Em mais uma tradução do médico e cientista americano, David Redwine, é de suma importância aqueles que querem entender as várias manifestações da endometriose. Infelizmente a doença pode atingir qualquer órgão do corpo feminino e hoje vamos saber mais sobre a endometriose diafragmática, seus sintomas e como tratar. Não podemos dizer que esse tipo de endometriose é raro, hoje não é mais, infelizmente, ela está cada vez mais comum. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Por doutor David Redwine
Tradução: Alexandre Vaz
Edição: Caroline Salazar
Endometriose Diafragmática – Semelhante, mas diferente
Esse artigo foi escrito e publicado no início dos anos 1990. Na época, a
excisão de doença diafragmática era feita rotineiramente via laparotomia (uma
incisão grande, ao invés da cirurgia minimamente invasiva). Mais de 20 anos depois,
contudo, as técnicas cirúrgicas evoluíram, e a doença diafragmática é hoje
removida rotineiramente via laparoscopia e toracoscopia.
A endometriose geralmente ocorre na pelve, mas em casos raros foi reportada
em outras áreas do corpo. Já foram, inclusive, registados casos em homens.
Mesmo se a endometriose existir longe da pelve, ela compartilha semelhanças com
a doença pélvica. Quando a doença sintomática ocorre em outras áreas do corpo,
o principal sinal de alarme é a dor.
Tal como a dor pélvica com endometriose, a dor pode estar presente por
todo o mês e pode ser agravada pelo fluxo menstrual ou por movimento de
estruturas próximas. Prestando atenção a essas semelhanças genéricas da
endometriose, isso pode ajudar os clínicos a pensar no diagnóstico em
diferentes locais do corpo, incluindo o diafragma.
O diafragma é um músculo bastante fino que parece uma tigela que usamos
no café da manhã para comer cereais, mas virada de ponta cabeça. Ele separa a
cavidade torácica da cavidade abdominal e tem a sua ligação no fundo das costelas.
Existe uma metade esquerda e uma metade direita. A parte anterior da metade
direita está escondida por trás do fígado.
O diafragma é abastecido pelo nervo frênico e é o músculo mais
importante usado na respiração. Ele é de interesse principalmente para
cirurgiões gerais, que são chamados a reparar estruturas do diafragma
resultantes de trauma, ou para reparar hérnias hiatais, entre outros. Os
ginecologistas têm noção do diafragma, mas como o diafragma não engravida,
geralmente não prestam muita atenção nele.
Contudo, a endometriose pode ocasionalmente afetar o diafragma, então,
os ginecologistas não podem ignorar completamente a sua existência. Durante a minha
carreira vi uma série de pacientes com endometriose diafragmática espalhados
pelo mundo inteiro.
Cada paciente tem uma história muito semelhante. Todas passaram por
vários tratamentos conhecidos para endometriose pélvica, mas apenas uma tinha
recebido um diagnóstico para endometriose diafragmática por laparoscopia.
Existem vários motivos para isso.
A maioria dos ginecologistas não foi treinada para olhar para o abdômen
superior durante uma laparoscopia pélvica. Afinal, ginecologistas não são
treinados para fazer cirurgia no abdômen superior, então é compreensível que
muitos não olhem para onde não conseguem tratar.
Adicionalmente, em muitas portadoras a dor pélvica começou muito antes
da dor relacionada com a doença diafragmática, então, o cirurgião pode não ter
motivos para suspeitar de algo no abdômen superior.
Cada paciente reporta um começo gradual (ao longo de vários meses ou
anos) de dor no ombro direito associada com o fluxo menstrual. A dor era
descrita como vinda de dentro do ombro e em parte irradiando para o lado
direito do peito. A dor espalharia pela parte superior do braço direito e
também um pouco pelo pescoço, como resultado de tensão muscular em resposta à
dor.
Uma paciente descreveu a dor como sendo semelhante a dor profunda no
peito que se sente quando corre bastante. Várias pacientes descreveram
dificuldade em dormir em certas posições, sendo ocasionalmente acordadas pela
dor.
Uma paciente não conseguia dormir deitada por conta de dor severa e
descobriu que conseguia um alívio parcial dormindo sentada na poltrona com gelo
aplicado no ombro. A maioria das pacientes eventualmente começaram a
experimentar uma baixa da dor durante o mês. Outra paciente tinha recebido
várias rondas de terapia medicamentosa dirigida à sua doença diafragmática,
incluindo Danazol (indutor de menopausa) e um hormônio liberador de
gonadotrofina.
Ela também tinha tentado fulguração via laparoscopia (nota do
tradutor: processo em que é usada uma faísca elétrica para destruir o
tecido que contém a lesão) no diafragma, mas mesmo assim a dor dela continuou.
Nenhuma das outras tinha recebido diagnóstico ou tratamento para endometriose
diafragmática.
Quando o doutor Sharpe e eu realizamos cirurgia nessas pacientes para a doença
diafragmática, começamos com laparoscopia segundo o procedimento tradicional,
fazendo a inserção no umbigo. Em todas as pacientes observamos pequenas lesões
que poderiam ser endometriose na parte visível do lado direito do diafragma em
frente ao fígado.
Contudo nós tínhamos suspeitas de que essas pequenas lesões não estavam
causando todos esses sintomas, e para certificar, inserimos um segundo laparoscopo
no lado direito da parte superior do abdômen, junto da parte inferior das
costelas. Isso nos permitiu ver por trás do fígado. E lá estava. Cada paciente
tinha uma área feia de doença invasiva, instalada bem atrás do fígado onde não
tínhamos conseguido ver com o primeiro laparoscopo. (Ver as figuras 1 a 5 de
endometriose superficial e invasiva no diafragma, e a cirurgia necessária para
a sua remoção.)
Figura 1: Lesão superficial de endometriose diafragmática |
Figura 4: O diafragma após excisão de endometriose com penetração completa
|
Nós tivemos de abrir a primeira paciente para completar a cirurgia, e
tivemos de abrir as outras quatro também. Com cirurgia aberta, o fígado pode
ser afastado do caminho, uma porção do diafragma removido e depois reparado com
segurança através de sutura. Todas as cinco pacientes obtiveram alívio da dor
no ombro direito após a cirurgia, e nenhuma referiu qualquer dificuldade na
respiração.
Raios-X pós-operatórios e fluoroscopia nas nossas duas primeiras
pacientes estavam normais, e por esse motivo não nos sentimos impelidos a
checar as seguintes. A nossa primeira paciente voltou alguns meses depois com
endometriose diafragmática no lado esquerdo (estivemos tão focados com a
natureza da dor do lado direito que não verificámos direito o lado esquerdo do
diafragma).
Aprendemos várias coisas sobre a endometriose diafragmática com tudo
isso.
1- Suspeitar de endometriose diafragmática com base na dor do lado
direito ou esquerdo que poderá estar associada ao ciclo menstrual;
2 - Usar o laparoscopo para olhar ambos os lados do diafragma de forma
tão completa quanto possível. Ainda que o cirurgião detecte uma lesão de
endometriose que não se sinta capaz de remover nessa ocasião, pelo menos terá
feito o diagnóstico;
3 - Se for detectada uma pequena lesão diafragmática, ela poderá ser uma
lesão “sentinela”, e portanto, apenas a ponta do iceberg. A maioria da doença
poderá estar escondida atrás do fígado e o diagnóstico correto requer um
segundo laparoscopo inserido mais acima no abdômen;
4. Vaporização a laser ou eletrocoagulação de uma pequena porção visível
poderá tratar apenas uma fração do foco. Já que a doença que parece ser
sintomática sempre envolve a espessura completa do diafragma, seria necessário
queimar até o outro lado através do diafragma com laser ou eletrocoagulação
para tratar o foco totalmente. Isso implica risco aos pulmões e até ao coração,
e o cirurgião ainda acaba com um buraco no diafragma que precisa ser fechado;
5. O laparoscopo é inadequado para tratar endometriose diafragmática. É
necessário recorrer a laparotomia.
Atualização sobre endometriose diafragmática (Março de 2013)
O artigo acima foi escrito no início dos anos 1990. As coisas sofreram
alguma evolução desde então, por isso, aqui está uma atualização sobre a gestão
da endometriose diafragmática.
95% dos casos ocorrem no lado direito devido a padronização embrionária.
Os sintomas mais comuns são dor no ombro e peito direitos, que pode irradiar
para o pescoço e para a parte superior do braço. A dor começa a aparecer antes
e durante a menstruação, mas em algumas portadoras ela pode envolver o mês
inteiro, embora continue com um agravamento nos dias da menstruação.
Algumas pacientes precisam dormir sentadas e a respiração pode ser
dolorosa quando a dor é mais intensa. Terapia medicamentosa geralmente falha –
isso não constitui surpresa.
Quando a endometriose diafragmática é sintomática, ela sempre atravessou
a espessura do diafragma na totalidade, o que não é difícil, pois a espessura é
em torno de 1/8 de polegada (cerca de 3,2 milímetros).
Endometriose sintomática sempre é descoberta na margem posterior do
diafragma, onde o fígado fica junto do diafragma. Essa é uma área que nem
sempre pode ser observada com um laparoscopo inserido no umbigo, então fica
fácil que passe despercebida.
Outra coisa que pode confundir o diagnóstico é o fato de algumas
portadoras tendo doença invasiva no
diafragma posterior poder ter pequenas lesões superficiais “sentinelas” na
parte anterior do diafragma, que podem ser vistas pela entrada umbilical.
O cirurgião poderá pensar que isso representa a totalidade da doença, e
pode até excisar essas pequenas áreas pensando que é tudo o que existe. Quando
a portadora continua reportando dor, isso deixa todo mundo confuso. A melhor
forma de ver a parte posterior do diafragma é inclinar a mesa operatória para
que os pés fiquem para baixo (isso permite que o fígado caia um pouco, ficando
afastado do diafragma o suficiente para que a parte traseira possa ser
visualizada mais facilmente) e inserido um laparoscopo de 5mm no espaço
intercostal do lado direito, para que possa passar por cima do fígado,
permitindo a visualização da parte posterior do diafragma.
A resseção de endometriose diafragmática sintomática sempre exige
resseção da espessura completa, o que pode ser feito através de laparotomia ou
laparoscopia. O truque para operar laparoscopicamente é colocar a portadora na
posição decúbito lateral esquerda (deitada sobre o lado esquerdo) já que isso
permite que a gravidade afaste o fígado do diafragma.
A função diafragmática é normal na maioria das portadoras após cirurgia,
embora ocasionalmente uma portadora possa ter função reduzida por alguns meses
até que ocorra re-enervação. Essa função reduzida temporariamente é raramente
notada pela paciente, e dado que elas estavam incapacitadas por uma das funções
mais importantes do corpo humano, esse é com certeza um pequeno preço a pagar.
Os resultados da cirurgia são espetaculares – alívio completo dos
sintomas em mais de 90% dos casos, parcial nos outros, e nenhuma falha. O
alívio parcial pode estar relacionado com a formação de aderências entre o
diafragma e o fígado, ou a áreas de penetração completa que ocorrem mais no
canto do diafragma atrás do fígado.
Essa área é visível através do buraco no diafragma antes de ser
suturado e a endometriose ser resseccionada através do buraco ao operar no
tórax. Um pequeno dreno deve ser deixado para escoar fluídos que podem acumular
durante o processo de cura, de contrário a paciente poderá ter um colapso
parcial do pulmão devido a acumulação de fluido, e então terá de ser
encaminhada para a radiologia, para que um radiologista instale um dreno.
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