Na segunda parte do texto "Diagnóstico Laparoscópico da endometriose"(leia a parte 1 aqui), o cientista americano doutor David Redwine destaca os órgãos que devem ser inspecionados pelo cirurgião durante a cirurgia e como ele deve "trabalhar" em cada região. Como já falamos anteriormente - tanto nos textos do doutor Redwine quanto nos do doutor Alysson Zanatta - os focos de endometriose são previsíveis e a maioria deles ocorre nos mesmos lugares. Se o cirurgião souber disso e inspecionar esses locais já será um grande avanço para que a cirurgia seja um sucesso. Neste texto o doutor Redwine reitera que o sucesso da cirurgia se dá devido ao correto diagnóstico visual da endometriose. Se o cirurgião não reconhecer as diversas manifestações da doença, ele poderá não retirar a doença em sua totalidade e ela terá sido em vão para ele e para a paciente que poderá continuar com os sintomas. Compartilhe mais um texto exclusivo A Endometriose e Eu e espalhe a correta conscientização da endometriose. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Diagnóstico laparoscópico da endometriose - parte 2:
Inspeção
do abdômen superior:
O abdômen superior deve ser
inspecionado no início da cirurgia, pois é fácil esquecê-lo mais tarde durante
a laparoscopia. O bordo e a superfície hepáticos devem ser visualizados. O
diafragma representa o local no abdômen superior com maior probabilidade da
endometriose ocorrer. Ambos pilares diafragmáticos devem ser investigados para
evidência da doença. Já que o fígado irá obstruir a visualização do diafragma
direito durante a posição de Trendelemburg acentuada, é útil que se examine o
abdômen superior com a mesa cirúrgica reta, ou mesmo em Trendelemburg reverso,
pois isso ajudará o fígado a se mover para longe do diafragma. A inspeção do
diafragma é particularmente importante em pacientes com dor torácica ou em
ombro que ocorre antes ou durante as menstruações. Algumas pacientes com
endometriose diafragmática podem ter uma aparência inócua de lesões sentinelas identificadas
no diafragma médio, e com lesões invasivas significantes ao longo do bordo
posterior do diafragma (Figura 12). Se forem identificadas apenas as lesões
sentinelas, o cirurgião pode trivializar a doença e perder a oportunidade de
fazer um diagnóstico completo e correto. Depósitos amarronzados de sangue
antigo podem ser encontrados no diafragma (Figura 13), apesar desses não serem
endometriose. Tais depósitos de sangue antigo e amarronzado são causados por
repetitivos ciclos de ruptura de cistos ovarianos de endometriose
(endometriomas). Quando o cirurgião
encontrar tais depósitos no diafragma ou em qualquer outro local da pelve ou
abdômen, serão encontrados endometriomas ovarianos significantes em um ou ambos
ovários. A vesícula biliar e o baço são eventualmente visíveis sem a
necessidade de manipulação no abdômen superior. A inspeção desses órgãos é
opcional durante a investigação da endometriose.
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Figura 12.
Endometriose diafragmática. O diafragma tem apenas 0,5 cm de espessura. A
endometriose sintomática do diafragma irá sempre penetrar toda a espessura do
diafragma, tornando o tratamento laparoscópico problemático.
Figura 13. Depósitos
de hemossiderina no diafragma. Esses depósitos não são endometriose, mas se
devem à ruptura e extravasamento repetidos de endometriomas ovarianos. Quando
uma coloração diafragmática como essa está presente, o omento e a pelve
frequentemente têm depósitos similares de hemossiderina amarronzada.
Inspeção
do ceco, apêndice e íleo:
O laparoscópio agora passa à parede abdominal lateral
direita, identificando o cólon ascendente e o transverso. O ceco é visualizado,
assim como o apêndice. A endometriose do ceco pode ser notada como uma
descoloração avermelhada superficial com nodulação subjacente da parede
intestinal. A endometriose no apêndice é geralmente representada por uma tortuosidade
localizada sem uma descoloração hemorrágica significativa (Figura 14). Pinças
atraumáticas podem ser utilizadas para correr o íleo terminal. A endometriose
do íleo é encontrada em geral na borda antimesentérica, normalmente distribuída
de forma linear não randômica (Figura 15). Ocasionalmente, o peritônio do
mesentério estará acometido por lesões superficiais distribuídas em forma de um
leque e correlacionadas com o segmento afetado do íleo. A endometriose nodular
do íleo pode resultar em séria retração e levar ao acotovelamento da parede
intestinal (Figura 16), algumas vezes com lesões de endometriose avermelhadas
sobrepostas.
Figura 14. A
endometriose do apêndice é frequentemente assintomática porque costuma estar
limitada à superfície peritoneal. A área de acometimento pode ter apenas uma
aparência hemorrágica, com retração e fibrose resultantes que produzem
encurvamento da ponta do apêndice ou acotovelamento em seu eixo.
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Figura 15. A
endometriose de íleo não exibe uma distribuição randômica porque geralmente
ocorre em uma distribuição linear na borda antimesentérica na parede
intestinal. Essas lesões são mais superficiais e podem normalmente ser
removidas por ressecção discoide parcial.
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Figura 16.
Endometriose de íleo. Retração e cicatrização associadas à invasão da parede
intestinal resultaram em distorção e obstrução intestinal parcial. Como a
parede do íleo é fina, o tratamento cirúrgico dessas lesões geralmente requer
ressecção de espessura total. Em geral, será necessária uma ressecção segmentar
para tratar tal processo.
Inspeção
do cólon retossigmoide:
O laparoscópio agora se move para o quadrante esquerdo
superior e abaixo em direção ao cólon descendente. O retossigmoide é local mais
comum de acometimento da endometriose intestinal, portanto atenção deve ser
dedicada ao exame do sigmoide desde o bordo pélvico até o fundo de saco. O
retossigmoide deve ser tensionado no centro da pelve por tração cefálica na
parede intestinal próximo ao bordo pélvico. A superfície anterior do
retossigmoide costuma ser acometida por endometriose, então essa tração ajudará
a expor quaisquer irregularidades na superfície. A endometriose do cólon
sigmoide inicia-se na serosa e pode invadir a camada muscular, mas raramente
penetra na luz (Figura 17). A invasão da camada muscular resulta em uma forma
visual que pode ser esbranquiçada e sem nenhum componente hemorrágico. Outra
manifestação sutil da endometriose do sigmoide é a hipertrofia do apêndice
epiploico adjacente à parede intestinal acometida (Figura 18), e que pode às
vezes esconder mesmo uma lesão nodular e volumosa. As lesões hemorrágicas podem
ocorrer e serem puntiformes, exofíticas, sangrantes ou planas.
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Figura 17. Secção
transversa de um nódulo retal de endometriose associada à obliteração do fundo
de saco. O cirurgião veria apenas uma descoloração avermelhada do assoalho
pélvico (adjacente à marca zero no bisturi), enquanto a invasão e a reação
fibromuscular estendem-se profundamente por mais de 2 cm.
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Figura 18. Hipertrofia do apêndice epiploico indica um nódulo subjacente de endometriose intestinal. ** em sentido horário ** (a) retração da parede intestinal anterior em área acometida por nódulo de endometriose, (b) apêndice epiploico hipertrofiado, (c) apêndice epiploico normal. |
Inspeção
de fundo de saco:
O fundo de saco é a região pélvica mais comum de acometimento
pela endometriose. As possíveis formas visuais aqui são o protótipo das formas
visuais plausíveis em quaisquer outros locais da pelve. É necessário que se
veja cada área do fundo de saco para diagnosticar a endometriose corretamente,
e as áreas imediatamente posteriores ao colo do útero ou atrás dos ligamentos
útero-sacros podem passar despercebidas caso o cirurgião não eleve o útero adequadamente
(Figura 2).
Os ligamentos útero-sacros representam os limites
laterais do fundo de saco e são frequentemente infiltrados por doença invasiva
que podem se manifestar como um nódulo palpável esbranquiçado, algumas vezes
com uma pequena quantidade de descoloração hemorrágica (Figuras 7 e 8).
Uma variação clínica importante da endometriose do fundo
de saco é a sua obliteração, com o reto aderido anteriormente aos ligamentos
útero-sacros e colo posterior (Figuras 4, 17 e 19). Isso implica doença
invasiva de todas essas regiões, assim como a possibilidade de invasão da
própria parede intestinal. Os cirurgiões podem descrever isso apenas como
aderências, descrevendo “aderências densas” atrás do colo, ou o “reto aderido
ao colo”. Tais descrições implicam que o cirurgião não entendeu o significado
clínico dessa forma visual.
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Figura 19.
Obliteração do fundo de saco pode algumas vezes ser sutil na aparência. A
paciente tinha obliteração completa do fundo de saco sem qualquer forma
hemorrágica significativa. Alguns cirurgiões podem pensar que o fundo de saco
está normal em casos como esse.
Inspeção
das paredes pélvicas laterais:
Os ovários estão eventualmente aderidos às paredes
pélvicas laterais devido à inflamação associada aos endometriomas ovarianos. Os
ovários podem esconder endometriose peritoneal, incluindo doença na própria
área da aderência. Tal doença pode não ser vista, mas deve ser suspeitada. Se o
peritônio é ressecado, o patologista frequentemente encontrará endometriose
mesmo que ela não seja óbvia para o cirurgião. A doença invasiva dos ligamentos
útero-sacros envolverá o ureter homolateral algumas vezes com fibrose, e
raramente o invadirá.
Inspeção
dos ovários:
Os ovários não são o local mais frequentemente de
acometimento pela endometriose. Se um cirurgião ou cirurgiã encontra em suas
pacientes que os ovários são os locais de acometimento mais frequente, então
aquele (a) cirurgião está deixando de diagnosticar bastante doença peritoneal.
Os cistos achocolatados ovarianos nem sempre são endometriose, e cistos de
corpo lúteo podem mimetizar endometriose [9]. Alguns cistos de endometrioma não
são óbvios à inspeção inicial, apesar do ovário poder parecer mais engurgitado
e aderente à parede pélvica lateral. Algumas vezes o líquido achocolatado
liberado com a ruptura de um endometrioma ovariano terá atingido o peritônio
pélvico, o diafragma (Figura 13), ou mesmo o omento. Quando o cirurgião
encontra isso, os ovários devem ser dissecados da parede pélvica lateral e
puncionados para se checar cistos achocolatados. Aderências hemorrágicas
superficiais nem sempre são endometriose (Figura 20), e sempre é melhor confirmar
a suspeita clínica com biópsia.
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Figura 20.
Descolorações avermelhadas puntiformes na superfície deste ovário eram
aderências hemorrágicas que foram histologicamente negativas para endometriose.
Este ovário continha um endometrioma subjacente que se tornou aparente apenas
após a punção do ovário, liberando líquido fluido achocolatado.
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Inspeção
da bexiga:
A endometriose superficial da bexiga pode ser sutil ou
óbvia. A endometriose peritoneal do peritônio da bexiga pode às vezes estar
associada com enrugamento e retração do peritônio perto da junção útero-vesical,
geralmente sem nenhuma hemorragia aparente (Figura 21). Endometriose invasiva
do músculo da bexiga é rara, mesmo quando há distorção significativa presente.
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Figura 21.
Enrugamento e retração do peritônio da bexiga adjacente ao útero indica
endometriose subjacente.
Figura 22. A
endometriose invasiva da bexiga geralmente produz distorção significativa e
retração das superfícies peritoneais, recoberta por lesões sangrantes da
doença. Esta lesão invadiu a camada muscular da bexiga, mas não penetrou sua
espessura total. A distinção é clara apenas quando a doença é tratada com a
excisão.
Endometriose
superficial versus profunda:
A distinção entre endometriose superficial e profunda é
importante tanto para o estadiamento da doença como para determinar o
tratamento cirúrgico apropriado. A inspeção visual apenas não é suficiente para
fazer essa distinção, e a palpação durante a cirurgia é importante. O peritônio
adjacente à lesão pode ser tracionado e então puxado ou elevado. Se a lesão for
vista movimentando-se sobre os vasos sanguíneos subjacentes ou estruturas
pélvicas da parede pélvica lateral, então é superficial. Caso contrário, é
profunda, apesar da profundidade da invasão poder não ser aparente sem a
dissecção retroperitoneal durante a excisão (Figura 17). Os cirurgiões que
tratam a endometriose utilizando vaporização a laser ou cauterização sem
palpação podem ver a endometriose como uma doença bidimensional sempre tratável
por cauterização superficial ou vaporização, o que seria um sério erro
cirúrgico.
Tratamento
medicamentoso e a aparência visual da endometriose:
Nenhuma medicação erradica a endometriose. Evidências da
eficácia das medicações é baseada na resposta dos sintomas ao invés de resposta
comprovada da lesão. Os medicamentos podem fazer a endometriose parecer mais
inócua durante a supressão ovariana [10]. Portanto, a prática convencional
popular de repetir a laparoscopia após o término do tratamento medicamentoso
pode induzir uma falsa segurança no cirurgião, o qual pode ou não reconhecer a endometriose
em formas mais sutis. A aparente melhora da endometriose após o tratamento
médico não deve ser usada como motivo para não realizar um tratamento cirúrgico
completo.
Conclusões:
Todo processo intelectual e terapêutico relacionado à
endometriose começa com um cirurgião identificando a doença na pelve. Se o
diagnóstico visual da endometriose é incorreto, então o nosso entendimento
sobre a doença será incorreto [11]. Visualização, palpação e excisão são
normalmente necessárias para distinguir doença superficial de profunda.
Nota do Tradutor: Na
segunda parte do texto, o doutor David Redwine destaca os órgãos e locais a
serem inspecionados durante uma cirurgia para endometriose. Como dito
anteriormente, a endometriose é previsível: ocorre invariavelmente quase sempre
nos mesmos locais.
Não costumamos inspecionar os
rins pois não há relatos de endometriose nos rins. Por outro lado,
inspecionamos rotineiramente segmentos intestinais (retossigmoide, ceco,
apêndice vermiforme e íleo terminal), pois a possibilidade de endometriose
nesses órgãos pode chegar a 30%.
Por fim, doutor Redwine reitera que
nenhuma medicação é capaz de erradicar a endometriose. Melhoras temporárias dos
sintomas são atribuídos à “tratamento” da doença, quando de fato não costuma
ser.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e ex-professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
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Boa noite
ResponderExcluirA endometriose é uma doença que considero grave, é de suma a importância o tratamento da doença o mais rápido possível. Acabei de passar por duas cirurgias, sendo que na segunda, estive entre a vida e a morte, e como consequência ficou sem o útero e perdi 15 cm do meu intestino delgado, e para minha sobrevivência estou ostomizada meu intestino esta para fora.
Se cuide ao primeiro sinal de dor, de desconforto ao evacuar ,quando estiver menstruada, procure o medico, não faça como eu que não dei a devida importância e só fui ao medico quando já não aguentava mais.
atenciosamente