domingo, 3 de janeiro de 2016

DAVID REDWINE: MULLERIOSE - A MELHOR TEORIA PARA A ORIGEM DA ENDOMETRIOSE!

No texto de hoje, o cientista americano doutor David Redwine fala, mais uma vez, sobre a teoria que para ele melhor explica a origem da endometriose. É um artigo muito interessante onde ele questiona a real origem da endometriose e nos apresenta dados reais de que podemos, sim, ter endometriose desde o nascimento. Aqui Redwine também fala da questão da infertilidade, grupo o qual menos de um terço das endomulheres estão inseridas. Portanto, esse não é o sintoma mais frequente, e sim, a dor severa, mas mesmo assim ainda é o que mais preocupa as mulheres, principalmente, as mais jovens. Vale ressaltar que se bem excisada e tratada e sendo acompanhada por um bom especialista a infertilidade poderá se tornar algo secundário. Cada caso é um caso, não podemos comparar com aquela que tem endo profunda em vários órgãos, dentre eles, nas trompas e nos ovários (endometriomas). Outro ponto forte é o fato de que a gestação não é um tratamento para a doença. Por isso sempre bato na tecla do fato de a endomulher ser muito bem acompanhada por um especialista que realmente entenda sobre a doença. Leia o texto com atenção. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Mülleriose: a melhor teoria para a origem da endometriose 

A histogênese da endometriose permanece controversa. Acredita-se que nenhuma teoria possa explicar todos os casos de endometriose. Devido aos novos conhecimentos, devemos constantemente questionar as crenças tradicionais. Estudos modernos e a reinterpretação de evidências históricas levam inevitavelmente a um modelo único para explicar a origem da endometriose, que é uma extensão da teoria dos restos embrionários. A esse modelo, sugere-se o termo Mülleriose, já que o termo endometriose é muito limitante. Esse modelo para a doença propõe a sua própria comprovação.

Introdução:

As discussões sobre a origem da endometriose são mais que meras discussões acadêmicas, pois, se sua origem fosse conhecida, poderíamos desenvolver um tratamento racional para a doença. Entretanto, as discussões na literatura mudaram muito pouco nos últimos 60 anos, os proponentes das várias teorias sobre a origem da doença apresentando e reapresentando evidências circunstanciais para embasarem seus vícios de observação.

Técnicas modernas de estudo, como a laparoscopia de contato [2], o mapeamento pélvico [3], as biópsias peritoneais múltiplas[1, 2, 3], e astutas observações clínicas [4] originaram novas informações clínicas e básicas sobre a doença, que até então não eram conhecidas pelos antigos cientistas.

Está claro agora que muitas das manifestações visuais caracterizadas pela cor [2,3] e tamanho [5] das lesões são tão sutis que elas foram sub-diagnosticadas, sem dúvida, tanto no passado como no presente. Isso porque muitos dos antigos trabalhos falam das lesões “negras” ou “em pólvora”, ou de outras manifestações escuras resultantes de hemorragia adjacente às glândulas e estroma endometrióticos. Sabemos agora que as lesões escuras constituem apenas um terço das lesões de endometriose [2] e que lesões tão pequenas quanto 100 μm já foram detectadas. Quando se considera todo o espectro de manifestações da doença, fica claro que a dor é o sintoma mais comum, e que a infertilidade está presente em menos de um terço das pacientes.

...a dor é o sintoma mais comum e ... a infertilidade está presente em menos de um terço das pacientes...

Devido a estas observações, é provável que o entendimento convencional sobre a origem da endometriose seja influenciado por um viés de seleção significativo em dois níveis: seleção de pacientes baseada em um perfil clínico inadequado, e falha na identificação da doença durante a cirurgia.

...o entendimento convencional sobre a origem da endometriose é influenciado por um viés de seleção significativo em dois níveis: seleção de pacientes baseada em um perfil clínico inadequado, e falha na identificação da doença durante a cirurgia...

Na verdade, a endometriose é uma doença predominantemente de mulheres férteis em qualquer idade, que sofrem principalmente de uma dor pélvica não menstrual causada mais comumente por lesões não negras que são facilmente despercebidas, e que não se espalham pela pelve com o passar dos anos. A infertilidade e a dismenorreia são sintomas menos comuns, e que frequentemente não são causados pela endometriose. Há frequentes alterações anatômicas e fisiológicas, mas que não necessariamente resultam da endometriose.

Já que sua origem permanece desconhecida, cada médico que trata pacientes com endometriose é obrigado a considerar o seu próprio modelo de doença para escolher o tratamento. Há muitos tratamentos porque existem muitas teorias para sua origem. Seria imensamente satisfatório se uma única teoria pudesse explicar tudo o que sabemos sobre a doença.

...a endometriose é uma doença predominantemente de mulheres férteis em qualquer idade, que sofrem principalmente de uma dor pélvica não menstrual causada mais comumente por lesões não negras que são facilmente despercebidas, e que não se espalham pela pelve com o passar dos anos. A infertilidade e a dismenorreia são sintomas menos comuns e que frequentemente não são causados pela endometriose.

Mülleriose, o meu melhor modelo para a origem da endometriose, refere-se a um defeito na diferenciação ou migração de qualquer componente celular do sistema de ductos de Müller (nota do tradutor: ductos a partir dos quais se origina todo o trato genital feminino interno, incluindo trompas, útero, e porção superior da vagina), quer seja endometrial, miometrial, tubáreo ou cervical, ou do substrato epitelial celômico do peritônio adulto, do qual originam-se ambos os ductos Müllerianos e o peritônio. O conceito de Mülleriose é uma visão ampliada da teoria dos restos embrionários proposta por Russell [6] e outros. Ela é diferente da teoria da Müllerianose de Sampson, um termo que se refere apenas a elementos endometriais ectópicos que ele considerou, e então descartou [7].

A natureza típica da endometriose de não se espalhar [1] e a sua baixa recorrência após a cirurgia conservadora [8,9,10,11,12] seriam uma consequência natural de um defeito de desenvolvimento presente ao nascimento. Como as vias de diferenciação e migração dos ductos de Müller é caudal em direção ao epitélio celômico dorsal [13,14], não causa surpresa o fato de que as lesões sejam mais comuns na pelve posterior, particularmente o fundo de saco e os ligamentos útero-sacros [15]. Uma vez que seja proposto um defeito na diferenciação ou migração, pode-se explicar a ocorrência da doença em qualquer parte do corpo [15, 16, 17, 18, 19, 20]. A ocorrência no tórax ou braço pode ser explicada pelo fato de que as cristas genitais, das quais se originam os ductos de Müller, estão localizadas bem altas, próxima ao tórax e dos cotos dos braços embrionários [21, 22].

A endometriose na bexiga [23] e próstata [24] do homem é explicada pela desdiferenciação incompleta dos ductos müllerianos durante a vida embrionária. A ocorrência concomitante com outros defeitos estruturais Müllerianos, como a atresia cervical [25], a síndrome do dietilbestrol [26, 27] (nota do tradutor: malformações do trato genital interno causadas pela medicação dietilbestrol, bastante usada no passado), e a síndrome de Rokitansky-Kuster-Hauser [28] (nota do tradutor: ausência congênita do útero e da porção superior da vagina) representa possivelmente uma relação ontológica: o que quer que tenha causado um defeito mesenquimal durante o período embrionário, também causou a migração aberrante das células endometriais, levando à endometriose. O ditado que “a endometriose não se desenvolve na ausência de endométrio” não é uma verdade absoluta [28, 29], e não exclui uma relação ontológica do endométrio com a endometriose.

...o ditado que “a endometriose não se desenvolve na ausência de endométrio” não é uma verdade absoluta [28, 29], e não exclui uma relação ontológica do endométrio com a endometriose...

A associação positiva com as falhas peritoneais [4, 19, 20, 30] possivelmente representa outra relação ontológica, um defeito simultâneo na formação do peritônio pélvico associado a uma migração ou diferenciação aberrante do tecido que se tornará endométrio.

A ocorrência de outros tecidos Müllerianos ectópicos, como cervical, miometrial ou tubário (Figura 1) [31] simplesmente significa que qualquer componente celular Mülleriano está sob risco de diferenciação ou migração aberrante. O tecido que se tornará endométrio (a endometriose) é de longe o mais comum, e o que causa mais sintomas.


Figura 1. Estruturas semelhantes a fímbrias tubárias removidas do ligamento útero-sacro esquerdo

Os vários graus de diferenciação histológica que ocorrem nas lesões e entre elas (Figuras 2 e 3) podem resultar da maturação incompleta durante a embriogênese, ou dos vários (e baixos) níveis de receptores de estrogênio e progesterona presentes nas lesões [32, 22, 34]; eles podem resultar por si só de uma maturação incompleta. Um diagnóstico histológico de “resto glandular mesotelial” pode representar ou uma glândula endometrial seccionada longe do estroma, ou uma forma tênue de endometriose.

Figura 2. Alguns elementos glandulares e estromais são mais diferenciados que outros na observação microscópica

Figura 3. Na endometriose, é possível observar uma variação intralesional na diferenciação. As glândulas e estromas bem diferenciados (esquerda) estão em claro contraste com a aparência esparsa em outra parte da mesma glândula (direita). A área negra no canto inferior representa uma dobra de tecido criada durante o preparo da lâmina. Se o corte tivesse sido realizado apenas sobre o material à direita, não haveria o diagnóstico de endometriose. O diagnóstico poderia ter sido de cisto de inclusão mesotelial
Muitas pesquisas relataram mulheres com endometriose que tiveram filhos, enfraquecendo, portanto a associação entre endometriose e infertilidade (1, 4, 35, 36, 37, 38, 39, 40); não há nenhuma evidência de qualquer efeito benéfico da gravidez sobre a endometriose [41, 42, 43]. Como a endometriose nem sempre é a causa inequívoca da infertilidade, uma explicação alternativa para a infertilidade poderia ser a ocorrência de defeitos estruturais sutis das trompas uterinas durante o período embrionário, que levariam à disfunção tubária ou outras alterações em qualquer lugar da pelve ao nível molecular. Seriam as alterações ovulatórias [44, 45, 46, 47] identificadas nas mulheres com endometriose secundárias à doença, ou poderiam ser uma manifestação de um defeito primário durante a embriogênese? O mesmo questionamento se aplica às alterações imunológicas recentemente observadas no sistema imunológico dessas pacientes [48, 49]. Defeitos tubários como fímbrias acessórias e hidátides são vistas mais comumente em mulheres com endometriose, e podem até mesmo ter uma relação positiva com o lado em que ocorre a doença na pelve.

Os fatos e especulações citados acima enfraquecem vários pilares da teoria de Sampson. Não há provas para a hipótese de que as raras obstruções do fluxo menstrual, como a estenose cervical, predispõem à endometriose pelo aumento do fluxo retrógrado. Além disso, esta hipótese é menos provável do que aquela de que, ambas as obstrução do fluxo menstrual e endometriose, tenham na verdade uma causa em comum durante o desenvolvimento. Não pode mais se dizer que os ovários sejam os locais mais comuns de endometriose porque eles estão mais próximos ao local de refluxo da menstruação. O efeito da gravidade não é mais a explicação mais plausível para a ocorrência da doença na profundidade da pelve. São falsos os conceitos interligados de que a doença inevitavelmente se espalha pela pelve, e que os índices de recorrência após a cirurgia são altos. É errada a noção de que a gravidez protege contra a doença, e ninguém jamais provou que a endometriose tenha um efeito tóxico sobre a gestação. A ideia de que a endometriose se espalha e se implanta na pelve nunca foi provada microscopicamente, e é difícil de acreditar nisso, pois ninguém jamais definiu as lesões de endometriose em camadas, semelhantes àquelas do endométrio. Além disso, as lesões de endometriose não respondem como o endométrio nativo por causa da baixa e variável população de receptores hormonais.

...não há provas para a hipótese de que as raras obstruções do fluxo menstrual, como a estenose cervical, predispõem à endometriose pelo aumento do fluxo retrógrado. Além disso, esta hipótese é menos provável do que aquela de que ambos obstrução do fluxo menstrual e endometriose tenham na verdade uma causa em comum durante o desenvolvimento...


Em adição a esses argumentos contrários à teoria da menstruação retrógrada de Sampson, há um fato que fala ainda mais alto contra ela: ninguém jamais demonstrou provas microscópicas convincentes da adesão e implantação peritoneal da endometriose. Considerando as milhões de pacientes que foram diagnosticadas com a doença, e as milhões de biópsias que foram realizadas, alguém certamente teria encontrado “a lâmina de ouro” demonstrando esse suposto e mais comum modo de origem. Na verdade, o estudo microscópico das pápulas claras, que estão entre as manifestações mais precoces da doença [2], não demonstrou nenhuma evidência de que estas células tivessem se aderido recentemente (Figura 4). Estudos recentes [50, 51] que demonstraram líquido peritoneal sanguinolento durante a menstruação não comprovaram nem a menstruação retrógrada e nem a implantação de endométrio viável, e as pacientes com endometriose não têm um refluxo preferencial de endométrio [52, 53]. Como a teoria de Sampson evoluiu baseada apenas em evidências circunstanciais, a ausência de provas deve ser entendida como uma forte evidência contra ela.

Figura 4. Fotomicrografia de baixa potência de uma pápula clara de endometriose na superfície peritoneal. Não há nada que possa sugerir uma implantação recente ou antiga

Se a endometriose for vista como uma alteração de desenvolvimento que está ontologicamente relacionada a outros defeitos anatômicos e fisiológicos, segue-se então que poderíamos ter evidências para comprovar essa hipótese se examinássemos o peritônio pélvico antes da puberdade (nota do tradutor: período da adolescência onde há desenvolvimento de caracteres sexuais secundário, e no qual está incluído a menarca, ou primeira menstruação).

...considerando as milhões de pacientes que foram diagnosticadas com a doença e as milhões de biópsias que foram realizadas, não é de se esperar que alguém tivesse encontrado “a lâmina de ouro”  demonstrando a adesão peritoneal precoce e a implantação da endometriose?

Relato de um estudo:

Materiais e Métodos:

Já que o mapeamento da pelve demonstrou que o fundo de saco de Douglas (nota do tradutor: na pelve posterior, “atrás” do útero) é o local mais comum onde ocorre a endometriose [1], eu decidi examinar biópsias peritoneais de crianças que morreram por síndrome da morte súbita do infante (SIDS). O laboratório de Oregon é encarregado de investigar as mortes suspeitas, e realiza rotineiramente autópsias em vítimas de SIDS. Os espécimes obtidos continham a face posterior do colo, fundo de saco, e parte do reto unidos pelos ligamentos útero-sacros. Oito amostras foram obtidas deste laboratório, e uma foi obtida com um legista que trabalhava na comunidade.

Em todos os casos, uma lupa magnificadora foi utilizada para examinar o peritônio do fundo de saco. Em um caso, foi identificada uma placa esbranquiçada e fina de aproximadamente 200 μm de diâmetro. Ela foi retirada, fixada em formol e corada com hematoxilina e eosina para avaliação microscópica.

Resultados:

O achado microscópico da placa encontrada em um bebê de dois meses de idade demonstrou uma estrutura glandular, achatada, com epitélio bem definido, e circundada por possível estroma endometrial (Figura 5).

Figura 5. Fotomicrografia de alta potência de uma lesão glandular encontrada no fundo de saco de um bebê de dois meses de idade

Discussão:

Estudos modernos e a reinterpretação da literatura sobre a endometriose levaram a um modelo de origem da doença na qual poderíamos supor que ela estivesse presente já ao nascimento, e muito provavelmente encontrada no fundo de saco. A evidência acima suporta esta hipótese. Outros investigadores não encontraram tais evidências no feto {21, 22, 54], apesar de não ter ficado claro de quão frequente e próximo o fundo de saco foi examinado (nota do tradutor: pelo menos três estudos subsequentes publicados após esse artigo já demonstraram a presença de endometriose em fetos (nota da editora: leia nossos textos sobre endometriose em fetos: texto 1, texto 2 e texto 3). Ninguém sabe como se pareceria microscopicamente à endometriose em bebês. Apesar dos fetos serem expostos ao estrogênio materno através da placenta, essa exposição pode não ser o suficiente para que células estromais atinjam características identificáveis. Além disso, não há dados sobre a presença de receptores hormonais nestas áreas nos bebês.  Portanto, o tecido encontrado nesse estudo pode ou não representar endometriose. Entretanto, a interpretação é provocativa e sugere a necessidade de mais estudos sobre o peritônio pélvico posterior de meninas antes da menarca, seja durante uma autópsia ou durante uma cirurgia.  Até que isso seja realizado, haverá controvérsias sobre a origem da endometriose.

Apesar do achado de elementos glandulares sugestivos de endometriose em crianças suportarem a hipótese de uma origem embrionária, a metaplasia (nota do Tradutor: transformação de um tipo celular em outro tipo celular) ainda poderia explicar a origem da endometriose, apesar de certos pré-requisitos serem necessários: algumas áreas predeterminadas da pelve deveriam, de alguma maneira, ser selecionadas para passarem por metaplasia, e as extensões dessas áreas deveriam ser semelhantes e relativamente constantes em todas as faixas etárias.

Apesar de haver o relato de possível metaplasia em uma paciente [29], a suposta metaplasia que foi ilustrada poderia representar uma diferenciação embrionária que foi interrompida, e as invaginações da superfície ovariana ilustradas podem simplesmente representar uma das muitas formas da endometriose, ao invés de um tipo de metaplasia.

Um filtro de Millipore preenchido com fragmentos de endométrio foi implantado de forma autóloga em coelhos, e resultou na indução de elementos glandulares ao longo do filtro [55]. Este achado não pode ser interpretado como uma prova de metaplasia, já que não ficou claro se os filtros ilustrados foram resultados de implante (seja no fundo de saco, ligamento largo ou parede abdominal anterior), ou se os elementos glandulares representam claramente endometriose.

O conceito de Mülleriose não tenta explicar a implantação cirúrgica da endometriose [56, 57, 58]. Esses casos não provam a implantação sobre o peritônio ou qualquer outro local além do local cirúrgico, já que uma cicatriz cirúrgica é essencialmente diferente do peritônio.

Não há evidências na literatura que comprovem uma implantação endometrial precoce. Para ser convincente, tal evidência deveria demonstrar claramente a aderência dos fragmentos endometriais na superfície peritoneal, sem a penetração. A natureza da adesão, seja fibrosa ou outra, pode ser esclarecida pelo uso da microscopia eletrônica. Além da aderência, a penetração deve ser demonstrada. Sem tal evidência, a teoria da implantação permanecerá como um moinho de vento ginecológico pelo qual sucessivas gerações de teóricos irão lutar. Nova evidência para suportar a teoria de origem embriológica da endometriose
Esse artigo foi originalmente publicado em novembro de 1988. Agora, quase um quarto de século depois, a questão pertinente é se pesquisas recentes suportam a teoria da Mülleriose como o melhor modelo para explicar a origem da endometriose.

Uma sugestão desse artigo foi a realização de pesquisas sobre o peritônio pélvico posterior em meninas antes da menarca, seja durante uma cirurgia ou uma autópsia. Apesar de nenhum estudo semelhante ter sido realizado até o momento, Ebert e colaboradores [59] descrevem um caso de endometriose confirmada por biópsia em uma porção à direita do fundo de saco de Douglas e do ligamento útero-sacro direito em uma garota de 9 anos que nunca tinha menstruado, que tinha uma dor pélvica cíclica sem causa aparente. Além disso, os resultados de uma série inicial de nove fetos femininos foram posteriormente confirmados em uma série de 101 autópsias de fetos humanos femininos, nos quais houve a confirmação de endometriose em 11 deles [60]. Assim como no trabalho inicial, a localização e o padrão da endometriose, e a taxa de recorrência, se parecem fortemente com os padrões da doença em adolescentes e mulheres adultas.

Nota do Tradutor: a comprovação da origem da endometriose é, indiscutivelmente, o fator mais importante para que haja avanços em seu tratamento. Perdemos praticamente um século atados à teoria da menstruação retrógrada, e, infelizmente, parece que esse nó não irá se desfazer a curto prazo. Continuarmos acreditando que a endometriose é causada pela menstruação significa não resolvermos o sofrimento de milhões de mulheres ao redor do mundo, além de desperdiçarmos esforços e dinheiro em tratamentos paliativos.

Nesse artigo, o Dr. David Redwine, com sua grande experiência cirúrgica e o seu típico questionamento dos fatos, nos propõe que enxerguemos a endometriose como uma doença presente desde o nascimento, de origem embrionária. Na realidade, essa teoria, posta de maneira semelhante, mas não exatamente igual, antecede a teoria da menstruação retrógrada proposta por Sampson em 1927. O Dr. Redwine nos coloca essa teoria reformulada 25 anos antes dos primeiros relatos de endometriose em fetos, o que recentemente tem reforçado a hipótese. Entender essa teoria, bem como os seus desdobramentos, torna-se obrigatório para que tenhamos avanços reais no tratamento da endometriose.

Outro fato a se destacar nesse artigo é a observação do Dr. Redwine de que menos de um terço das mulheres com endometriose pode ter infertilidade. A dificuldade para engravidar costuma ser a maior preocupação da mulher com endometriose, mesmo que ela eventualmente tenha dor severa. Com o avanço do diagnóstico, haverá cada vez mais mulheres que receberão o diagnóstico da endometriose antes que considerem ter filhos, mesmo na adolescência, o que pode gerar preocupações sobre seu futuro reprodutivo.

Devemos entender que ter endometriose não é sinônimo de infertilidade. Assim, nós médicos não deveríamos recomendar às mulheres com endometriose que mudem seus planos reprodutivos e antecipem uma gravidez devido à doença, ainda que não estejam preparadas. O planejamento reprodutivo é íntimo e pessoal. Como médicos, devemos informar as mulheres sobre todos os fatores que podem influenciar negativamente suas chances reprodutivas, o mais importante deles sendo, indiscutivelmente, a idade em que buscará a gestação. Com informações corretas, incluindo aquelas sobre a endometriose, as escolhas tornam-se mais fáceis.

3 comentários:

  1. Excelente leitura!
    Muito interessante do ponto de vista de explicações tão diferentes das teorias ou suposições anteriores para a endometriose.
    Não sei porque, mas sempre senti que o meu histórico dessa doença tem raízes com a minha vida desde sempre (sentimento que se externava na minha não vontade de engravidar, ser mãe, etc; nunca tive essa necessidade). Tudo isso é muito intuitivo, claro! Mesmo assim, gostei de ter essa informação de que a endometriose pife ter sua causa numa má formação genética.
    Continuarei acompanhando os artigos publicadi publicadoss nesse blog.
    Grande abraço!

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  2. Olá, Carol! Meu nome é Helena, sou sua conterrânea. Comecei a ler o seu blogue no dia 16 de dezembro - até a primeira postagem, comentários, inclusive - e terminei na passagem para o ano novo. Foi bastante cansativo. Chorei muitas vezes. Mas foi ótimo. E a minha maior surpresa foi constatar o quanto as suas postagens foram melhorando com o tempo, mesmo após a sua última cirurgia e fim da sua dor. Não há demonstração maior do quanto a sua vontade em ajudar as mulheres com endometriose é autêntica e merecedora de reconhecimento e gratidão. Recebi o diagnóstico definitivo da endometriose agora em dezembro. Os exames indicam que a doença acometeu o útero, os ovários (endometriomas que variam de 5 a 11 cm), ligamentos úterossacros, FSP, ureter, reto e sigmoide. Os ovários estão colados no útero e tudo no intestino. O médico sugeriu que eu lesse sobre o assunto e é o que tenho feito desde então. Parabéns pelo ótimo trabalho. Um abraço.

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