domingo, 1 de janeiro de 2017

MACHISMO VERSUS ENDOMETRIOSE: ATÉ ONDE VAI O (PRÉ)CONCEITO?

imagem cedida por Free Digital Photos

Por Caroline Salazar
Edição: doutor Alysson Zanatta

Na última enquete realizada na fanpage do A Endometriose e Eu pedindo sugestões de temas a serem abordados por mim aqui no blog, recebi uma que achei muito interessante e coerente proposto pela Alessandra Iório sobre o machismo x endometriose. Segue parte do relato de Alessandra:

"Acho que um tema pouco abordado para as portadoras diagnosticadas ou não é o machismo dos profissionais da área. Muito se fala sobre como não se considera a intensidade da dor da paciente nas consultas e atendimentos de emergência, e essa é a parte mais importante da questão, mas há outras formas mais sutis e complexas de identificar o problema. Muitas vezes fui questionada a respeito da minha aparência, juventude ou vida pessoal. Em um momento de dor fica difícil discernir o que é informação relevante para o profissional construir um histórico detalhado e o que é falta de ética e até mesmo assédio. Mesmo quando o conseguimos, é comum não ter força física ou psicológica suficiente para combater o preconceito. Dois exemplos: já me disseram que tenho endometriose porque não tinha um parceiro que me proporcionasse prazer sexual como tratamento e me calei de dor. Já me questionaram o porquê não sou casada ou tenho filhos e não consegui energia mental para dizer que não sou obrigada a atender padrões sociais nem sou culpada de estar doente por causa disto. Hoje, com 37 anos, consciente da minha condição e com a dor relativamente controlada sei me posicionar quando percebo a diferença entre uma abordagem e outra. Mas sou portadora de endometriose desde os 15 anos e nem sempre foi assim. O machismo tem camadas, está presente em todas as esferas sociais e a área médica não é exceção". 

Infelizmente, em pleno século XXI ainda vivemos num país machista. Há o machismo, mas também a discriminação. A maioria dos especialistas é homens, muitos deles excelentes, pois sei que a maioria das mulheres prefere ser atendidas por homens que por mulheres. O fato de muitos especialistas (até mesmo as mulheres) chamarem a endometriose de “a doença da mulher moderna” - (leia meu texto e do endomarido Alexandre sobre o tema) - é a ponta do iceberg do machismo na endometriose. Ora nada tem a ver o fato de as mulheres postergarem a gravidez com a endometriose. Só porque elas menstruam mais? Já cansamos de dizer na coluna do doutor David Redwine que a endometriose não vem da menstruação retrógrada (Teoria de Sampson). Já é sabido que a gravidez não cura a doença. Portanto, se para ficar livre da doença não adianta ter filhos, então porque ainda ouvimos médicos recomendando a gravidez como tratamento da endometriose?

Na coluna “História das Leitoras” tem relatos de mulheres que conseguiram engravidar e que passaram muito mal durante e após a gestação. Hoje a mulher tem o papel de decidir o que ela quer para sua vida. Muitas não querem e não precisam constituir uma família para serem felizes. Há técnicas de reprodução assistida e a adoção para exercer a maternidade. Vivemos numa sociedade livre onde cada ser humano é responsável por suas ações. O que não deve existir em nenhuma área, em especial, na medicina são pessoas machistas que acham que a própria mulher é a culpada por ter uma doença tão grave quanto à endometriose. É uma atrocidade culpar a mulher por ter uma doença tão cruel como a endometriose. Como disse nossa querida leitora Alessandra em seu comentário no início do texto “não somos obrigada a atender padrões sociais”.

Há algum tempo o papel da mulher na sociedade mudou e a tendência é que esta mudança continue. De acordo com o Censo de 2010, 53% da população brasileira é formado por mulheres e 37% das residências brasileiras são sustentadas por mulheres. Mesmo as mulheres sendo a maioria o Brasil ainda figura como um país machista por conta da mente antiga das pessoas. Precisamos mudar este quadro, abrir nossas mentes para o novo. Parte da nossa mudança está em se informar melhor e não aceitar ser atendidas por profissionais deste tipo.

Outra questão relacionada ao machismo relatada por Alessandra diz respeito a um dos principais sintomas da doença: a dispareunia. Segundo pesquisas, a dor durante e após as relações sexuais impacta a vida de cerca de 50% das endomulheres. Por conta da dor não tem como existir prazer no sexo.  Muitas mulheres perdem a vontade de transar e se tornam assexuadas mesmo aquelas que têm um companheiro. Os remédios fortes, principalmente, os à base de morfina, e os anticoncepcionais são agravantes que contribuem para perda da libido. Por conta dessa falta de vontade de sexo muitas mulheres são obrigadas por seus companheiros a transarem. Muitas mulheres são abusadas sexualmente dentro de casa.

Além do machismo sofremos também com a discriminação por parte dos médicos, independentemente do sexo deles. A principal acontece pela “não valorização” das nossas dores - infelizmente muitos acham que são psicológicas -, e também por não darem bola para alguns sintomas da doença, em especial, o principal dele: a cólica muito forte. Eu passei por isso, não tive minha queixa valorizada pelo meu ex-ginecologista. A intensidade da dor também é discriminada por muitos médicos. Uma mulher com endometriose leve pode sentir mais dores que aquela com endometriose profunda. A dor independe do grau. Precisamos mudar o pensamento retrógrado que permeia muitos dos especialistas e abrir suas mentes para aquilo que estudos científicos comprovaram.

Como querem que a mulher engravide se ela não consegue ter relação sexual? Sei que é difícil achar um bom especialista na doença, mas se você endomulher ouvir algo semelhante vá atrás de um especialista que te escute, que te acolhe, que trata a mulher como um todo e não apenas a doença. A mulher não é culpada por nada. Precisamos mudar esta realidade e isso depende de cada uma de nós. Que o corajoso depoimento da nossa querida endoirmã Alessandra abra seus olhos e lhe dê coragem para enfrentar de peito aberto a ignorância do machismo e da discriminação que ainda está impregnada em nossa sociedade. Somente nós, os jovens, poderemos transformar nosso Brasil num país melhor e mais justo. Vamos agir em prol de nós mesmas? Pense, reflita! Beijo carinhoso!

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