dentre elas, quem será portadora e porquê? Tudo isso junto faz com que estudar a endometriose seja como explorar o mundo no século 17. Existe uma noção de território a ser explorado, mas em vez de grandes naus de madeira e nativos para serem subjugados, temos teorias e hipóteses para testar por meio da ciência.

Algumas dessas teorias mostraram valerem o esforço de serem exploradas, algumas têm algumas, outras muitas e outras ainda nenhumas evidências que as suportam. Criar novas teorias por vezes parece igual a agitar águas lamacentas, complicando mais ainda um assunto já complicado por natureza, mas é apenas formulando novas ideias e testando-as que chegamos mais perto da verdade (contudo, todas as ideias devem ser testáveis e todos os testes devem ser sérios, objetivos e escrutinados pelos nossos pares, algo em que a pseudociência sempre falha).

Com isso em mente eu vou fazer um pouco de teorização neste post. Uma grande parte da minha pesquisa é examinar o papel que a inflamação desempenha na endometriose, especificamente o que controla a inflamação nos tecidos endometrióticos e endometrial. Parte dessa pesquisa envolve olhar as causas iniciais da inflamação, e uma coisa em particular chamou a minha atenção recentemente, uma bactéria.

Alguns tipos de bactéria são essenciais para nossa saúde, sem elas ficaríamos bastante doentes e vários dos nossos órgãos têm as suas próprias populações de micro-organismos que ajudam a realizar as suas funções corretamente. O intestino e a vagina são dois bons exemplos. O intestino, em particular, contém entre 500 a 1000 espécies diferentes de bactérias, somando trilhões de micro-organismos individuais.

Bem interessante é o fato de que as bactérias benéficas que naturalmente populam a vagina na verdade ajudam a prevenir infecções causadas por outras bactérias que causam doenças. Mas, por vezes, um desiquilíbrio da ordem natural da nossa microflora pode conduzir a condições mais graves.

Eu não estou caindo na armadilha de confundir endometriose com endometrite (nota do tradutor: processo inflamatório da mucosa uterina provocado por uma infecção bacteriana e por causas mecânicas, tóxicas e ou circulatórias) e certamente não estou sugerindo que endometriose é uma infecção ou é causada por uma infecção. Mas as bactérias podem desempenhar um papel até aqui desconhecido na inflamação e na geração de sintomas dolorosos na endometriose.

Como podem as bactérias contribuir para a endometriose? Para clarificar, estou falando de um tipo específico de bactéria chamada Gram-negativa, em cujo grupo se inclui a E. coli, uma das mais conhecidas espécies de bactéria.

O porquê de esses organismos serem importantes é devido a algo que eles segregam, nomeadamente de  lipopolissacarídeo (LPS). LPS são essencialmente toxinas que a bactéria produz e que são responsáveis por fazer com que você fique doente, mas eles são também poderosos estimulantes para inflamação e esse é o ponto chave.

Para começar precisamos saber quais as bactérias que estão normalmente presentes no útero e como isso difere na mulher com endometriose. Um estudo publicado em 2014 investigou esse fenômeno e descobriu que vários tipos de bactérias, especialmente, a E. coli, estão aumentados no endométrio da mulher com endometriose (ver gráfico abaixo)

As colunas brancas apresentam os níveis de micro-organismos encontrados no endométrio de mulheres sem endometriose, as colunas sombreadas representam os níveis nas portadoras.

O que podemos observar neste gráfico é que existem vários tipos de micro-organismos encontrados em níveis mais elevados no endométrio das mulheres, em particular, o E.coli. No seguimento dos seguintes estudos, verifica-se que a LPS foi descoberta em concentração muito mais elevada nos fluidos menstrual e peritoneal de portadoras, como se pode observar se clicar neste link, e olhar para as figuras C e D (as colunas brancas representam os níveis de LPS em não-portadoras e as pretas correspondem nas portadoras).

O acréscimo na LPS no fluído menstrual pode ser atribuído ao aumento de E.coli no endométrio, mas e no fluído peritoneal? Isso poderia ser explicado pela menstruação retrógrada, em que o fluido menstrual sobe pelas trompas de falópio e sai pela cavidade peritoneal.

A menstruação retrógrada é uma ocorrência natural no corpo da mulher, verificando-se em até 90% das mulheres e durante muito tempo pensou-se ser essa a causa da endometriose, com as células do endométrio descamadas durante o período sendo passadas para a cavidade peritoneal onde se implementariam e cresceriam.

Essa teoria caiu em descrédito à medida que mais provas são acumuladas, e que demonstram não ser essa a causa da endometriose, mas pode existir um papel para a menstruação retrógrada na endometriose, mas talvez não aquela que se pensava anteriormente.

Parece, então, plausível que os níveis aumentados de E.coli no endométrio conduzam a maiores concentrações de LPS no sangue menstrual, que pode sofrer refluxo para a cavidade peritoneal através da menstruação retrógrada, aumentando a concentração de LPS no fluido peritoneal, o que pode ter relação próxima/direta com as lesões de endometriose.

Alguns estudos observaram que LPS pode estimular células de endometriose a libertar fatores como prostaglandina E2 (PGE2) e fator de necrose tumoral (TNFα) que promovem inflamação e estimulam impulsos de dor (PGE2 tem sido implicada em um número de importantes fatores para a sobrevivência da endometriose, incluindo o aumento das células, inibição da destruição das células e produção de hormônios).


Isso iria conduzir a um estado inflamatório aumentado em torno das lesões de endometriose e no endométrio normal, possivelmente contribuindo para os sintomas frequentemente associados à endometriose, tais como, dor pélvica crônica e períodos excessivamente dolorosos. O processo pode ser resumido no diagrama abaixo.




1.      Aumento de E.coli no interior do útero causado por mecanismo desconhecido
2.     E.coli segrega LPS
3.      Menstruação retrógrada causa refluxo de LPS para a cavidade pélvica
4.     LPS estimula a endometriose para libertar fatores inflamatórios
5.      Inflamação em torno da endometriose causa dor e cicatrizes

A questão final, para a qual ainda não temos resposta, é porque motivo a E.coli e outros micro-organismos estão aumentados no endométrio das portadoras? Poderá dever-se à alteração na acidez vaginal, levando a uma mais fácil colonização do útero por bactérias, ou disfunção das células imunitárias no útero das portadoras, resultando em uma falha de manter esses micro-organismos controlados?

Para além disso, qual seria o efeito de restabelecer o equilíbrio desses micro-organismos e como seria possível fazê-lo? Existem muitas perguntas que necessitam de respostas, mas esperamos que essa seja uma área de investigação que trará resultados positivos no que diz respeito ao alívio dos sintomas relacionados à dor.

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