Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Distribuição da endometriose pélvica de acordo com faixa
etária e fertilidade:
A persistente confusão relacionada ao tratamento e
história natural da endometriose sugere que algumas de nossas impressões
clínicas podem necessitar de estudos mais modernos. Alguns médicos acreditam
que a endometriose envolve progressivamente um maior número de áreas da pelve
com o envelhecimento da paciente, e que a gestação confere proteção relativa
contra a disseminação da doença na pelve. Para avaliar esses conceitos, este
estudo avalia a distribuição da doença de acordo com a faixa etária e o status
de fertilidade de pacientes com endometriose.
Materiais
e Métodos:
Cento e trinta e duas pacientes consecutivas, de 16 a 52
anos de idade, que passaram por laparoscopia ou laparotomia, constituíram o
grupo de estudo. A dor pélvica crônica estava presente em 72%, dismenorreia em
45%, dispareunia em 39%, e infertilidade em 29% das pacientes. Treze pacientes
eram assintomáticas, a doença sendo descoberta durante cirurgias por outras
indicações. Sessenta e cinco pacientes tinham engravidado, enquanto 51% tiveram
parto. Quatorze por cento das pacientes tinham abortado natural ou
voluntariamente suas únicas gestações, e sem terem gestação subsequente.
A magnificação da superfície peritoneal foi empregada
rotineiramente, consistindo de laparoscopia de aproximação através de técnica
de punção dupla ou tripla e manipulador uterino, ou uso de microscópio
operatório durante laparotomias nas fases iniciais do estudo. Qualquer
anormalidade do peritônio pélvico era considerada como possível endometriose
pélvica. A maior parte das pacientes tiveram várias amostras enviadas para
biópsia. A endometriose foi confirmada histologicamente em 129 pacientes pela
presença de ambos epitélio glandular e estroma, e diagnosticada pela presença
de implantes “negros em pólvora” em 3 pacientes. Cinco pacientes tinham um
diagnóstico prévio de endometriose, e a revisão de suas descrições cirúrgicas
não mostrou nenhuma mudança da posição de sua doença na pelve em comparação às
suas cirurgias prévias.
Foi utilizado um mapa que divide a pelve em 16 áreas
separadas para avaliar prospectivamente a distribuição da doença comprovada por
biópsia. O estudo buscou identificar áreas de disseminação não contíguas em
alguns centímetros ou mais. A “microdisseminação” local, a distribuição local
de placas fibróticas, e a suposta invasão peritoneal não foram avaliadas porque
não eram objetivo do estudo.
As pacientes foram agrupadas em faixas etárias a cada
cinco anos, e pacientes acima de 36 anos foram agrupadas conjuntamente.
Foi considerado um valor de probabilidade (p-value)
menor que 0,05 para excluir a hipótese nula de que não haveria diferença
significativa entre as médias dos grupos. A probabilidade foi determinada pelo
uso de desvio-padrão entre as diferenças das médias.
Resultados:
A tabela 1 demonstra a frequência de acometimento por
endometriose das áreas pélvicas estudadas.
Tabela 1. Frequência de acometimento de
áreas pélvicas versus idade
16-20 years | 21-25 years | 26-30 years | 31-35 years | 36-52 years | All ages | |
Fundo de saco | 78.6 | 78.3 | 52.8 | 56.0 | 52.6 | 61.4 |
Ligamento largo direito | 57.1 | 43.5 | 32.1 | 39.3 | 20.0 | 36.6 |
Ligamento útero-sacro direito | 57.1 | 39.1 | 43.4 | 25.0 | 12.0 | 37.9 |
Ligamento útero-sacro esquerdo | 42.9 | 52.2 | 32.1 | 25.0 | 20.0 | 35.6 |
Ligamento largo esquerdo | 35.7 | 39.1 | 35.8 | 25.0 | 12.0 | 32.6 |
Bexiga | 14.3 | 26.1 | 22.6 | 14.3 | 8.0 | 19.7 |
Ovário esquerdo | 0 | 13.0 | 9.6 | 17.9 | 24.0 | 14.4 |
Fundo uterino | 7.1 | 9.0 | 9.4 | 10.7 | 21.0 | 11.3 |
Sigmoide | 7.1 | 21.7 | 9.4 | 4.0 | 16.0 | 12.1 |
Ovário Direito | 0 | 8.7 | 11.3 | 21.4 | 16.0 | 13.6 |
Tuba uterina esquerda | 0 | 8.7 | 3.8 | 3.6 | 4.0 | 4.5 |
Ligamento redondo esquerdo | 0 | 0 | 5.7 | 3.6 | 0 | 3.0 |
Tuba uterina direita | 0 | 0 | 0 | 7.1 | 5.3 | 2.3 |
Parede abdominal direita | 0 | 0 | 3.8 | 0 | 0 | 1.5 |
Ligamento redondo direito | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Parede abdominal esquerda | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Número total de pacientes | 14 | 22 | 52 | 25 | 19 | 132 |
Pacientes de 16 a 27 anos de idade (n=55) tinham uma
média de 3,25 ±1,92
(desvio-padrão-DP) de áreas pélvicas acometidas, enquanto pacientes de 28 a 52
anos de idade (n=77) tinham 2,60 ±1,64 (DP) de áreas acometidas, uma
diferença significativa (p<0 o:p="">0>
Mulheres nuligestas (Nota
do tradutor: que nunca engravidaram) de 16 a 27 anos de idade (n=27)
tinham uma média de 3,59 ± 2,12 (DP) áreas acometidas, enquanto
nuligestas de 28 a 52 anos de idade (n = 20) tinham uma média de 3,00 ±
2,00 (DP) áreas acometidas, sem diferença significativa.
Todas as mulheres nuligestas (n=46) tinham uma média de
3,39 ±
2,00 (DP) áreas acometidas, enquanto mulheres que já haviam gestado (n=86)
tinham uma média de 2,45 ± 1,64 (DP) de áreas acometidas, uma diferença
significativa (p<0 o:p="">0>
Como as mulheres com gestação prévia eram em média cinco
anos mais velhas que as pacientes nuligestas, e como as pacientes mais velhas
nesse estudo, por algum motivo, tinham um número pouco menor de áreas pélvica
acometidas, foram realizadas as comparações controladas por idade, demonstradas
na Tabela 2. Com o ajuste por idade, houve uma diferença significativa no
número de áreas pélvicas envolvidas em duas faixas etárias de pacientes
nuligestas comparadas com pacientes que tiveram até quatro partos. Não foi
notada nenhuma diferença significativa em três faixas etárias.
Tabela 2. Número de áreas pélvicas
acometidas versus paridade controlada por idade
Número de áreas pélvicas envolvidas ±
DP
Number of pelvic areas involved ± SD | |||||
16-20 years | 21-25 years | 26-30 years | 31-35 years | 36-52 years | |
Paridade | |||||
0 | 2.80 ± 1.87 (n = 10) | 4.20 ± 2.34 (n = 15) | 3.27 ± 1.39 (n = 26) | 2.56 ± 1.42 (n = 9) | 2.67 ± 2.89 (n = 3) |
1-4 | 3.50 ± 0.58 (n = 4) | 2.00 ± 1.53 (n = 7) | 2.27 ± 1.69 (n = 26) | 2.50 ± 1.32 (n = 16) | 2.31 ± 2.17 (n = 16) |
P | 0.1, NS* | <0 .01="" font="">0> | <0 .046="" font="">0> | >0.5, NS | >0.5, NS |
Discussão:
Eu acredito que há apenas duas maneiras de avaliarmos
objetivamente o conceito de eventual disseminação progressiva da endometriose
ao longo do tempo: (1) realizar laparoscopia em um grupo de pacientes não
tratadas ao longo de vários anos, mapeando prospectivamente o acometimento
pélvico e (2) identificar um grupo maior de pacientes em faixas etárias mais
velhas com acometimento mais frequente de áreas pélvicas individuais ou com
mais áreas afetadas do que pacientes mais jovens. Esse estudo tenta utilizar a
segunda abordagem. Os resultados sugerem que a endometriose é uma doença
posicionalmente estática, e que não se espalha pela pelve com o aumento da
idade.
...
os resultados sugerem que a endometriose é uma doença posicionalmente estática,
e que não se espalha pela pelve com o aumento da idade...
O conceito de que a gestação protege contra a
disseminação pélvica da doença pode ser testado ou pela comparação da
frequência da distribuição de áreas pélvicas acometidas estratificada por faixa
etária e fertilidade, ou encontrando uma relação inversa entre o número de
áreas acometidas e a exposição prévia à gestação. Este estudo tenta utilizar a
segunda abordagem. O achado de mais áreas acometidas em pacientes nuligestas do
que pacientes com gestação prévia é mitigado pelo fato de que essa relação
inversa não foi demonstrada em todas as faixas etárias, em uma análise mais
detalhada.
Um maior número de áreas acometidas em pacientes
nuligrávidas em comparação às pacientes com gestação prévia não significa necessariamente
que uma maior quantidade de doença causa infertilidade, ou que seriam resultado
de postergação de gestação. A presença de endometriose pode simplesmente ser um
marcador de algum estado patológico adquirido ou embrionário, que pode estar
relacionado à infertilidade e que persiste após a resolução da endometriose.
Como o sintoma mais comum nesse estudo foi a dor, teria
esse grupo seleto de pacientes uma distribuição anormal da doença? A
preocupação sobre o viés de seleção poderia se aplicar a qualquer estudo sobre
endometriose, porque presumivelmente a doença é encontrada em função de
cirurgia realizada por alguma indicação clínica, geralmente infertilidade. A
diminuição aparente de doença com o avançar da idade notada aqui poderia
significar que pacientes com maior número de lesões teriam mais dor, e que,
portanto se apresentaram ao diagnóstico em fases mais precoces da vida.
A sugestão de que a endometriose seja uma doença
posicionalmente estática traria nova ênfase à cirurgia conservadora para o
tratamento de pacientes com desejo de concepção.
O mapa pélvico utilizado neste estudo é uma potencial e poderosa
ferramenta para a investigação da doença, particularmente quando combinada à
magnificação peritoneal, e vigorosas biópsias realizadas por médicos atentos às
várias manifestações visuais da doença.
Resumo:
Nessa série de pacientes, a endometriose não afetou um
maior número de áreas pélvicas em idades mais avançadas. A exposição à gestação
está associada a uma leve diminuição de acometimento pélvico, apesar desse
efeito ser inconstante quando diferentes faixas etárias são estudadas
individualmente.
Nota
do Tradutor:
Nesse estudo
relativamente simples e com baixo número de pacientes, o Dr. David Redwine
contesta objetivamente a longa crença de que a endometriose “se espalha”, de
que “invade” locais progressivamente, como se fosse um câncer. Esse conceito,
jamais comprovado e também derivado da teoria da menstruação retrógrada, atrasa
avanços no estudo da endometriose. Pior: é um fantasma para as mulheres com a
doença, que temem a menstruação não só pela dor, mas pelo pensamento que, a
cada menstruação, estariam disseminando e aumentando a doença.
Curiosamente, esse
“fantasma” é tão presente que, mesmo aquelas mulheres que passaram por um tratamento
cirúrgico efetivo e que não tem sinais da doença, ainda costumam temer pelo
retorno da doença caso continuem menstruando. Se o tratamento cirúrgico for
efetivo, não deveria haver necessidade de medicações para suprimirem a
menstruação, por um simples motivo: a endometriose não é causada pela
menstruação.
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