Por doutor David Redwine
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: Caroline Salazar
Se a teoria de Sampson não funciona, então o que causa a
endometriose?
Quais são os requisitos para uma teoria de origem da
endometriose?
Se quiséssemos construir uma teoria de origem da endometriose, existiriam
muitos requisitos baseados no conhecimento moderno da doença.
Embora todo o mundo tenha acreditado nos últimos 70 anos
que a endometriose é igual ao revestimento interno do útero, o endométrio, hoje
sabemos que isso não é verdade. Os focos possuem poucos receptores de
hormônios, que variam em grau quando
comparados com o endométrio nativo (o de dentro do útero), causando respostas imprevisíveis aos hormônios ovarianos produzidos artificialmente.
Ainda que muitas pessoas acreditem que a endometriose
sangra a cada ciclo menstrual, foi demonstrado que esse sangramento é
imprevisível, não respeitando os ciclos menstruais ou não havendo sangramento. Isso
causa as muitas variantes de aspecto visual da doença, que podem diferir da típica lesão
“queimadura de pólvora”. Na verdade, a maioria das portadoras possuem lesões
com aspecto visual “atípico”.
Portadoras mais jovens possuem lesões muito sutis,
incolores e que podem mudar a sua aparência ao longo do tempo e se tornarem
mais óbvias com a idade.
Sabemos que a endometriose pode ocorrer em muitas áreas do
corpo. No entanto, ela é mais comum na pelve posterior e pode até ocorrer em
homens. Pesquisadores da distribuição de endometriose na pelve
ficaram surpresos pela consistência dos padrões encontrados encontrados na
pelve.
Embora a teoria de Sampson preveja que a pelve se encha de
endometriose como um barril, quando as portadoras chegam na casa dos 30, os
estudos sobre o mapeamento pélvico não encontraram um aumento do número de
focos relacionado com a idade, bem como, não foi observado um aumento da
superfície envolvida ou estágio da doença.
A teoria de Sampson também prevê uma taxa de recorrência
de 100% após a destruição cirúrgica da doença, apesar de muitas portadoras não terem
focos da doença quando reoperadas, mesmo sem ter usado terapia medicamentosa após a
cirurgia.
A doença pode ser invasiva ou superficial, mas a doença
superficial não se converte necessariamente em invasiva. A portadora pode,
inclusive, ter doença superficial e invasiva lado a lado na pelve.
Adenomiose (endometriose no músculo do útero) e tumores fibroides do útero parecem
desenvolver geralmente mais tarde nas portadoras, e prolapso da válvula mitral
também pode ser mais comum.
Estudos do sistema imunológico verificaram ligeiras
diferenças como a diminuição das células exterminadoras naturais. Tendo isso
sido postulado para facilitar a implementação do refluxo endometrial através da
teoria de Sampson, as portadoras não parecem ter uma taxa de câncer mais
elevada ou infecções oportunistas (exceto infecções com fungos menores, ainda
assim questionáveis), que devem acompanhar um sistema imunológico decrépito.
Também, ninguém demonstrou o arsenal competente e
robusto que deveria ocorrer no peritônio de pacientes sem endometriose como
mecanismo do sistema imunológico normal.
Caraca, isso é muita teoria para checar, e ainda nem falei
sobre a especulativa associação entre endometriose e infertilidade. Enquanto
que muitos pesquisadores levantem a mão e falem que é possível que estejam
múltiplas teorias de origem envolvidas na doença, seria legal que uma única teoria
pudesse explicar tudo.
Tentando combinar todos os requisitos descritos em uma
única teoria, a maioria dos teóricos racionais são inevitavelmente conduzidos
ao embrião. Existe sem dúvida algo diferente acerca das portadoras além do fato
de que possuem uma doença pélvica que causa dor. Não será pedir demasiado que
todas essas manifestações ocorram subitamente após a puberdade? Não estaremos
perante algo que surge na concepção? Como poderão todos estes fatores ser
combinados? Vou dar a minha opinião em seguida.
MPE – Metapalasia Padronizada Embriologicamente
No momento da concepção, o óvulo e o espermatozoide se
combinam para formar uma nova massa de DNA destinada a se tornar em um novo ser
humano. Existe um sistema que controla o desenvolvimento do embrião. Esse
sistema é capaz de diferenciar entre os vários tipos de células. Ele controla a
diferenciação e a migração de células para os seus locais apropriados.
Esse sistema de controlo embrionário possui
características semelhantes aos encontrados no sistema imunológico: a capacidade
de distinguir entre tipos de células e de agir sobre essas células de certo
modo.
O DNA de pacientes destinados a desenvolver endometriose
possui códigos genéticos variáveis que irão distribuir curingas - aquelas que
serão no futuro portadoras de endometriose. A curinga mais importante resulta
em uma ligeira alteração no sistema imunológico embrionário que controla a
diferenciação e o desenvolvimento dos órgãos. É essa cartada que determina se uma
mulher será portadora ou não.
Com essas curingas, o sistema de controle imunológico
fetal adquire uma ligeira dificuldade em direcionar as células apropriadas
para a pelve para se que forme o útero.
A diferenciação e migração da genitália interna feminina
geralmente ocorre na superfície posterior da pelve. Nas portadoras, certos
traços de tecido são depositados na superfície posterior da pelve, que ainda
não são endometriose, mas poderão se tornar mais tarde na presença do estímulo
certo.
Isso explica o porquê que a endometriose se encontra mais
frequentemente no Saco de Douglas, ligamentos úterossacros e nos grandes
ligamentos. (Isso não se deve aos efeitos da gravidade como a teoria de Sampson
afirma). Esses traços de tecido envolvem primariamente o peritônio, mas podem
envolver camadas mais profundas de tecido.
Mas as curingas ainda não terminaram. Uma resulta em uma
dispersão maior na distribuição desses traços em áreas mais remotas da pelve,
tais como o diafragma, o trato intestinal, ou mesmo o cérebro.
Outra curinga controla o quão ativo um foco de endometriose será: áreas biologicamente mais ativas são mais prováveis de terem tecido cicatricial e doença profunda, e que também são mais prováveis de causar dor.
Ainda outra curinga determina se a portadora irá
desenvolver prolapso da válvula mitral, artrite reumatoide, adenomiose ou
tumores fibrosos no útero.
Na puberdade, os ovários começam a produzir estrogênio. A
metapalasia (a mutação de um tipo de tecido em outro) está acontecendo como um
procedimento normal da cérvix e, também, em outros locais do sistema genital
feminino como resultado da estimulação hormonal enquanto a menina se torna mulher.
Contudo, o estrogênio está também atuando nos traços de
tecido caprichosos que foram depositados em locais errados na fase embrionária.
Esses tecidos começam a mudar e se tornam endometriose, com vários graus de
distribuição geográfica, atividade biológica e capacidade de invasão que terão
sido pré-determinadas geneticamente quando as curingas foram distribuídas no
momento da concepção.
No começo esses tecidos não possuem cor, mas a passagem do
tempo pode trazer consigo fibroses e cicatrizes em torno deles, o que pode
fazer a cor mudar para amarelo ou branco. Para além disso, a endometriose
segrega uma substância ainda não identificada que destabiliza os capilares
próximos, fazendo com que a cor mude para vermelho ou quase preto. Essa
substância também carrega glóbulos brancos, que podem libertar substâncias
irritantes.
Esse estímulo do estrogênio pode ser aumentado por outras
substâncias encontradas no ambiente que imitam esse hormônio, tais como as dioxinas (toxinas ambientais liberadas na atmosfera depositadas no meio ambiente). Níveis mais elevados de estrogênio podem induzir mais receptores de
estrogênio nos traços metaplásticos, resultando na expressão completa da força
da doença pré-determinada.
Estudos sanguíneos em mulheres adultas com endometriose
podem identificar anormalidades do sistema imunológico que são restos das
ligeiras anomalias do sistema responsável pelo espectro de irregularidades no desenvolvimento associadas com a endometriose. Essas anomalias do sistema imunológico são o eco do “Big Bang” da concepção. Contudo não são um fator
facilitador permitindo a ocorrência de endometriose no adulto por virtude da
menstruação retrógrada.
Mulheres com endometriose pélvica podem desenvolver vários
tipos de dor pélvica. Aquelas com endometriose intestinal ou diafragmática
desenvolvem sintomas intestinais, dor no peito ou no ombro.
Quando a endometriose é excisada cirurgicamente, os traços
de tecido que sofrem metaplasia podem ser removidos totalmente e, nesse caso, a
endometriose não irá ocorrer novamente no mesmo local. Se os tecidos afetados
estiverem mais profundos, a recorrência poderá ocorrer se esses traços não
forem completamente removidos.
A taxa de recorrência, no entanto, é muito menor do que
100% prevista por Sampson, e quando a endometriose é descoberta, é geralmente
muito menor do que a observada anteriormente. Apesar da cura cirúrgica da
endometriose por excisão, algumas pacientes podem ainda desenvolver adenomiose
ou tumores fibrosos e que eventualmente necessitem de tratamento através de
histerectomia.
Outra razão pela qual a teoria de Sampson não faz sentido
é o fato de para alguns homens em idade avançada com câncer da próstata, um dos
tratamentos é a remoção dos testículos e a a aplicação de estrogênio. Isso já
resultou para alguns casos em diagnóstico de endometriose na bexiga masculina
ou na próstata. (Nota da editora: segue os dois textos que falam de endometriose em homens - texto 1 e texto 2)
Isso acontece porque até às 6 a 8 semanas de vida do
embrião, os sistemas genitais masculino e feminino internos existem em todos os
seres humanos. Nos machos genéticos, o sistema feminino deverá retroceder. Isso
nem sempre acontece de forma perfeita.
E aí está. Essa é uma
imagem da endometriose que é certamente mais complexa da que é proposta por
Sampson. Mas uma imagem é tudo o que temos por enquanto. Uma terapia
medicamentosa eficiente para endometriose está a anos-luz se o foco da atenção
continuar a ser dirigido para o refluxo menstrual como sendo a causa. Até lá,
excisão agressiva da endometriose continua a ser a melhor forma de erradicar a
doença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário