Figura 1. Pápulas claras de endometriose no fundo de saco de uma paciente que havia sido submetida à uma laparoscopia “negativa” (normal). À esquerda está um aspirador cirúrgico. |
Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
A evolução da cor da endometriose
relacionada à idade
A endometriose é diagnosticada microscopicamente por um
patologista que estuda o tecido que foi retirado da pelve por um cirurgião. Os
olhos do cirurgião são o único fator determinante do que é retirado, portanto é
importante a identificação de toda a doença. Há um entendimento crescente, mais
ainda não disseminado, de que a endometriose tem aparências diversas. Como a
descrição morfológica da endometriose historicamente tem sido feita em termos
de cor (i.e., a lesão “negra em pólvora”), este estudo busca estimar a
prevalência e caracterizar qualitativamente as várias lesões de endometriose em
função de sua cor, e comprovadas por biópsia.
Materiais
e Métodos
Entre 137 pacientes com endometriose, a laparoscopia com
múltiplas punções de quase-contato ou a investigação meticulosa durante
laparotomia, ocasionalmente auxiliada pelo microscópio operatório, permitiu que
anormalidades peritoneais fossem identificadas e removidas, não importando a cor
ou tamanho destas. Algumas pacientes tiveram até dez amostras submetidas para
estudo por patologistas certificados. A endometriose foi diagnosticada pela
presença de glândula e estroma endometriais. Foram anotadas as cores dominantes
durante a primeira impressão, para cada paciente. A terminologia incluiu as cores
clara, vermelha, amarela, branca, azul, cinza, e negra.
Resultados
Em relação às cores das lesões de endometriose comprovadas
por biópsia nestas 137 pacientes, 82 (60%) tiveram lesões negras. Entretanto,
91 (66%) tiveram lesões de outras cores, indicando que a lesão preta não é a
lesão mais comum. Quarenta e oito pacientes (35%) tiveram apenas lesões negras,
enquanto 55 (40%) não tiveram nenhuma lesão negra. Quarenta e quatro pacientes
(32%) tiveram lesões de mais de uma cor. Quando as lesões foram agrupadas pelas
cores mais frequentemente encontradas (clara, vermelha, branca, todas não-negras,
e negras) e pela ocorrência dessas cores com qualquer outra cor, e então
ordenadas em função do aumento da idade média das pacientes com lesões de cores
semelhantes, observou-se uma evolução na aparência das lesões relacionada ao
avanço da idade (tabela 1).
Tabela 1. Evolução da cor da endometriose
Aparência
e cores Pacientes Idade
média Idade em anos
Pápulas claras apenas 6 21.5 ± 3.5 17 - 26
Pápulas claras e outras
lesões claras 8 23.0 ± 4.0 17 - 28
Claras e quaisquer outras 14 23.4 ± 4.7 17 - 31
Vermelhas apenas 16 26.3 ± 5.4 16 - 38
Vermelhas e quaisquer outras 22 26.9 ± 5.7 17 - 43
Todas não-negras 55 27.9 ± 7.2
17 - 42
Brancas e quaisquer outras 24 28.3 ± 6.9
17 - 43
Negras e quaisquer outras 34 28.4 ± 5.8
17 - 43
Brancas apenas 8 29.5 ± 5.9 20 - 39
Negras
apenas
48 31.9 ± 7.5 20 - 52
O número de total de pacientes excedeu 137 porque
pacientes com lesões de mais de uma cor estão listadas em mais de uma
categoria. As cores “cinza”, “azul”, e “amarela” não estão listadas
separadamente devido ao pequeno número. Elas estão incluídas com as outras
cores onde apropriadas sob “quaisquer outras”.
Discussão
As manifestações visuais da endometriose são variadas e
multiformes. Os elementos glandulares em si são bem pequenos e frequentemente a
cor visualizada durante a cirurgia é devido à fibrose (dando origem a muitas
das lesões amarelas e brancas) e hemorragia (resultando em muitas lesões
vermelhas).
... os
elementos glandulares em si são bem pequenos e frequentemente a cor visualizada
durante a cirurgia é devido à fibrose e hemorragia...
Se as glândulas da endometriose são iguais àquelas do
endométrio nativo, elas não secretam sangue. Espaços ou tecidos humanos que não
têm sangue são tipicamente claros ou brancos (como a córnea, ou uma extremidade
desvascularizada), já que a presença de sangue é um dos principais
determinantes da cor do tecido. Isso explica o conceito das lesões claras
(ver figura 1 no início do texto).
Muitos artigos antigos sobre a endometriose avaliaram pacientes
por volta dos 30 a 40 anos. Este estudo mostra que, nessa faixa etária, é a
lesão negra que predomina. Isso pode
explicar porque a lesão negra tem sido reconhecida como a manifestação clínica
predominante ao longo de décadas.
Os médicos que falham em diagnosticar a doença sutil em
uma oportunidade podem ser recompensados mais tardiamente com a mesma paciente
ao encontrarem uma doença “típica” ou em “pólvora negra”. A impressão clínica resultante
é que uma doença “nova” ou “recorrente” surgiu, quando na verdade houve talvez uma
evolução natural na aparência da lesão, como implícito pelos achados desse
estudo.
Poucos autores se atentaram à variedade de aparências sutis
possíveis com a endometriose (1,2), e Jansen e Russell (3) articularam o
conceito de uma doença não pigmentada e não reconhecida associada com
infertilidade “sem causa aparente”. Eles estudaram as diferenças entre biópsias
de lesões não pigmentadas de mulheres inférteis, enquanto o presente estudo
avaliou todas as aparências das lesões em pacientes consecutivas. Durante o
estudo, mais de 50% da experiência cirúrgica do autor e mais de 90% das
biópsias obtidas no grupo de estudo estiveram associadas à endometriose,
indicando que os resultados foram obtidos por inspeção meticulosa e biópsias
vigorosas.
Há uma consistência interna neste estudo pois todas as
categorias de cores foram propostas pelo autor. Mais importante que a opinião
do autor sobre a cor da lesão, entretanto, é o fato que a endometriose tem uma
variedade de aparências que podem passar despercebidas pelos cirurgiões que
usam a laparoscopia panorâmica para procurarem lesões negras principalmente.
Este simples estudo não ilustra por completo as nuanças da aparência da
endometriose, mas apresenta uma impressão das características visuais que são
vitais para o diagnóstico, tratamento, e estudo da doença.
O princípio que deve guiar o cirurgião pélvico deve ser
este: qualquer anormalidade no peritônio pélvico, não importa o quão pequena, o
quão sutil, ou de que cor que seja, deve ser considerada endometriose até que se
prove o contrário pela biópsia excisional.
... o
princípio que deve guiar o cirurgião pélvico deve ser este: qualquer
anormalidade no peritônio pélvico, não importa o quão pequena, o quão sutil, ou
de que cor que seja, deve ser considerada endometriose até que que se prove o
contrário pela biópsia excisional....
Sumário
A endometriose apresenta lesões com uma grande variedade
de cores, a maioria delas não-negras, e facilmente despercebidas a não ser que
seja realizada uma inspeção meticulosa para identificar lesões pequenas ou não
hemorrágicas. Pode haver uma evolução na cor da lesão relacionada à idade, que
resulta em conclusões errôneas sobre a história natural da doença. Este estudo
confirma e expande o conceito de aparência não hemorrágica da endometriose
apresentado por Jansen e Russell [3].
Nota do tradutor: Nossos olhos e mente são treinados para enxergarem apenas aquilo que já
conhecemos previamente. Se não conhecemos a endometriose, não a enxergaremos. E
essa é a principal dificuldade no entendimento da endometriose: enxergá-la.
Neste
artigo, o Dr. David Redwine demonstra de maneira simples que a endometriose
peritoneal tem várias aparências, principalmente as lesões não-negras. Essas
lesões apenas serão identificadas por uma meticulosa inspeção, e por médicos
que já as conhecem previamente.
Se
por um lado as lesões negras de endometriose são facilmente identificadas pelos
médicos, são poucos os que reconhecem os outros tipos de lesões. E isso
contribui para o entendimento secular, possivelmente equivocado, de que a
endometriose seja recorrente, quando na maioria das vezes ela é
simplesmente persistente.
Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus interesses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e Professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta).
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