A lei 1.111/16 que institui a primeira “Semana Estadual de Educação Preventiva e de Enfrentamento à Endometriose" do Brasil |
Um ano atrás conheci a advogada Nathalia, de Boa Vista, Roraima. Nathalia entrou em contato comigo questionado a respeito do que estava sendo feito no âmbito de direitos legais das portadoras e ofereceu ajuda de sua mãe, a deputada estadual Lenir Rodrigues, do PPS, para contribuir no que fosse preciso. Coincidentemente nesta mesma época elas estavam em São Paulo. Assim como milhares de endomulheres, que precisam sair de suas cidades em busca de tratamento especializado em grandes centros, Nathalia também estava na capital paulista para este fim. Marcamos um almoço e lá fui eu conhecê-las e constatar mais uma história de negligência e diagnóstico tardio pela falta de conhecimento dos médicos quanto aos sintomas da doença. De Norte a Sul do país os médicos ainda acham que cólica incapacitante ainda é normal. Nathalia tem muitos dos sintomas da doença desde seus 11 anos, mas só foi diagnosticada aos 23 anos, após uma cirurgia de retirada de um endometrioma (Leia o texto "O verdadeiro significado do endometrioma de ovário").
Foi um encontro fantástico, com trocas de ideias e a certeza de que ali no extremo norte do Brasil sairia a 1ª lei estadual da endometriose. A mãe de Nathalia já faz trabalhos social sobre outras doenças, como o câncer de mama, e também na área da educação à população mais carente. Ela quis ouvir atentamente as reivindicações do A Endometriose e Eu e nossa luta pelo reconhecimento da doença como social. Neste mesmo dia Nathalia mostrou interesse em levar a EndoMarcha (saiba as 13 cidades inscritas e faça seu cadastro aqui) a Boa Vista e assumiu a coordenação da marcha na cidade. Comprometi a ajudá-las e foi ótimo estar diretamente ligada à criação de uma lei onde pudemos expor de maneira correta questões importantes sobre a doença. O nosso colaborador, o ginecologista e especialista em endometriose,doutor Alysson Zanatta, de Brasília, foi o responsável pela parte técnica da doença, para que não houvesse os mesmos erros da de Campo Grande.
Para inspirar a criação de novas leis no Brasil fiz uma entrevista exclusiva com a deputada Lenir Rodrigues, do PPS, onde ela fala sobre a importância de se ter a "Semana Estadual de Educação Preventiva e de Enfrentamento à Endometriose" em outras cidades e estados, do reconhecimento da doença como social no país, o que precisa ser feito para mudar a realidade das mais de 6 milhões de endomulheres e a importância do engajamento de movimentos vindos da sociedade civil, como a EndoMarcha e o blog A Endometriose e Eu, e das informações disponíveis virtualmente. Beijo carinhoso!
Entrevista por Caroline Salazar
- Como a deputada tomou conhecimento da endometriose?
Deputada Lenir Rodrigues: Tive
conhecimento da endometriose por meio da minha filha, quando foi me informar
que estava com esse diagnóstico. Nunca tinha sequer ouvido falar. E ela
aprendeu muito sobre a doença e seus sintomas no blog A Endometriose e
Eu.
- Qual a importância de se estabelecer a Semana de Conscientização da
Endometriose?
Deputada Lenir Rodrigues: É muito importante
termos em todos os Estados do Brasil, a Semana Estadual de Educação Preventiva
e de enfrentamento à Endometriose para que a população possa tomar conhecimento
dos sintomas da Endometriose e possa ter a capacidade de identificar e prevenir
maiores sofrimentos para quem adquire a endometriose.
- Roraima é um estado que ainda não tem tratamento especializado pelo
SUS. A senhora acha que a lei número 1.111/16 que institui a “Semana Estadual
de Educação Preventiva e de Enfrentamento à Endometriose” poderá mudar esta
realidade?
Deputada Lenir Rodrigues: A Lei
1.111/16 é uma ferramenta de cobrança aos poderes, órgãos e instituições para
que se fale sobre os sintomas da endometriose, sobre a disponibilidade de
tratamento público, sobre o investimento nos profissionais da saúde sobre como
informar, acompanhar e tratar pacientes com endometriose.
- A deputada tem um vasto trabalho na área saúde da mulher e da
educação. O que a senhora enquanto autora da lei e presidente da Procuradoria
Especial da Mulher pretende fazer para conscientizar as mulheres do Estado
sobre a doença?
Deputada Lenir Rodrigues: A
Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa irá apoiar a primeira
edição da EndoMarcha em Roraima, a quarta já realizada no Brasil que ocorrerá
dia 25 de março de 2017. Além, da produção e divulgação dos Objetivos da Marcha
e da “Semana Estadual de Educação Preventiva e de Enfrentamento à
Endometriose”. Será um momento ímpar em Roraima, como processo educativo sobre
a doença.
- Qual a importância de ter políticas públicas para as mais de 6 milhões
de endomulheres?
Deputada Lenir Rodrigues: É de
fundamental importância termos políticas públicas para as endomulheres para que
elas possam principalmente ter acesso à informação, para evitarem serem
mutiladas (perdendo seus órgãos reprodutivos) e na maioria das vezes sem
necessidade por ausência de formação profissional específica aos profissionais
de saúde, ausência de serviços públicos de cirurgia por videolaparoscopia nas localidades e
outros fatores, como exemplos do que acontece, em um lugar distante como
Roraima.
- Uma das missões do blog A Endometriose e Eu é o
reconhecimento da endometriose como uma doença social e de saúde pública pelo
governo federal para que as portadoras tenham o mesmo direito perante a lei
como qualquer outro portador de doenças crônicas. Como a deputada vê a
importância desse reconhecimento?
Deputada Lenir Rodrigues: A Lei 1.111/16 veio com esse propósito de dar um GRITO NO
ESTADO DE RORAIMA que a Endometriose é uma doença social que precisa ser
identificada, que precisamos conhecer os rostos das mulheres que sofrem no
anonimato e não tem acesso aos serviços públicos de saúde, porque não temos
medicina especializada na área nos lugares de difícil acesso. Mas, com a
globalização da informação, as mulheres mais simples podem conhecer os sintomas
da doença e como eu, ter acesso à informação foi um grande passo para diminuir
o sofrimento da minha filha e de outras mulheres que já conseguimos
identificar. O blog A Endometriose e Eu foi fundamental para o
acesso à informação que temos hoje.
Deputada Lenir Rodrigues: Precisa de uma ação mais
enérgica no Congresso Nacional para inserirmos a Endometriose como pauta para
que o Ministério da Saúde estabeleça Resoluções e Portarias que foquem recursos
públicos na pesquisa, estudo e formação de profissionais, e principalmente, no
tratamento das vítimas, sim... vítimas de ausência de tratamentos adequados e
acessíveis para endometriose.
- A seu ver o que falta para a doença ser levada mais a sério por
profissionais de saúde?
Deputada Lenir Rodrigues: Investimentos por parte do
Ministério da Educação em pesquisa, nos cursos de Biologia (onde estão os
melhores pesquisadores do mundo em saúde pública), na Psicologia, na Enfermagem
e na Medicina. Se os médicos, psicólogos e enfermeiros saem da Universidade sem
JAMAIS terem ouvido falar de como se trata uma paciente com endometriose...
Dificilmente o tratamento será adequado.
- Soube que a governadora vetou a lei em primeira instância. Por que
isso aconteceu?
Deputada Lenir Rodrigues: Foi muito triste saber que o
Estado de Roraima tem a única governadora do país. Mas, creio que foi por
motivações políticas, porque exerço um mandato popular em oposição ao governo.
Porém, os deputados derrubaram o veto e a Lei foi sancionada e promulgada. O
projeto de Lei foi apresentado como autorizativo (o poder executivo aplica a
lei se quiser) mas, nada impede que órgãos de outros poderes (legislativo e
judiciário) ou instituições privadas possam realizar atividades descritas na Lei
1.111/16.
- A capital Boa Vista estará presente na 4ª edição da EndoMarcha,
Marcha Mundial pela Conscientização da Endometriose, no dia 25 de março. Qual a
importância de movimentos oriundos da população e com participação ativa da
sociedade civil?
Deputada Lenir Rodrigues: Com a Lei
1.111/16 ficou mais evidente a importância da EndoMarcha em Roraima, para nosso
estado será uma grande honra estarmos participando de uma ação mundialmente
conhecida. É como se o Estado de Roraima estivesse dormindo enquanto suas
mulheres estavam sendo mutiladas sem informação. Vamos GRITAR, ALARDEAR E
COMUNICAR que a Endometriose EXISTE e que tem tratamento. Que precisamos exigir
tratamento público e com profissionais preparados.
- Foi com a EndoMarcha que conseguimos a
primeira lei de endometriose do Brasil, na cidade de Campo Grande, no MS. Qual
a importância deste movimento para Roraima, em especial, Boa Vista?
Deputada Lenir Rodrigues: Foi com o sofrimento
dentro de casa, nas dores da minha filha, nas lágrimas que derramei e que a
vi derramar... foi buscando informações que os profissionais de saúde durante
anos não souberam responder... foi vendo a intoxicação de remédios inúteis e
prescritos de forma equivocada, aleatória e sem resultados. Foi na ameaça,
sim, soa como uma ameaça: “você não poderá ter filhos!” Foi sentindo-se
ignorante, sem acesso à informação, sem acesso a um serviço de saúde pública,
foi vendo minha filha saber mais de endometriose que os profissionais de saúde
que a atendiam... que literalmente seguindo o exemplo de Mato Grosso do Sul,
vamos enfim... começar uma grande marcha para romper a ignorância sobre
endometriose.
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